Atualizado em 29/04/2024 por Sylvia Leite
A Semana de Arte Moderna aconteceu quando o Theatro Municipal tinha apenas 11 anos de construído. Até aquele momento, sua era composta basicamente por espetáculos líricos apresentados por companhias italianas, francesas, alemãs e russas. Além de figurar como um dos acontecimentos mais importantes da história do teatro, o evento marcou o início da abertura da casa de ópera para expressões artísticas não convencionais, como é o caso da dança negra de Katherine Dunhan, em 1950; da ópera em sete atos de Robert Wilson, intitulada, ‘Life and times of Dave Clark’, com duração de 24 horas, em 1974; e do espetáculo Roda Viva, de Chico Buarque, com montagem de Zé Celso Martinez, em 2020, para citar apenas algumas.
Com o tempo, o teatro e, principalmente, suas escadarias, ganharam status de tribuna, e passaram a abrigar todo tipo de manifestação: de performances de artistas anônimos e mesmo de alguns já consagrados, a movimentos políticos e sociais. Ao longo das décadas, o teatro recebeu manifestações como os protestos contra o Estado Novo e a ditadura militar, no século 20, ou, mais recentemente, a Semana de Arte contra a Barbárie.
Um prédio que abalou a cidade
A abertura para a vanguarda e para as causas políticas é uma característica adquirida ao longo do tempo. Em seu nascimento, o Theatro Municipal foi um capricho da elite cafeeira paulista que apreciava espetáculos internacionais de ópera e suas instalações precisavam atender aos anseios desse segmento que era, ao mesmo tempo, financiador e público alvo.
As pinturas do salão nobre são assinadas pelo brasileiríssimo Oscar Pereira da Silva, mesmo tratando-se de uma época em que as atenções estavam voltadas para a arte europeia, e quando vários pintores italianos haviam imigrado para São Paulo.
Se o luxo da decoração impressiona até hoje, imagine o que não significou para a população de São Paulo, quando mal começava a segunda década do século 20. O lustre da sala de espetáculos, por exemplo, é composto por sete mil cristais e 220 lâmpadas. Além das pinturas, o prédio reúne outras obras de arte como mosaicos, vitrais, além de inúmeras esculturas de bronze e de mármore distribuídas nas fachadas principal e lateral.
Sua inauguração, em 1911, foi uma festa privada para convidados ilustres, mas reuniu, do lado de fora, cerca de 20 mil pessoas atraídas pela pompa do edifício e, principalmente, por sua iluminação, numa época em que a luz elétrica ainda era novidade. Costuma-se dizer que, graças ao evento, São Paulo teve nesse dia o seu primeiro engarrafamento.
Do lado de dentro, os convidados assistiam a uma programação lírica. A escolha inicial tinha a ópera Hamlet, na versão do francês Ambroise Thomas, mas os nacionalistas protestaram e o jeito foi incluir, antes do espetáculo, a execução de o Guarani, de Carlos Gomes. Resultado: não houve tempo para tudo e a programação teve que ser interrompida, deixando a ópera sem epílogo.
Os fantasmas do Municipal de São Paulo
A influência francesa no Municipal de São Paulo parece não ter se limitado à arquitetura e à escolha da programação. Da mesma forma que Paris tem ‘O Fantasma da Ópera’, São Paulo também tem suas histórias de assombração. A diferença é que, segundo a lenda urbana, no Theatro Municipal, não há apenas um, mas vários fantasmas. Seriam espíritos de artistas que se apresentaram ali e continuam atuando depois de mortos.
Outra diferença em relação à assombração francesa é que “O fantasma da Opera” tem a identidade revelada e está contido em uma obra literária – o romance homônimo do escritor Gaston Leroux – enquanto em São Paulo há apenas relatos de funcionários e vigias sobre luzes que se acendem de madrugada, ruídos nos camarins quando o teatro está vazio e pianos cujas teclas tocam sozinhas.
Para os que acreditam nas histórias de assombração do teatro paulista, sua veracidade foi confirmada por dois fatos inexplicáveis ocorridos em 2016: o primeiro foi durante a apresentação da ópera Aida quando um elevador cênico que estava em perfeito funcionamento, na hora H não funcionou. O segundo, ocorrido semanas depois, foi na apresentação da ópera “Don Giovanni”, de Mozart. O problema, nesse caso, foi com a energia elétrica, que teve uma queda repentina entre a terceira e a quarta récitas. Mas a direção do teatro não embarcou na tese da assombração e interpretou as falhas como casos de polícia. Mas isso é outra história.12
Notas
- 1 Leia, aqui no blog, outras matérias sobre teatros: Theatro Municipal do Rio / Teatro Oficina / Theatro da Paz /Teatro de Epidauro
- 2 Leia, também, sobre outros lugares especiais de São Paulo: Capela de Santa Catarina / Pavilhão da Bienal / Galeria do Rock / Bixiga / Teatro Oficina / Viaduto do Chá / Vila Itororó / Parque Savóia / Parelheiros, Marsilac e Bororé
Theatro Municipal de São Paulo – São Paulo – São Paulo – Brasil – América do Sul
Fotos
- (1) skeeze em Pixabay
Referências
Para saber mais
- Se você está com planos de ir a São Paulo de avião, não deixe de ler a postagem do blog Na Proa da Vida sobre Como chegar ou sair do aeroporto de Guarulhos
Que delicia de leitura. Como sempre suas narrativas são muito preciosas.
