Atualizado em 17/10/2024 por Sylvia Leite
Provavelmente ninguém discorda que o mais saboroso de uma viagem é conhecer tudo pessoalmente, olhando as cores, sentindo os cheiros e ouvindo os sons de cada cidade, praça ou manifestação cultural. Pois no Museu da Gente Sergipana, em Aracaju, a gente consegue chegar muito perto dessas vivências, por meio de variados recursos de interatividade. E tudo já começa nas boas vindas, dadas por ‘Josevende’ – um personagem virtual, que se apresenta como feirante e nos oferece todo tipo de produto, – de agulha e linha a missais e garrafadas – revelando hábitos e crenças, saberes e fazeres, tudo permeado pelas expressões populares e pelo sotaque local.
Os mais ousados podem gravar um texto dos inúmeros livretos de cordel que estão guardados no acervo do museu, ou arriscar um desafio com repentistas sergipanos. E se isso ainda for pouco, dá pra interagir com o espelho e aparecer vestido com trajes usados em manifestações folclóricas como Reisado, Chegança ou Taieira, entre outros.
No espaço ‘Nossos Falares”, as paredes estão cobertas por palavras que soam exóticas ao visitante, como sumítico, que significa avarento; ou foló que significa folgado, frouxo. Mais adiante, outra curiosidade: pegar um bigú é o mesmo que pegar uma carona. E surgem também os verbos que apenas os sergipanos sabem conjugar: junir é o mesmo que jogar, no sentido de lançar; e ximar é demonstrar que está desejando – é ficar ‘secando’ – a comida do outro.
Depois de ler, é hora de ouvir. No átrio do prédio, o piso exibe um mapa do estado, que se divide em oito regiões. Para cada uma delas existe um totem onde você vai poder escutar histórias e causos narrados com os respectivos sotaques.
Museu da Gente Sergipana: interativo e temático
Um dos momentos mais lúdicos da visita está na seção Nossas Festas, onde um Jogo de Amarelinha – que os sergipanos chamam de Macacão – nos remete, a cada passo, a uma manifestação cultural do Estado. E, depois dessa brincadeira, ainda dá pra acessar as pequenas preciosidades do Estado no Jogo de Memória instalado em um enorme painel eletrônico.
Para os amantes da natureza, o ponto alto é a imersão no túnel da sala Nossos Leitos, momento em que os visitantes, sentados em um barco, fazem um passeio virtual pelos biomas do Estado: a caatinga, que significa mata branca, em alusão à cor dos arbustos em períodos de seca; os resquícios da mata Atlântica com sua exuberância; e a Zona Costeira, com destaque para o ecossistema dos manguesais.
O Museu da Gente Sergipana tem diversão também para os apaixonados pela gastronomia que podem se divertir na seção Nossos Pratos, onde vão tentar descobrir tentar os ingredientes que compõem cada prato da culinária sergipana, como Quiabada, Moqueca ou Maniçoba.
Tributo a uma figura lendária
Os menos atentos nem percebem, mas a entrada do Museu da Gente Sergipana abriga uma estátua. Até aí nada muito diferente do que se vê por toda parte. O curioso é que o homem homenageado no jardim do prédio não é um governante nem a autoridade responsável pela construção do museu e sim uma figura lendária na cidade, que viveu até 2012. José Martins Ribeiro Nunes, mais conhecido como Zé Peixe, chamava a atenção pelos hábitos excêntricos como o de só andar descalço, usando sapatos somente em ocasiões muito especiais. Mas o que o tornou célebre no estado e conhecido por navegadores do mundo inteiro foi a maneira como exercia sua profissão de prático ou piloto náutico, que consiste em auxiliar os navegantes na entrada e saída dos portos.
Uma das particularidades de Zé Peixe em seu trabalho de prático era o fato de não usar embarcação de apoio. Para orientar os que chegavam, navegava em uma prancha e aguardava em cima de uma boia a 12 km da praia. A espera podia durar até um dia inteiro ou mesmo uma noite. Já para conduzir um navio na saída do porto, preferia ir à bordo. Quando encerrava seu trabalho, pulava no mar de uma altura de 17 metros, ou cinco andares, e voltava nadando. Nesse retorno, enfrentava um percurso que poderia durar até três horas se os ventos não estivessem favoráveis.
Essa paixão pela água o tornou um grande conhecedor das correntes marítimas e lhe rendeu muitos prêmios, inclusive a Medalha Almirante Tamandaré, concedida a pessoas ou instituições que tenham prestado importantes serviços à Marinha do Brasil.
Um prédio centenário
Como se não bastasse esse mergulho na cultura local, o Museu da Gente Sergipana funciona em um dos prédios mais significativos da cidade. Foi construído em 1926 para abrigar o Colégio Atheneu Dom Pedro II, e ficou popularmente conhecido como Atheneuzinho. O apelido surgiu quando a escola ganhou um novo prédio para abrigar as turmas mais avançadas e o casarão onde hoje funciona o museu permaneceu com os alunos mais jovens. Assim, o prédio dos alunos mais velhos foi chamado de Atheneu e o dos mais novos virou Atheneuzinho.
