Vila Itororó: um espaço comunitário em permanente construção

Tempo de Leitura: 6 minutos

Atualizado em 25/07/2022 por Sylvia Leite

Casarão da Vila Itororó em 2021 - Foto de Sylvia Leite - BLOG LUGARES DE MEMORIANão é novidade, seja no Brasil ou em outros cantos do mundo, que imóveis antigos se transformem em museus ou centro culturais, mas a Vila Itororó tem particularidades bastante curiosas. Uma delas diz respeito à sua configuração, pois não era apenas um casarão, mas uma vila residencial que se organizava diante da moradia principal. Outra característica singular é o seu processo de restauro e de transformação em centro cultural, que já passou por várias etapas e está longe de ser concluído.

Em setembro de 2021, quase duas décadas depois do primeiro tombamento1, e parcialmente restaurado, o conjunto arquitetônico foi inaugurado como Centro Cultural Vila Itororó com salas de exposição, uma biblioteca, um palco e um café  onde se realizam mostras, shows e sessões de cinema. O local abriga, ainda, uma unidade do Fab Lab – rede de laboratórios públicos espalhados pela cidade de São Paulo onde são realizados cursos e oficinas de áreas tão diversas como costura e modelagem 3D.

O processo de transformação da Vila Itororó

Galpão onde funcionou o centro cultural provisorio - Foto Sylvia Leite -BLOG LUGARES DE MEMÓRIA As atividades culturais na área da vila começaram em um galpão (foto), localizado em terreno vizinho, de onde era possível observar do alto as ruínas em processo de restauro. Nesse enorme salão, havia espaço para quem quisesse jogar, fazer atividades artísticas, participar de oficinas, descansar nas redes e até cozinhar. Era possível, ainda, comparecer a reuniões periódicas onde se discutia os rumos do processo de restauração em andamento.

O galpão também era ponto de partida para as visitas guiadas ao canteiro de obras onde estava, e ainda está  em curso o resgate físico da Vila Itororó. Durante as visitas, feitas em pequenos grupos, os guias faziam questão e ouvir a opinião de cada um sobre como a vila deveria ser ocupada quando a obra fosse concluída.

O programa da visita era sempre o mesmo, mas a paisagem ia se modificando na medida em que avançavam asÁrea externa do Centro Cultural Vila Itororo - Foto de Sylvia Leite - BLOG LUGARES DE MEMORIA obras de restauro e se iniciava a ocupação dos imóveis prontos. Foram seis anos entre o início das obras e a inauguração do centro cultural ainda inacabado.

Um canteiro aberto para a comunidade

A preocupação da equipes que elaboraram o projeto é transformar as ruínas da Vila Itororó em um espaço cultural e comunitário, sem esquecer de resgatar o objetivo original da construção que era o de moradia compartilhada. E buscam fazer isso em diálogo com o público para que tanto sua configuração final como sua destinação esteja de acordo com a comunidade que iria ocupá-la das mais diversas formas.

Embora o projeto tenha um sólido embasamento teórico e diretrizes muito bem definidas, as dúvidas ainda são muitas porque a Vila Itororó passou por diversas fases desde sua inauguração, em 1922, e de tempos em tempos havia mudanças tanto em sua aparência física como nas formas de ocupação – algumas deliberadas e outras provocadas por fatores externos ou conjunturais.

Casas da Vila Itororó em 2021 - Foto de Sylvia Leite - BLOG LUGARES DE MEMORIASe discute, por exemplo, se o casarão deve ser restaurado de acordo com o projeto original ou levando-se em conta as transformações que foram feitas para abrigar mais de uma família. Outra questão bastante debatida é quanto à ocupação. Entende-se que, por um lado, o espaço deve abrigar – ao fim do projeto – um centro cultural, talvez localizado no casarão. Mas, e quanto às casas? seriam destinadas apenas ao funcionamento do centro e a residências artísticas ou pelo menos uma parte delas voltaria a ter a função de moradia popular? As respostas do público são as mais diversas, o que torna ainda maior o desafio dos condutores do projeto.

Vila Itororó: uma história de pioneirismo

Para entender a complexidade da Vila Itororó é preciso conhecer um pouco de sua história, que começou no início do século 20, no momento em que São Paulo começava a se modernizar. Seu idealizador e proprietário, FranciscoVisitante assiste vídeo em sala de exposições do Centro Cultural Vila Itororo - Foto de Sylvia Leite - BLOG LUGARES DE MEMORIA de Castro, era um filho de portugueses nascido em Guaratinguetá que antes de chegar a São Paulo, aos 15 anos de idade, tinha vivido com os pais em uma pequena vila na província do Minho, no Norte de Portugal.

Quando finalmente conseguiu dinheiro para construir, decidiu fazer, no mesmo terreno, um palacete, para sua moradia, e sobrados que seriam alugados para lhe garantir uma renda mensal.

