Avenida Paulista: corredor cultural e símbolo de São Paulo

Tempo de Leitura: 11 minutos

Atualizado em 01/05/2024 por Sylvia Leite

Avenida-paulista - Foto site Governo do Estado de São Paulo - BLOG LUGARES DE MEMORIANão é à toa que a Avenida Paulista tem o título, conquistado por voto popular, de Símbolo de São Paulo. Assim como a cidade, essa avenida, desde o seu surgimento, no fim do século 19, sempre foi sinônimo de diversidade. No início de sua ocupação, quando abrigava casarões habitados por ricos fazendeiros e comerciantes, as diferenças limitavam-se à variação de estilos arquitetônicos, em geral condizentes com a origem geográfica de cada proprietário. Com o tempo, a Paulista foi se transformando em uma grande miscelânea e em palco de todo tipo de manifestação política, cultural e de costumes: das mais retrógradas às mais revolucionárias.

Mais que isso: a cada virada de ano, a Avenida Paulista se transforma em principal cenário da mais importante corrida da América do Sul, a São Silvestre. Embora o percurso tenha um alcance de 15 km e menos de um quinto deles sejam cumpridos na avenida, é da Paulista que todos lembram quando ouvem falar na corrida. A razão é simples: a corrida e o nome de seu criador estão o criador mantêm uma relação simbólica com essa via  por ser ali que funciona, há décadas, oa Gazeta Esportiva – o jornal criado por ele.

Parece incrível, mas a Avenida Paulista abriga hoje cerca de 200 mil habitantes – uma população superior à de tradicionais cidades turísticas como Poços de Caldas, em Minas Gerais, e Teresópolis, no Rio de Janeiro. Se fosse uma cidade, estaria entre as 150 maiores do Brasil. E essa população poderia ser bem maior se, ao longo dos anos, muitas moradias não tivessem sido substituídas por empresas, especialmente do setor financeiro.

A Avenida Paulista tem tudo

Fachada Capela de Santa Catarina - Foto de Sylvia Leite - BOG LUGARES DE MEMORIAAo longo de seus quase três quilômetros de extensão, a avenida mais famosa de São Paulo abriga de residências a prédios de escritórios; de hospital e igrejas a centros culturais, museus, cinemas, livrarias e meios de comunicação; de shopping centers, hotéis, lojas e restaurantes a galerias que reúnem estandes de produtos eletrônicos e até a camelôs.

Há, ainda, um tradicional clube construído pela comunidade sírio-libanesa, que leva o nome da cidade que mais contribuiu para a imigração síria em São Paulo: o Club Homs. O que poucos sabem é que essa eclética avenida concentra, ainda, a maioria dos consulados instalados em São Paulo, como o da Argentina, o da França, o da Itália e o da Índia, para citar apenas alguns.

Em oposição à paisagem inicial do fim do século 19 e começo do século 20, quando reunia apenas mansões das famílias mais abastadas, a Paulista hoje é uma selva de concreto que concentra, segundo dados do o Centro de Estudos da Metrópole (CEM-Cepid/Fapesp), mais de 8 mil e 500 imóveis comerciais.

Prédio da Fiesp - Foto de connectionconsulting em Flickr e Wikimedia - BLOG LUGARES DE MEMORIAAlguns dos prédios onde estão esses imóveis ganharam fama até fora do Estado. Caso do Conjunto Nacional, que mescla residências com cinemas, teatro e lojas, entre as quais a famosa Livraria Cultura; ou do Prédio da Fundação Cásper Líbero, mais conhecido como Prédio da Gazeta, onde funcionam um teatro, salas de cinema, uma escola particular e uma universidade; ou ainda do prédio da Federação das Indústrias do Estado de São Paulo, conhecido por seu formato inusitado e por abrigar um centro cultural.

Outros prédios ficaram famosos na cidade por causa de seus moradores. Exemplo disso é o Condomínio Baronesa de Arary construído no local onde antes foi a mansão da baronesa de mesmo nome e conhecido como “Treme treme” ou “Cortição” da Paulista por ter mais de 550 apartamentos. O prédio, envolvido em polêmicas, interdições e até pequenos incêndios, foi reduto de artistas e moradia de atores como Cacilda Backer, Elke Maravilha e Sérgio Cardoso.

