Atualizado em 01/05/2024 por Sylvia Leite
Os óculos são nossos velhos conhecidos. Desde criança, sabemos de sua utilidade na correção de problema visuais, na proteção contra o sol e do quanto podem servir também como charmosas peças de vestuário. Mas não é comum encontrarmos museus dedicados a colecioná-los como ocorre, por exemplo, com carros e relógios. O único do Brasil e, ao que tudo indica, das Américas, é o Museu dos Óculos Gioconda Gianinni, localizado em São Paulo, na boêmia região do Bixiga 1.
O museu reúne mais de 700 peças, das quais cerca de 300 estão em exposição permanente. São produtos originais produzidos entre os séculos 17 e 20, além de réplicas de armações mais antigas. Também fazem parte do acervo modelos de óculos e equipamentos usados por oftalmologistas, como uma Caixa de Provas com dezenas de lentes. O Museu dos Óculos guarda, ainda, fotos, ilustrações e outros documentos que nos ajudam a conhecer a história dos óculos e a maneira como essa peça, tão trivial em nossos dias, impactou a história cultural da humanidade.
Uma breve história dos óculos
A palavra óculos deriva do vocábulo latino ocularium, que, na Antiguidade Clássica ( do século 8 a.C. até século v d.C.) foi usado para nomear os orifícios ou fendas presentes nas armaduras dos soldados. Eram as ‘janelas’ por onde aqueles homens viam o mundo. Havia também, segundo registros do filósofo Confúcio – cerca de cinco séculos antes de Cristo – um tipo de óculos sem grau usado como enfeite e símbolo de distinção social.
Embora, desde pelo menos o ano 2.000 antes de Cristo já se vislumbrasse a possibilidade de ampliação da imagem a partir de um pedaço de vidro curvo, naquela época, até onde se sabe, nem se cogitava a hipótese de fazer disso um instrumento para enxergar melhor.
Durante séculos, quem sofria alguma perda de visão, tinha que se conformar com a ajuda de terceiros para ler ou identificar objetos. Há relatos de que Cícero (106-43 dC), considerado o mestre da prosa latina, se ressentia do fato de não ter boa visão para leitura e precisar de escravos que lessem para ele em voz alta.
Somente no século 11 é que o árabe Ibn al-Heitam esboçou as primeiras ideias sobre o uso de lentes polidas para a correção de deficiências visuais. A proposta de Heitam, que aperfeiçoava um conhecimento mais antigo, foi colocada em prática dois séculos depois por monges italianos com a criação da Pedra de Leitura – que era uma espécie de lupa, de formato semiesférico e feita com cristal de rocha, capaz de ampliar o tamanho das letras quando colocada sobre o texto. É dessa época a palavra alemã brille – que deriva de beryll (berilo) – nome do cristal de rocha polido para transformar-se em pedra de Leitura.
O passo seguinte, ainda no século 13, foi o chamado “óculos com rebite”. Era a primeira vez que se produzia um instrumento para ser usado diante dos olhos. Assim como os modelos atuais, os óculos de rebite possuíam duas lentes colocadas em anéis de madeira e ligadas entre si por um rebite. A diferença principal é que não tinha como ser fixado no rosto. Era preciso segura-los com as mãos diante dos olhos.
A partir daí, muitas mudanças se sucederam até os óculos chegarem à sua forma atual. As primeiras evoluções dizem respeito à fixação dos óculos ao rosto. Primeiro surgiu o modelo Pince-nez ou Pincenê, nome francês formado pelos vocábulos pincer” (beliscar) e “nez” (nariz). Como o próprio nome diz, eram óculos ajustados apenas ao nariz. A imagem desse modelos de óculos ficou imortalizada na figura do jornalista e poeta Olavo Bilac que, segundo se conta, nunca quis trocá-los por modelos mais modernos.
Em seguida veio o modelo Lornhons ou Lornhão, que se diferenciam do primeiro por ter um cabo lateral com o qual é posicionado em frente aos olhos. Esse modelo tornou-se símbolo de elegância e alguns exemplares eram considerados verdadeiras jóias. Os Lornhons eram usados em teatros e há quem diga que foi a partir deles que surgiram os binóculos de ópera.
Os óculos com hastes laterais sobre as orelhas, como conhecemos atualmente, só começaram a ser produzidos no século 18. A partir daí, foram surgindo aperfeiçoamentos que ampliaram seu uso e os tornaram mais confortáveis e mais práticos.
As novidades não se limitaram às armações. Em 1441, por exemplo, surgiram as primeiras lentes para a correção de miopia. Em 1784, Benjamin Franklin criou lentes bifocais que se tornariam precursoras das atuais multifocais. E em 1827 foi a vez das lentes para astigmatismo. AS armações, por sua vez, foram ganhando detalhes capazes de proporcionar maior fixação e conforto.
Óculos escuros: objetos de desejo
Como vimos até agora, os óculos sempre foram vistos como ornamentos e símbolos de status, mesmo por aqueles que encontravam neles um enorme sentido prático. Os óculos faziam parte dos inventários das famílias e eram deixados como herança. E embora tenham se popularizado a partir dos anos 1970, não perderam seu fetiche. Aos poucos, foram se tornando peças de vestuário, especialmente depois do surgimento das coloridas armações de plástico e das lentes escuras, ou lentes de sol. Os chamados Óculos Escuros enfeitam além de proteger e são procurados por muitos como símbolos de elegância e distinção.