Depois que o colégio foi inteiramente transferido para outro local, em 1969, o prédio foi ocupado por diversas instituições, inclusive a Secretaria de Estado da Educação. Mas, ao final de um certo período, embora fosse tombada pelo Patrímônio Histórico, a antiga sede do Atheneuzinho foi abandonada e por mais de uma década.
A restauração, iniciada em 2009, levou dois anos para ser concluída e respeitou as características originais de prédio. Entre as preciosidades preservadas está o piso em tábua corrida que alterna madeiras de duas tonalidades e as escadaria de madeira que leva ao piso superior.
Uma amostra dos grupos folclóricos
Depois de conhecer o prédio e descobrir, de forma interativa, as festas e tradições culturais, os biomas, a culinária e as expressões regionais dos sergipanos, chega o momento de atravessar a rua para olhar de perto os personagens do folclore local.
Em uma espécie de pier localizado na margem do Rio Sergipe, e batizado como Largo da Gente, oito esculturas do artista plástico Tati Moreno encarnam personagens das principais manifestações folclóricas do Estado: Lambe Sujo e Caboclinhos, Bacamarteiro, Cacumbi, Parafuso, Reisado, Chegança, Taieira e São Gonçalo.
Museu da Gente Sergipana: campeão de prêmios
Desde que foi inaugurado, em 2011, o Museu da Gente Sergipana recebeu diversos prêmios e condecorações. Com poucos meses de funcionamento, foi considerado O Melhor da Arquitetura 2012, na categoria Restauro, pelarevista Arquitetura e Construção, da Editora Abril. Entre outros prêmios recebidos estão a Ordem do Mérito Cultural, do Ministério da Cultura, e a Comenda de Incentivo à Cultura Luís Câmara Cascudo, do Senado Federal. Conquistou, ainda, o Prêmio Rodrigo de Melo Franco Andrade na categoria Responsabilidade Social, concedido pelo Iphan; o Atração do Ano de 2013 pelo Guia Quatro Rodas Brasil e o Certificado de Excelência 2014, do site de viagens TripAdvisor.
O reconhecimento veio também do público. Em 2016, o Museu da Gente Sergipana foi considerado pela agência de viagens online Expedia um dos museus mais visitados do Brasil e, em 2018, compôs a lista dos cinco mais visitados do Nordeste segundo o Instituto Brasileiro de Museus – IBRAM.12
Notas
- 1 Leia, aqui no blog, sobre lugares especiais de Sergipe: Aracaju / Mercado Thales Ferraz / Painéis de Jenner Augusto / Grota de Angico / Museu do Sertão / Parque dos Falcões / Horto de Caípe Velho / Cemitério dos Náufragos
- 2 Leia, também, matérias sobre outros museus pelo mundo afora: Museu de Imagens do Inconsciente / Museu Casa de Portinari / Casas de Neruda / Casa do Rio Vermelho / Cordisburgo / Museu do Sertão - Véio / Museu do Liceu de São Paulo /Getty Center / Dorsay / Museu do Amanhã / Museu Botero
Museu da Gente Sergipana – Aracaju – Sergipe – Brasil – América do Sul
Fotos
- Sylvia Leite
Referências
Agradecimento:
- Anna Fernanda Ribeiro
Museu lindo demais, que muito orgulha os sergipanos!
É lindo mesmo, e tem muuuito conteúdo.
Fiquei com curiosa para conhecer esse lugar tão especial.
Vale a pena, Marlene. Aracaju tem vários lugares especiais para você visitar e ainda dá pra fazer bate volta para vários destinos tanto no interior como no litoral.
Gente que especial este Museu da Gente Sergipana. Desconhecia a existência deste museu incrível e a possibilidade de ver a memória em multimídia. Sem dúvida o museu entrou em meu roteiro! Amei a dica!
É incrível mesmo. Pelo conteúdo, pela maneira como esse conteúdo foi trabalhado e pela estrutura multimidia que respalda tudo isso criando uma proximidade dos visitantes com a realidade que o museu apresenta.
Adorei a proposta desse Museu da Gente Sergipana. Já que conhecer!
Você não vai se arrepender, Angela.
Está precisando uma ampla divulgaçao nas salas de aula para os da terra e na midia em geral esse texto de Sylvia
Valeu, Lílian. Pode compartilhar com quem quiser.
Excelente Silvinha. O Zé Peixe homenageado, é de extrema importância. Seria impossível, calcularmos as perdas financeiras que ele evitou com o seu ofício.
Ele realmente foi uma figura incrível.
Ah que saudades me deu do Museu da gente Sergipana lendo seu post. Estive ai e adorei esse lugar.
Parabéns pelo post.
O Museu da Gente Sergipana é muito legal mesmo. Não me canso de visitar.