Reafirmando sua inclinação pelos contrastes, a Avenida Paulista guarda em seu ponto mais central, uma das mais famosas áreas verdes de São Paulo. O Parque Tenente Siqueira Campos, mais conhecido como Trianon, foi construído junto com a avenida e hoje é um sobrevivente cercado de arranha-céus e margeado por duas das mais movimentadas vias da cidade.

E, para surpresa de muitos, essa não é a única área verde da Avenida Paulista. A fundação que mantém o hospital e a capela Santa Catarina, também localizados na avenida, mantém no local um extenso jardim, com quase quatro mil metros quadrados, que reúne cerca de 100 espécies vegetais1.

A Paulista como corredor Cultural

Museu de Arte de São Paulo MASP - Foto de Felipe Löhnhoff em Wikimedia - BLOG LUGARES DE MEMORIAÉ na Paulista que estão localizados alguns dos equipamentos culturais mais importantes da cidade, a começar pelo Museu de Arte de São Paulo (Masp). A instituição abriga o mais importante acervo de arte europeia do Hemisfério Sul, com mais de 11 mil obras, no icônico prédio projetado por Lina Bo Bardi, com seu famoso vão livre, que se tornou marco da arquitetura no Brasil.

Logo no primeiro quarteirão da Avenida Paulista, funciona o Instituto Moreira Salles, voltado para a promoção, a formação de acervos e o desenvolvimento de programas culturais nas áreas de fotografia, cinema, artes plásticas, iconografia e música. A poucos metros do Masp, encontra-se o Itaú Cultural, criado com foco em pesquisas e produção de conteúdo, que chega a receber até três exposições simultâneas, além de shows, espetáculos teatrais. Abriga, ainda o museu Itaú Numismática com cerca de 7 mil itens, entre moedas, medalhas e condecorações.

A Paulista é endereço, também, da Casa das Rosas – um centro cultural direcionado à Literatura e à Poesia, que funciona em um casarão de estilo clássico francês tombado pelo Conselho de Defesa do Patrimônio Histórico, Mirante do Sesc Paulista - Foto de Carol Vidal no site do Sesc Paulista - BLOG LUGARES DE MEMORIAArtístico, Arquitetônico e Turístico (CONDEPHAAT). Trata-se da última obra do arquiteto Ramos de Azevedo, o mesmo que projetou  os prédios do Theatro Municipal, do Mercado Municipal (famoso Mercadão) e da atual Pinacoteca do Estado.

Logo em frente, está o centro cultural Casa do Japão (ou Japan House), famoso pelas contínuas exposições de arte e cultura nipônicas. O centro integra um projeto voltado para a divulgação da Cultura Japonesa no mundo, que, até o momento, inclui apenas mais duas unidades além dessa de Sao Paulo: uma em Los Angeles, nos EUA, e outra em Londres, na Inglaterra. O prédio da unidade brasileira foi projetado pelo imprtante arquiteto japonês Kengo Kuma.

Para completar, é também na Avenida Paulista onde se encontra uma das mais atuantes unidades do SESC, que recebe o nome da própria avenida e oferece uma das vistas mais amplas da cidade em seu badalado mirante. Em São Paulo, mais que em qualquer outro estado brasileiro, as unidades do SESC têm sido responsáveis por grande parte da progranação cultural das cidades onde atua e reconhecidas como celeiros de artistas inovadores. Há,Prédio da Gazeta - Foto de Mike Pee em Wikimedia - BLOG LUGARES DE MEMORIA ainda, o Centro Cultural FIESP, projetado por Paulo Mendes da Rocha, que funciona dentro do prédio da instituição com teatro e sala de exposições..

