Atualizado em 29/04/2024 por Sylvia Leite
O sonho de proteger animais, alimentado por uma criança, no começo da década de 1980, foi o ponto de partida para a criação, cerca de vinte anos depois, do Parque dos Falcões – um centro de reabilitação e treinamento de aves de rapina localizado ao pé da Serra de Itabaiana, no interior de Sergipe. O protagonista do sonho, José Percílio Costa, está hoje com 45 anos e compartilha a administração do parque com Ricardo Alexandre Corrêa – um ex-militar da mesma idade que, como ele, também criou animais desde pequeno. Embora nenhum dos dois tenha formação acadêmica, o trabalho realizado no parque tornou-se referência no que diz respeito ao manejo, adestramento e reprodução de aves de rapina, atraindo biólogos, veterinários e outros profissionais e várias partes do mundo.
Os dois sócios têm formas diferentes de explicar o sucesso do parque, mas ambos apontam para a mesma causa: o manejo individual das aves – algo que eles aprenderam por meio da observação e da convivência com os animais. Ao contrário do conhecimento formal, que estuda as espécies dentro de uma visão coletiva e padronizada, a experiência prática de Percílio e Alexandre os ensinou a identificar perfis e estados emocionais de cada ave, e a tratá-las de forma personalizada.
Ao longo de muitos anos de trabalho, Percílio conseguiu desvendar a linguagem corporal e a vocalização de cada ave – como os sons de ataque, de afeto ou que alertam para a chegada de pessoas – passando a se comunicar com elas por meio de gestos e sons, como se falasse a mesma língua. Mais que isso: intuitivamente, começou a usar as mãos e o pensamento para acalmá-las ou até adormecê-las enquanto examinava seus bicos, asas e patas e essa habilidade especial lhe rendeu o apelido de ‘encantador de aves’.
Com o tempo, Alexandre, que sempre teve mais afinidade com os livros, acabou descobrindo respaldo científico para aquilo que os dois já faziam intuitivamente na teoria da morfogênese do biólogo inglês Rupert Sheldrake.
Mais de três décadas de experiência
Se o parque foi criado por volta do ano ano 2.000, a vivência de Percílio com as aves já dura mais de três décadas. Tudo começou com um ovo de carcará (caracara plancus), ave da família dos falconídeos, que José Percílio ganhou de presente quando tinha apenas sete anos. O ovo foi chocado por uma galinha e dele nasceu Tito – a primeira de uma população de aproximadamente 400 aves de rapina, de 38 espécies, mantidas atualmente pelo Parque dos Falcões. Tito é um falcão fêmea, mas seu dono não sabia e, por isso, ela foi batizada com um nome masculino. Quando descobriu o engano já era tarde para mudar.
A segunda ave teve uma história mais complexa. Aos nove anos, Percílio ficou sabendo que havia um falcão morto perto do lugar onde morava, no povoado de Areia Branca, no interior de Sergipe. Era uma fêmea e ele percebeu que dentro do corpo havia um ovo. Repetiu a experiência feita com Tito e do ovo da ave morta nasceu Veinha – uma falcão fêmea quiriquiri (falco spaverius).
Percílio era uma criança diferente. Não se interessava pelas brincadeiras nem pelos estudos. Só queria saber de cuidar das aves e pouco a pouco foi aumentando a sua criação que inclui falcões, águias, gaviões e corujas. Durante muito tempo, o sonho do garoto foi bancado pela mãe, a enfermeira aposentada Maria Alves Ribeiro. Mesmo com uma certa oposição do marido, que era um homem muito racional, dona Maria não abria mão de satisfazer o caçulinha de uma família de 21 filhos: seis do primeiro casamento do pai, três adotados e doze do casal.
Os animais eram mantidos no quintal da casa, que tinha cerca de 100 m². Foi ali mesmo, naquele viveiro improvisado, que Percílio tornou-se conhecido por biólogos e observadores de aves e virou tema de reportagens em todo tipo de veículo – de jornais a emissoras de televisão.
