Atualizado em 26/05/2024 por Sylvia Leite
Os viadutos, segundo os dicionários, são uma espécie de ponte apoiada em arcos ou pilares, que atravessam vales, depressões, ruas, estradas ou ferrovias. Diferente das pontes sobre rios, que normalmente ficam famosas por sua beleza e grandiosidade, os viadutos em geral são mais modestos e limitam-se a cumprir sua função básica: ligar dois pontos para facilitar o deslocamento de pessoas e automóveis. Mas, no centro de São Paulo, essa ordem é subvertida. O Viaduto do Chá relega a descrição formal a segundo plano para se impor como um dos símbolos da cidade e como cenário de shows, eventos culturais ou de moda, manifestações políticas e até desfile de blocos no carnaval.
Além de ser um dos pontos mais fotografados e filmados como cartão postal de São Paulo, o viaduto histórico costuma ser usado para locação de filmes, como “Ensaio sobre a Cegueira”, de Fernando Meirelles, e também de novelas, como “Tempos Modernos” e “Ti Ti Ti”. É procurado, também, por equipes de televisão para a realização de entrevistas e de enquetes informais conhecidas no jargão jornalístico como “povo fala”.
Motivos para isso não faltam. O Viaduto do Chá está localizado no coração de São Paulo, sobre o também famoso Vale do Anhangabaú e algumas vezes serve de arquibancada para os inúmeros eventos realizados lá embaixo. Além disso, une duas das mais tradicionais praças da cidade: a do Patriarca, que dá acesso às Ruas Direita e Líbero Badaró – tradicionais vias do comercio central – e a Praça Ramos de Azevedo, que além de dar início à Rua Itapetiginga – outro importante corredor de lojas – ainda abriga o Theatro Municipal. Na área do viaduto encontram-se, ainda, duas outras construções históricas: o prédio da Light – antiga companhia de energia elétrica – hoje transformado em shopping, e o Edifício Matarazzo, hoje sede da Prefeitura Municipal.
Como se não bastasse tudo isso, trata-se de um monumento centenário – o primeiro viaduto a ser construído em São Paulo – e sua história está intimamente relacionada a um dos mais importantes períodos da história da cidade, que, na época de sua inauguração, já vivia os reflexos da prosperidade trazida pelo Ciclo do Café.
Um viaduto centenário
O Viaduto do Chá é considerado uma das obras que permitiram a expansão da cidade para além da colina onde foi fundada. Até a inauguração do viaduto, quem precisava ir de um lado a outro do vale tinha que descer o declive, passar por cima de uma ponte sobre o Rio Anhangabaú, hoje canalizado, e subir uma ladeira. A dificuldade de acesso emperrava o crescimento do Centro Velho (Praça do Patriarca, Rua Direita e Rua Líber Badaró), situado na colina histórica, para a área que se transformaria no Centro Novo, localizada a partir do ponto onde encontram-se hoje o Teatro Municipal e o Shopping Light.
Desse lado do vale, havia duas chácaras dedicadas ao cultivo do Chá da Índia, o que fez a região ser conhecida como Morro do Chá, nome depois transferido ao viaduto. Foi o loteamento dessas chácaras, com a criação de ruas e a venda de terrenos, que fez surgir a necessidade de facilitar o acesso entre os dois morros.
Duas versões para o Viaduto do Chá
O Viaduto do Chá foi inaugurado em 1892. Quem teve a ideia de construí-lo foi o francês residente em São Paulo Jules Martin – um homem que era pintor, professor, litógrafo, comerciante, e se destacou principalmente por sua atuação na Arquitetura. O projeto foi apresentado ao governo em 1877, mas as obras só começaram cerca de 10 anos depois. A razão da demora foi a longa negociação com os influentes moradores da região cujas casas seriam derrubadas para a realização da obra, entre eles o Barão de Tatuí.