O projeto da Vila Itororó era um sonho ousado, ambicioso e, ao mesmo tempo, distante das tendências imobiliárias da época. Se, por um lado, estava em sintonia com um mercado de grande demanda, quando 80% das residências da cidade eram alugadas, por outro andava na contramão das famílias mais poderosas que procuravam morar em bairros onde houvesse apenas palacetes.Painel de arte mural e piscina no Centro Cultural Vila Itororó em 2021 - Foto de Sylvia Leite - BLOG LUGARES DE MEMORIA

A vila foi além de misturar o palácio com as casas de aluguel: no mesmo terreno, havia um salão de diversão e uma piscina destinada à aprendizagem de natação – a primeira de São Paulo em um espaço residencial – que foi restaurada e está sendo usada como cenário de shows.

A intenção de seu idealizador era implantar um parque com vários tipos de banhos terapêuticos, aparelhos de ginástica e esgrima, salão de dança e jardins.

Um lugar em constante transformação

Antes que tudo isso se concretizasse, Francisco de Castro se endividou e faleceu três anos depois. A Vila Itororó foi então leiloada e entrou em uma nova fase. O palacete perdeu as escadas internas e foi dividido em quatro residências, alugadas a diferentes famílias. A piscina e o salão foram arrendados a um clube.Café do Centro Cultural V I - Foto de Sylvia Leite - BLOGLUGARES DE MEMORIA

Com o tempo, a configuração da vila foi mudando, em parte por influência das transformações ocorridas no entorno: antigos moradores passaram a sublocar quartos a estudantes e a trabalhadores que precisavam morar perto do trabalho. As mudanças atingiram também a estrutura da vila, pois algumas casas foram ampliadas com a construção de puxadinhos para abrigar novos inquilinos ou mesmo parentes dos moradores. Diante disso, a função original da vila, que era a moradia, transforma-se em uma ameaça à sua integridade.

No início da década de 1980, começa a ser discutido o tombamento que só vai acontecer em 2005. Nesse intervalo, o problema se agravou porque a Fundação Maria Cândida Sampaio, então proprietária da vila, começou a despejar moradores e demolir as casas desocupadas. A piscina foi alugada a uma lavanderia, que passou a utilizá-la como tanque. A uma certa altura, a Fundação decidiu parar de receber os aluguéis e isso acabou transformando muitas casas em cortiços. Somente entre 2011 e 2013 é que a vila foi inteiramente desocupada.Detalhe externo do casarão com coluna trazida do teatro São José - Foto de Sylvia Leite - BLOG LUGARES DE MEMORIA

Patrimônio histórico e arquitetônico

Além de sua importância histórica, por ter sido construída em um período de imigrações e constituir uma experiência única em São Paulo, a Vila Itororó tem também relevância arquitetônica – em parte por não se enquadrar em nenhum estilo, o que a torna ímpar, mas principalmente por seu palacete ter sido construído com elementos decorativos retirados de demolições, numa época em que esse tipo de aproveitamento não era sequer cogitado. Parte desse material – inclusive as colunas que enfeitam a fachada – veio do teatro São José, cujo prédio1 foi vendido à empresa de energia Light e teve seu interior totalmente demolido.

O restauro da Vila Itororó já dura quase duas décadas e deve levar ainda muitos anos para ser finalizado. Até lá muitas águas vão rolar porque o projeto tem 11 fases e somente três estão concluídas. 23

Notas

Vila Itororó – Bixiga – São Paulo – Brasil – América do Sul

Texto

Fotos

  • Sylvia Leite

Referências

  • Visita guiada
  • Livro "Vila Itororó, uma história em três atos", de Sarah Feldman e Ana Castro (baixar)
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Sidney Menezes
4 anos atrás

O Bixiga sempre o Bixiga, muito bom Silvinha.

Val Cantanhede
4 anos atrás

Na década de 70 morei na Brigadeiro Luis Antonio, bem pertinho da Vila Itororó e só agora com seu texto tão detalhado estou conhecendo a história do local.
Muito bom, Sylvinha!
Abraços
Val Cantanhede

Unknown
4 anos atrás

Ainda não tinha ouvido falar.

Regina Oshiro
Regina Oshiro
3 anos atrás

Um lugar que sempre tive curiosidade em conhecer.

MOISESMBC
2 anos atrás

Adorei saber que o guia ouve os visitantes durante a visita. É muito bom fazer estes passeios e ajudar na transformação do local como e o caso do espaço comunitário na vila itororó.

Victoria
2 anos atrás

Sabe que moro em São Paulo minha vida inteira e nunca fiquei sabendo da Vila Itororo? ADOREI saber e, quando tudo melhorar, vou fazer uma visita.

Luana Lopo
2 anos atrás

Olha que legal!!! Não sabia que a Vila Itororó tinha essa visita guiada! Já coloquei esse espaço comunitário incrível no meu roteiro da próxima viagem! Obrigada por compartilhar

Cintia Vaz
Cintia Vaz
2 anos atrás

Nossa sou de SP e não conhecia esse espaço comunitário da Vila Itororó. Fiquei muito surpresa e feliz por conhecer mais um pedaço histórico dessa minha cidade que eu não conhecia. Obrigada

Angela Beatriz Camara Martins
2 anos atrás

Adorei saber sobre essa visita guiada na Vila Itororó. Já vou incluir no meu roteiro na próxima viagem para SP.