Há alguns anos, uma diretora do Teatro, esqueci o nome dela, convidou o Grupo Miguilim para se apresentar.
Não dentro do teatro, mas na entrada, em frente àquela majestosa escadaria.
Elvis começou tocando o aboio e os meninos narraram lindamente, três dias seguidos. A diretora do teatro queria que os trabalhadores transeuntes entrassem para assistir estórias que vinham lá do sertão mineiro.
Ela convidou o grupo para fazer visita monitorada no teatro. E as histórias de assombração do teatro se misturaram com as histórias que os meninos ouviam no sertão.
Depois ela convidou o grupo para assistir o baile Cisne Negro. No camarote.
Acho que era no centenário de Manuelzão quando veio um grupo de Cordisburgo, Andrequicé e Morro da Garça se apresentar no Museu da Casa Brasileira. Aproveitando a vinda deles, a diretora do Teatro Municipal os convidou também.
Olha só: memórias que retornaram depois da leitura do seu texto.
Rosa Haruco
Parabéns pela reportagem do Theatro Municipal…belissima é a historia do Municipal de São Paulo.!
Obrigada pelo comentário. Pena que você não se identificou. Da próxima vez não esqueça de deixar seu nome.
Obrigada, Rosa. É muito bom saber que a matéria lhe trouxe boas lembranças. Beijo
Esse Theatro é um monumento, tive o privilégio de assistir uma ópera aí em um final de semana inesquecível!
É mesmo um monumento. Concordo com você. Obrigada pelo comentário.
Lindo demais, esse teatro. Uma das muitas preciosidades em São Paulo.
É verdade, Soninha. Adoro ir lá.
Nunca visitei o Theatro Municipal de São Paulo. Sou apaixonado por essa arquitetura antiga e todo o simbolismo cultural ao qual os teatros nos trazem à mente. Aprender um pouco mais lendo seu texto foi uma delícia.
Fico feliz com isso. Espero que volte sempre por aqui. Toda semana tem postagem nova no blog. Acompanhe!
Sou doida pra assistir uma apresentação no Theatro Municipal de São Paulo, mas nunca consegui.Até agora só conheci o prédio, que aliás é muito bonito. Quem sabe um dia, né ?
Sil Mendes
Gosto muito do Teatro Municipal de Sao Paulo, ja assisti belissimas obras ali. nao fazia ideia que era mal assombrado, muito bom saber mais sobre a semana de arte m. de 22 e essas curiosidades. como sempre adoro seus posts. Temas inteligentes que nos enriquecem.Obrigada
Vale a pena. Não desista.
Bom saber das histórias que estão por trás de cada lugar, não é?
Não conheço o Theatro Municipal ainda, por isso amo "viajar" pelos blogs, fiquei de queixo caído com o luxo da decoração e como você descreveu imagino como não foi no passado. Algum historiador/escritor poderia estudar a fundo esses fantasmas e relata-los né? Achei as histórias dos fantasmas bem curiosas.
Que bom que gostou. São histórias interessantes mesmo. Obrigada pelo comentário.
Que registro poético e histórico do Theatro Municipal de São Paulo. Não conseguimos fazer o tour guiado quando fomos, mas ler o seu post me fez entrar nesse templo clássico e conhecer sua importância cultural que permanece até os dias de hoje.
Que bom que você gostou, Fabíola. Obrigada pelo comentário.
Eu nunca estive no Theatro Municipal de São Paulo. Na verdade acho que não conheço nem o do Rio e nem o da minha própria cidade (Niterói). Conheço alguns em outros países. Amei o seu post com a história e as fotos são maravilhosas. Deu mais vontade ainda de visitar! Obrigada! 🙂
Pois então visite porque vale a pena. Obrigada pelo comentário.
Como eu AMO o Theatro Municipal. Acho um lugar de beleza exuberante e mostra tanto da nossa história. Adorei as fias!
Incrível o seu post sobre o teatro municipal. Ainda não o conheci por dentro, mas sempre tive muita vontade, e conhecer toda a historia me deixou emocionada. Obrigada por isso.
O Theatro Municipal é lindo mesmo. E tem uma programação muito boa.
Eu que agradeço. Pela leitura e pelo comentário.
Eu nunca conheci a conhecer o Teatro por dentro. Tentei ir uma vez no passeio gratuito que tem a tarde mas as vagas se esgotaram um 2h de antecedencia.. Assim que tiver uma vacina tento ir de novo. Conhecer o Teatro deve ser incrível!
Pode ter certeza que sim, mas é melhor conhecer assistindo um espetáculo.
O Theatro Municipal de São Paulo é espetacular, uma verdadeira joia rara, um encanto de patrimônio brasileiro e que carrega imaterialidades inspiradoras! Adorei o texto!
Que bom qe gostou, Deyse. Obrigada pelo comentário.