Essa primeira versão tinha estrutura metálica, balaustrada de bronze, assoalhos de madeira e era iluminada por lâmpadas a gás. O material e alguns profissionais que trabalharam em sua montagem foram trazidos da Alemanha. Como a obra foi cara, e acabou sendo assumida pela Companhia de Ferro Carril de São Paulo, só podia passar por ali quem pagasse, o que lhe rendeu o apelido de Viaduto dos Três Vinténs – que era a quantia cobrada por pessoa para fazer a travessia. Para garantir o pagamento, foram colocados portões e guaritas nas duas extremidades.
O pedágio – primeiro de São Paulo e talvez também o primeiro do Brasil – foi derrubado cerca de cinco anos depois. Pressionada por um abaixo assinado liderado pelo vereador Pedro Augusto Gomes Cardim – jornalista e dramaturgo envolvido nos movimentos culturais da cidade –, a Prefeitura desapropriou o Viaduto do Chá e tornou o acesso gratuito.
O primeiro Viaduto do Chá não chegou a completar 50 anos. Sua estrutura metálica, com piso de madeira, não tinha força para aguentar a movimentação crescente do Centro da cidade, que era impulsionada pela expansão do comércio do café. Em 1938, a antiga construção foi demolida para dar lugar a outra mais moderna, feita de concreto armado. O novo viaduto, que permanece até hoje, foi projetado pelo arquiteto Elisário Bahiana com o dobro da largura e firmeza suficiente para não trepidar com a passagem dos bondes, como acontecia com seu antecessor.
Viaduto do Chá: o eterno cartão postal
Durante muitos anos, o Viaduto do Chá foi o principal cartão postal da cidade. Com o tempo, passou a competir com lugares como Avenida Paulista (1891), inaugurada um ano antes, e outros monumentos que vieram pouco depois, como a Estação da Luz (1901), o Theatro Municipal (1911), a Catedral da Sé (1913). Hoje entram também na disputa construções mais recentes como o Parque Ibirapuera (1954), o Memorial da América Latina (1989), a Sala São Paulo (1999), entre outros, mas quem quer entender a alma de São Paulo precisa começar a conhecê-la a partir do Viaduto do Chá.1
Notas
- 1 Leia, aqui no blog, outras matérias sobre lugares especiais de São Paulo: Edifício Matarazzo / Minhocão / Theatro Municipal / Estação Júlio Prestes e Sala São Paulo / Bixiga / Teatro Oficina / Galeria do Rock / Vila Itororó / Liberdade / Beco do Batman / Cemitério da Consolação / Parque Augusta / Capela de Santa Catarina / Pavilhão da Bienal / Parque Savóia / Parelheiros, Marsilac e Bororé
Viaduto do Chá – Centro – São Paulo – Brasil – América do Sul
Fotos
- (1,2,3, 5) Márcia Minillo - fotógrafa independente, editora do site Sampa Inesgotável - Facebook - Instagram
- (4) Carregada por Luiz Eduardo Cirne Correa no Pinterest
Referências
Para saber mais
- No blog Passos pelo mundo, da jornalista Carla Passos, você vai conhecer Oito lugares imperdíveis para visitar em São Paulo
- E para economizar, consulte a lista de Passeios baratos em São Paulo perto do metrô, postada no blog Viajante Econômica
Maravilhosas matérias como sempre
Obrigada, Marlene. Volte sempre!
Registro impecável desse pedacinho da cidade incrível que é São Paulo!
Valeu, Sylvinha!
Valeu, Soninha! São Paulo realmente é uma cidade incível. Estou com saudade de lá e da minha casa rsrs.
Vou observar com outros olhos o famoso Viaduto do Chá, depois de ler o texto de Sylvinha, conciso e rico em informações completamente novas (para mim). Longa história que a gente tem a sensação de apreender em poucos minutos. Como sempre, no "Lugares de Memória"
Obrigada, Jane. Bom ter sempre você por aqui.
Foi bom saber que o viaduto do chá é tão importante para São Paulo. Muito legal o fato de saber que ele é centenário, imagina que incrível. Adorei o post parabéns
Obrigada, MOISESMBC. Que bom que gostou. Volte sempre. Toda semana tem matéria nova aqui no blog.
Saudades. Área impossível de não passar quando estou em SAMPA.
Me deu saudade também. Faz mais de um ano que estou longe da minha casa.