Assim como as lentes de aumento, as lentes protetoras já eram conhecidas e nesse caso até usadas de forma rudimentar pelo menos desde o início de nossa era. O primeiro caso de que se tem notícia teria sido do imperador Nero que , por ter olhos claros, se incomodava com o sol, e assistia às apresentações nas arenas através de uma lente verde, provavelmente de vidro.
Os primeiros óculos escuros que podem ser considerados precursores dos atuais surgiram na Alemanha no século 13, mas somente no século 17 é que foram produzidos os primeiros modelos com hastes laterais. Outra curiosidade é que até o século 20, os óculos escuros eram feitos somente com lentes verdes.
Hoje, além das verdes, há lentes de várias outras cores, como as marrons, pretas e cinzas, consideradas as mais comuns. E além de proteger contra o sol, os óculos escuros assumem outras funções, como enxergar no escuro (lentes amarelas) ou proteger contra a luz do computador (lentes azuis).
As inovações de cores e formas estimularam o desejo pelos óculos e seu uso como acessório de moda. Os modelos vão de formas geométricas ao estilho ”gatinho’ , imortalizados por personagens históricos ou famosos. Sem falar nos que trocam de hastes e aros e nos que servem ao mesmo tempo como óculos escuros e óculos de grau.
Museu dos óculos: o legado de uma paixão
A evolução dos óculos e seu uso como ornamento fez surgir uma nova especialidade: a dos os estetas óticos. E foi um desses profissionais, o ítalo-brasileiro Miguel Giannini, que criou o Museu dos Óculos, tendo como curador o artista plástico Hélio Leites. Além de esteta ótico, Giannini era design de armações e proprietário da Miguel Giannini Óticas, hoje tocada pelos herdeiros.
Giannini deu início a seu acervo como um hobby, estimulado por clientes que, sabendo de sua paixão pelos óculos, faziam doações de peças antigas. Somente décadas depois é que sentiu necessidade de expor sua coleção ao público.
O local escolhido para a instalação do Museu dos Óculos foi o segundo andar de sua loja – um casarão da década de 1920, conhecido como Castelinho Azul e Branco, localizado na famosa Rua dos Ingleses, ao lado do Museu Memória do Bixiga (Mumbi), e bem próximo ao teatro Ruth Escobar. O museu foi criado em 1996 e recebeu o nome de sua mãe Gioconda Giannini, cujo retrato pode ser visto assim que subimos a escadaria.
Entre as cerca de 700 peças que compõem o acervo do Museu dos Óculos, encontram-se desde peças antigas que ajudam a contar a história dos óculos, como uma coleção chinesa do século 17 e réplicas dos primeiros óculos descobertos na Alemanha no século 18, até exemplares que pertenceram a artistas, jornalistas, apresentadores e políticos, como Tarcísio Meira, Boris Casoy, Hebe Camargo e Luiz Inácio Lula da Silva , entre muitos outros. 2
Notas
- 1 Embora seja chamado de bairro, o Bixiga é uma área que não existe oficialmente, mas se tornou famosa no país inteiro. Sua maior extensão fica no bairro da Bela Vista
- 2 Leia, aqui no blog. matérias sobre outros lugares especiais de São Paulo: Liberdade / Minhocão / Cemitério da Consolação / Parque Augusta / Vila Itororó / Teatro Oficina /Theatro Municipal / Galeria do Rock / Viaduto do Chá / Estação Júlio Prestes / Parque Savóia
Museu dos Óculos – Bixiga – São Paulo – São Paulo – Brasil – América do Sul
Fotos
- Dornicke em Wikimedia - Domínio Público
- Sylvia Leite
Referências
- Site oficial do Museu dos Óculos
- Agência Brasil
No início da década de 70 morei bem perto do Bixiga, na Brigadeiro Luis Antônio. Lembro-me bem desse sobrado bonito, sempre de portas e janelas fechadas.
Não sabia que havia se tornado o Museu de óculos.
Ótimo texto, Sylvinha!
Bjs
Olha só! Sem saber, você acompanhou o nascimento do Museu dos óculos.
Showww de bola !!
Obrihada, Claudinei!
Fui cliente do Miguel Giannini e tive a oportunidade de conhecer o Museu dos Óculos. Seu artigo representa bem a vibe do local. Visita imperdível para quem usa óculos por necessidade ou por estética. Eu uso pelos dois motivos, adoro óculos
Que legal! Para visitar o Museu dos Óculos a gente passa por dentro da ótica e nas duas vezes que fui lá eu fiquei pensando como seria interessante escolher uma armação com a assessoria de Giannini. Talvez você possa nos contar sua experiência.
Que interessante, Sylvinha! Não sabia que existia esse museu em São Paulo. Muito legal saber dessa evolução. Adorei!
É legal mesmo. Vale a pena conhecer. Fiquei sabendo do Museu dos Óculos quando fui fazer a matéria sobre o Bixiga. Ele fica ao lado do Museu do Bixiga.