Enfim, o Parque dos Falcões
A mudança para a Serra de Itabaiana aconteceu por volta do ano 2.000 – ele não lembra das datas com precisão – logo depois que sua criação foi visitada por observadores de aves do Rio de Janeiro e um deles informou que um primo seu estava vendendo uma terra no pé da Serra de Itabaiana. Percílio se interessou pelo sítio e conseguiu negociar um valor tão baixo que deu pra pagar com o dinheiro da mesada acumulada, ao longo dos anos, em uma caderneta de poupança. Na mesma época, conheceu Alexandre, que tinha a mesma paixão pelas aves, e resolveu convidá-lo para ser sócio do parque.
No início, a financiadora do trabalho continuou sendo a dona Maria mas, com tempo, Percílio e Alexandre descobriram que o parque poderia ter sua própria fonte de renda se eles conseguissem criar um programa de visitas. Segundo Percílio, não foi fácil convencer as autoridades da área, que viam o parque como uma instituição voltada apenas à reabilitação de aves, mas, graças à astúcia da jornalista Silvinha Oliveira, que na época era assessora de imprensa da Secretaria de Turismo, o parque acabou incluído no roteiro de ecoturismo de Sergipe. Como ela acreditava no potencial turístico do parque, resolveu mostrá-lo, informalmente, a jornalistas que visitavam Sergipe a convite do governo. A repercussão da visita foi tão positiva que as resistências desapareceram.
Parque dos Falcões: da cura ao espetáculo
Mesmo depois que as visitas turísticas tornaram-se a fonte de recursos financeiros do parque, sua atividade principal continuou sendo a reabilitação de aves, trazidas de toda parte principalmente pelo Ibama, pela Polícia Ambiental ou pelo Corpo de Bombeiros. Algumas são vítimas de acidentes ou ataques de caçadores, outras são apreendidas em feiras ou nas mãos de traficantes. Seja qual for o caso, os animais chegam ao parque com ferimentos ou mutilações, muitos deles com problemas emocionais, que vão do estresse à depressão.
O desafio de Percílio e Alexandre é reabilitá-los completamente para que possam voltar à natureza. O trabalho de recuperação pode durar de um a vários meses, a depender do tipo e da gravidade das lesões e inclui treinamentos físicos para manter o peso e a agressividade naturais das espécies. São voos realizados individualmente, de uma a três vezes por semana, que simulam ataques a presas.
As aves que não se recuperam cem por cento passam a integrar a população do parque e, a depender de sua condição, podem tornar-se matrizes reprodutoras ou receber adestramento para participar das visitas turísticas.
Quase 40 aves estão treinadas para manter contato com os visitantes de forma segura e amigável. Elas são batizadas, atendem pelos nomes e mantêm uma relação de proximidade com seus tratadores. Caso de Dica – uma fêmea de gavião que levou um tiro na asa e não pode mais voar. Quando está perto de Percílio não desgruda dele e demonstra ter ciúmes quando outra ave se aproxima. Já a Tito – aquela fêmea de falcão que deu início a tudo, tem o privilégio de dormir no quarto do dono do parque. Tito está hoje com 37 anos e, pelo que se sabe, é uma das aves mais idosas da espécie.
Além de garantir o sustento do parque, as visitas turísticas são vistas por Percílio e Alexandre como um trabalho de educação ambiental. O programa começa com um vídeo sobre a história do parque, que os visitantes podem ter a sorte de assistir na companhia de alguma das aves que vivem soltas por ali. A etapa seguinte inclui a visitação dos viveiros, onde são transmitidas informações sobre a vida das aves, tanto na natureza como no cativeiro, o manejo de reprodução e os distúrbios que elas podem adquirir em contato com o ser humano. O ponto alto da visita é uma exibição de voos, com as aves comandadas pelo próprio Percílio e, para concluir, os visitantes podem ter contato com as aves e fazer fotos com elas.
Percílio e Alexandre explicam que o objetivo educacional da visita, além de despertar a consciência ambiental, é ensinar as pessoas a olharem as aves de rapina sem preconceito: apagar a imagem de “assassinas sanguinárias” e entender que são animais predadores com papel fundamental na cadeia alimentar. Além disso, mostrar que as habilidades especificas de cada espécie podem ser usadas para diversos fins, como manter as proximidades das pistas de aeroportos livres de pássaros e controlar o ataque de aves granívoras a lavouras.