Não podemos esquecer a concentração de cinemas e/ou teatros localizados em centros comerciais como o Conjunto Nacional, Prédio da Gazeta, Center 3, Shopping Cidade de São Paulo, Shopping Paulista e Cine Belas Artes. Os dois últimos ficam em esquinas com fachada e acesso voltados às vias transversais: avenida Rui Barbosa e Rua da Consolação, mas costumam ser incluídos no patrimônio da avenida,

Embora esteja localizado a 30 metros da Paulista, o Mirante o 9 de julho também costuma ser incluído em seu inventário histórico e cultural. O monumento, erguido em  1910, ficou abandonado por décadas e acabou recuperado por uma parceria público-privada em 2015 passando a funcionar como restaurante e local de shows, e servindo de ‘esquenta’ para as baladas das ruas Augusta e Frei Caneca. Mas foi fechado novamente em 2022 e a Prefeitura ainda não divulgou os planos que afirma ter para o local.

Em contraste com a arte e a cultura institucionalizadas, a Paulista é palco também de manifestações mais informais  Aos domingos, por exemplo, quando fica fechada para veículos, os pedestres invadem a pista de asfalto Arte da Paulista - Foto de Sylvia Leite - BLOG LUGARES DE MEMORIAe artistas de diversas modalidades aproveitam o espaço público para fazer suas apresentações.

A avenida é tomada também por artesãos que a transformam em uma grande feira de artesanato. E as manifestações acontecem ao lado dos ciclistas que passeiam ou simplesmente trafegam pelas ciclovias e de pessoas que transitam entre os equipamentos culturais ou utilizam o espaço para fazer suas caminhadas dominicais.

Na verdade, caminhadas e pedaladas. Sim, porque embora não tenha sido pioneira em ciclovias – a primeira foi inaugurada em 1976, na Avenida Juscelino Kubtisheck – a Paulista é hoje a referência nesse tipo de transporte na cidade. O próprio fechamento das pistas da avenida aos domingos coincide com a inauguração de sua ciclovia, que é a mais movimentada da cidade.

Tudo isso em um cenário que mais parece uma galeria de arte a céu aberto por reunir desde obras clássicas como a estátua da ninfa Aretuza e do Índio Pescador, de Francisco Leopoldo e Silva, até obras mais contemporâneas como O Fauno, de Brecheret, uma escultura sem título, de Tomie Othake, e um painel de street art do badalado Kobra.

O lugar preferido dos manifestantes

Sempre que uma categoria quer lutar por seus direitos, ou a população resolve se posicionar a favor ou contra alguma causa, a Avenida Paulista é quase sempre o lugar escolhido para concentrar os manifestantes, concorrendo apenas com a Praçada Sé e, em casos específicos, com o Vale do Anhangabaú ou o Largo da Batata.

 Parada-do-Orgulho-Gay-Foto-de-Ben-Tavener-em-Wikimedia-BLOG-LUGARES-DE-MEMORIAFoi na Paulista, por exemplo, que o movimento estudantil dos ‘caras pintadas’ deu início, em 1992, à campanha de rua que respaldou o processo de impeachment, seguido de renúncia, do então presidente Feranando Color de Melo, acusado de corrupção e de medidas econômicas impopulares. E foi na mesma avenida que manifestantes convocados pela organização Povo Sem Medo e pela Frente Brasil Popular protestaram contra o impeachment da então presidenta Dilma Roussef, concretizado em 2016.

Na campanha presidenciail de 2022, uma das mais acirradas da história do país, a avenida recebeu, indistintamente, e em diferentes datas, partidários das duas correntes que dividiram a maior parte dos votos do país. E todos sabiam que seria lá – como de fato ocorreu – que os vencedores, fossem quem fossem, comemorariam a vitória.

A Paulista foi também o lugar escolhido pelo movimento LGBT, hoje LGBTQIA+, para dar início, em 1997, à Parada do Orgulho Gay, que tem como principal bandeira o combate à LGBTfobia. A parada é realizada anualmente na avenida desde aquela data – com exceção dois anos de pandemia – e acabou se transformando em um dos mais importantes eventos turísticos da cidade, com um recorde de 4 milhões de participantes em 2022.