Os que querem ir além disso, podem se inscrever nos cursos de manejo, adestramento e reprodução de aves de rapina oferecidos pelo parque, que atraem biólogos, veterinários, observadores de aves, falcoeiros e escritores de várias origens e também contribuem para a manutenção do parque.12
Notas
- 1 Leia, aqui no blog, matérias sobre outros lugares relacionados ao meio ambiente: Jardim Botânico do Rio / Horto de Caípe Velho / Arara-azul-de-lear / Museu da Gente Sergipana/ Projeto Tamar
- 2 Leia, também, sobre outros lugares especiais de Sergipe: Aracaju / Museu da Gente Sergipana / Mercado Thales Ferraz / Painéis de Jenner Augusto / Grota de Angico / Museu do Sertão / Cemitério dos Náufragos
Parque dos Falcões – Serra de Itabaiana – Itabaiana – Sergipe – Brasil – América do Sul
Fotos
- (1, 2, 3/4, 5/6/7/8, 9/10/11/12, 13) Divulgação Parque dos Falcões (fotos enviadas por Percílio e Alexandre)
- (14/15/16/17) Divulgação Parque dos Falcões (fotos enviadas por Percílio)
- (18/19/20/21) Fotos cedidas por: Carlos Roberto Leite de Rezende e Marco Túlio Leite Rodrigues (acima) Marcinha Alves e Lucinha Simões (abaixo)
Referências
Meus parabéns Sylvia Leite, para você e equipe que está se dedicando nessa corrente do bem para ajudar o Instituto Parque dos Falcões!
Obrigada, mas, na verdade, não estou fazendo nada de mais. O Parque dos Falcões já estava na lista de pautas do blog. Apenas a data de publicação coincidiu com o período da campanha do Kickante.
COMENTÁRIO POSTADO NO FACEBOOK POR SIDNEY MENEZES (Na época em que ocorreram os fatos relatados a seguir, ele era Coordenador Nacional do Grupo de Segurança de Voo da Petrobras):
Silvinha, Como esse pessoal me ajudou. Tive um problema seríssimo em uma plataforma marítima. Foi invadida por pássaros. Risco de acidente terrível na final pra pouso dos helicópteros. O pessoal fez um super trabalho com falcões associados a alguns ruídos e conseguimos com isso resolver a situação. Excelente escolha. Parabéns como sempre.
Legal Silvinha. Não sei se ainda é a mesma equipe, mas eles poderiam narrar aqui como foi o trabalho. Beijos.
Seria muito legal! Não quer falar com eles?
Adorei conhecer. Essas aves são divinas, nunca as vi sempre as amei. Vou colocar o parque em minha lista de visita. Abraço. Beatriz da roda de leitura IEB.
Amei seu texto, Sylvinha! Conheci o trabalho do Percílio em 2003 e fiquei impressionada com a interação mágica dele com os falcões.
Abraços,
Val Cantanhede
Que bom, Val! Volte sempre. Bjs
Legal, Beatriz.Coloque mesmo. você vai adorar.
Percílio é uma pessoa especial, generosa, de coração imenso. O trabalho dele é lindo e nós precisamos ajudá-lo nessa missão.
sonia pedrosa
Sim, Soninha. É um trabalho lindo, que merece ser divulgado e apoiado. Obrigada pelo comentário. bjs
Coisa generosa de real importância, num texto objetivo. Parabéns à missivista…
Valeu, Mauro, bjo
saudações a todos. AS circunstancias não me permitiram, mas teria sido muito edificante fazer um trabalho com aves resgatadas de situações de maus tratos, acidentes e outras nas quais, em condições normais, elas morreriam. Sou uma amante da natureza em todas as suas instancias. Gostaria muito de manter contato com alguém desta instituição, preferencialmente alguém que lide com as aves pessoalmente. Isso seria possível? agradeço pelo retorno.
Claro, Monica, você pode entrar em conato com eles pelo Instagram @parquedosfalcoes Segue a URL
https://www.instagram.com/parquedosfalcoes/