O tudo e o nada das transmissões

Vista_da_Avenida_Paulista_- Foto de_Rodrigo_Tetsuo_Argenton_em Wikimedia - BLOG LUGARES DE MEMORIACom toda essa movimentação e importância histórica, não é de se estranhar que, mesmo em tempos de maior calmaria, essa avenida tenha sido o endereço da primeira transmissão de rádio de São Paulo. Segundo o site TudoRadio, a transmissão ocorreu em 1894, pelas mãos de Roberto Landell de Moura, com alcance de oito quilômetros, entre o alto da Avenida Paulista e o alto de Sant’Anna e teria sido uma das primeiras do Brasil2.

Grande parte das trsansmissões seguintes, até os dias de hoje, continuam partindo dessa mesma vizinhança.  Atualmente, a Avenida Paulista concentra várias estações de rádio e as antenas fazem parte de sua paisagem. A mais alta delas, instalada no prédio da Fundação Casper Líbero, ou Prédio da Gazeta, mede 103 metros de altura e se destaca não apenas pelo tamanho, mas por sua semelhança com a Torre Eiffel e por sua iluminção cuidadosamente planejada pelo diretor de televisão, Nilton Travesso.

Ironicamente, se a Avenida Paulista é o local de maior concentração de torres de transmissão da cidade, é também ali que menos se consegue um bom sinal de qualquer natureza, tendo em vista as interferências.

A destruição de um patrimônio histórico

Avenida_Paulista_1902 - Foto Guilherme Gaensly - dominio público em Wikimedia - BLOG LUGARES DE MEMORIAAlém de refletir a complexidade de uma cidade cosmopolita, que recebeu imigrantes de toda parte, a Avenida Paulista também tem uma história singular, com marcantes transformações que ajudaram a transformá-la nesse caldeirão de culturas, saberes, convicções e interesses.

Essa avenida não nasceu naturalmente, em resposta à urbanização da cidade como ocorreu com tantas outras em São Paulo e no mundo. Sua existência foi planejada por um engenheiro uruguaio chamado Joaquim Eugênio de Lima – que atualmente dá nome a uma de suas mais importantes transversais.

Até aquele momento, o planalto onde hoje se localiza a Avenida Paulista era ocupado por chácaras e por ali passavam bois a caminho do matadouro. Joaquim Eugênio de Lima foi encarregado de adquirir os terrenos para a construção da nova via que inicialmente teria uma vocação residencial. Em meados do século 20, quando houve mudanças no plano diretor da cidade e foi liberada a construção de edifícios na região, houve uma crescente ocupação comercial, com destaque para o setor financeiro.

Avenida Paulista - Foto de Francis Anderson em Pixabay - BLOG LUGARES DE MEMORIASomente na década de 1990, quando muitas empresas transferiram suas sedes para novas avenidas abertas na região Sul da cidade, mais especificamente na chamada região da Berrine (nome da principal entre essas avenidas), é que a Avenida Paulista começou a se converter em corredor cultural.

O problema dessa trajetória é que as mudanças foram feitas a partir da demolição da maioria das mansões históricas restando apenas, atualmente, a já citada Casa das Rosas. A mansão da famosa família Matarazzo, que resistiu até a década de 1990, e parecia que estava a salvo da demolição, foi posta abaixo durante uma madrugada e anos depois substituída por um Shopping Center.

Resta saber se os prédios atuais, que substituiram os casarões, terão o mesmo destino de seus antecessores ou se, de agora em diante  a história arquitetônca da avenida será preservada junto com tudo que ela agora representa. 3

Notas

Avenida Paulista – Jardim Paulista – São Paulo – São Paulo- Brasil – América do Sul

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sidneyjs
sidneyjs
1 ano atrás

Muitas histórias, e cervejas em família ou com amigos. O melhor da Paulista é que se respira trabalho. Excelente matéria.

Sonia Pedrosa
1 ano atrás

A Paulista é um recorte perfeito dessa cidade que abraça todos que chegam. Belo registro, Sylvinha!