Jardim Botânico do Rio: um guardião da diversidade vegetal

Tempo de Leitura: 7 minutos

Atualizado em 07/04/2022 por Sylvia Leite

Aleia das Palmeiras - Foto de Ricardo Zerrener - Riotour - BLOG LUGARES DE MEMÓRIAQuando pensamos em visitar um Jardim Botânico, o que nos vem à mente é uma espécie de parque onde vamos ter contato com a natureza e, de quebra, conhecer algumas espécies vegetais. A ideia não tem nenhum erro, mas está incompleta. Em geral, o acervo de plantas é respaldado por pesquisas de espécies e ações educacionais. O Jardim Botânico do Rio de Janeiro (JBRJ) vai ainda mais longe: é uma das mais importantes instituições de pesquisa do mundo na área de conservação da biodiversidade.

Desde 2008, o JBRJ mantém o Centro Nacional de Conservação da Flora (CNCFlora), que executa mais de 300 planos de ação para conservação de espécies brasileiras ameaçadas de extinção. Conta, ainda, com programas de pós-graduação profissional e strictu sensu – , ambos voltados para a diversidade e o equilíbrio ambiental1 – além de publicações que dão visibilidade ao trabalho de pesquisa. São duas revistas científicas, guias de campo, vídeos e livros – um dos quais, o Livro Vermelho da Flora do Brasil, foi vencedor do Prêmio Jabuti (2014) na categoria Ciências da Natureza.

O compromisso da instituição com a preservação ambiental foi sendo tecido ao longo do tempo, comoAqueduto da levada - Foto de Halley Pacheco de Oliveira em Wikimedia - BLOG LUGARES DE MEMÓRIA resultado das próprias pesquisas, que acabaram revelando a devastação e a ameaça de extinção de milhares de espécies, mas sua vocação científica parece ter existido desde sempre.

Um começo voltado para fins econômicos

O Jardim Botânico do Rio de Janeiro foi criado em 1808, pelo príncipe regente D. João VI, e teve como primeiro desafio a adaptação de especiarias orientais – como canela,baunilha e pimenta – ao clima e ao solo brasileiros. As mudas vinham de outras colônias portuguesas e do Jardim Botânico La Gabrielle, da Guiana Francesa, que na época estava ocupada por tropas luso-brasileiras.Cômoro Frei Leandro - Foto Halley Pacheco de Oliveira - BLOG LUGARES DE MEMÓRIA

Uma década depois, a estrela do JBRJ passou a ser a Camellia sinensis, planta com a qual se faz o chá preto. Dom João VI, nessa época já coroado rei, passou a incentivar o seu plantio no Brasil e o Jardim Botânico do Rio foi um dos locais escolhidos para o cultivo2. Tinha, mais que isso, a incumbência de estudar e produzir sementes, que seriam espalhadas pelas províncias portuguesas. O objetivo era produzir chá em todo o império para exportação.

Ciente de que os chineses são detentores de um conhecimento milenar sobre todo o ciclo do chá, Dom Pedro trouxe alguns deles ao Brasil para que transmitissem seus saberes sobre a cultura e o beneficiamento do produto. Durante duas décadas, o JBRJ chegou a colher 340 kg da planta por ano, mas o cultivo acabou caindo porque o sabor da planta não foi aprovado pelo mercado internacional.Foto histórica do Jardim Botânico do Rio - Foto JBRJ - BLOG LUGARES DE MEMÓRIA

O chá não foi o único produto pesquisado no JBRJ com objetivos comerciais. Na mesma época, estudou-se também a Morus nigra – ou amoreira – com o fim de alimentar casulos do bicho-da-seda, e a Carludovica palmata – ou bombonaça – de onde se tira a palha para confeccionar os chamados chapéus Panamá.

Uma instituição dirigida por cientistas

A história do Jardim Botânico do Rio é pontuada, também, pela passagem, em sua direção, de personalidades marcantes que contribuíram tanto para a expansão de suas atividades como para a conquista de uma posição de referência no Exemplares da Revista - Foto acervo JBRJ - BLOG LUGARES DE MEMÓRIAcenário científico internacional. Um desses nomes é o frei Leandro do Sacramento, professor da Academia de Medicina e Cirurgia. Antes de assumir a direção do JBRJ, ele já integrava diversas academias europeias de ciências. Depois, ficou conhecido por suas aulas práticas de botânica em passeio público, que juntavam muitos curiosos. Segundo os cronistas da época, frei Leandro transmitia seus conhecimentos de botânica, especialmente os que se referiam ao chá, a todos que tinham interesse de aprender – de lavradores a proprietários rurais.

Tão importante como o frei Leandro, foi o também botânico João Barbosa Rodrigues, que impulsionou a pesquisa científica e deu início aos movimentos de preservação ambiental. Um de seus maiores feitos foi a criação do cargo de naturalista viajante com o fim de aumentar as coleções de espécies. Esses profissionais foram fundamentais em uma das maiores realizações de Barbosa Rodrigues: o estudo deAleia Barbosa Rodrigues - Por feliven - Flickr, - CC BY 2.0 - BLOG LUGARES DE MEMÓRIA campo das espécies brasileiras. Foi por meio desses estudos que se constatou a devastação ambiental decorrente da criação de pastos e do uso agrícola dos terrenos nas regiões serranas do Rio, São Paulo e Minas, o que acabou levando o JBRJ a lutar pela criação de uma reserva biológica em Itatiaia, depois transformada no atual Parque Nacional de Itatiaia. Foi também em sua gestão que o JBRJ ganhou uma biblioteca, um herbário e um museu botânico.

Outro diretor que fez história na instituição foi o médico e cientista Antônio Pacheco Leão, responsável pela implantação de um setor de estudos da anatomia vegetal que organizou, em 1936, a Primeira Reunião Internacional de Anatomistas de Madeira. Deve-se a ele, também, a criação da revista científica Archivos do Jardim Botânico – a primeira do país especializada exclusivamente em Botânica e voltada tanto a botânicos brasileiros como ao intercâmbio com centros de pesquisa da Europa e Estados Unidos.

Mas como toda regra tem exceção, houve um diretor – Bernando Serpa Brandão – que fez história não por suas realizações científicas, e sim por ter dado ao lugar uma identidade visual. Foi ele quem construiu a Aleia das Palmeiras (Roystonea oleracea) que se converteu na imagem símbolo da instituição. A aleia foi plantada a partir de um exemplar trazido das Ilhas Maurício pelo oficial da Armada Real Luís Vieira e Silva e plantada no Jardim Botânico por Dom João VI, em 1808.

Conta a lenda que, quando essa Palma Mater3 floresceu, em 1829, Serpa Brandão ordenou não apenas que se plantasse a alameda, mas também que todas as sementes da árvore mãe fossem queimadas anualmente para que o Jardim Botânico tivesse o monopólio da espécie – batizada aqui no Brasil como palmeira imperial. Mas seu desejo não teria se concretizado porque os escravos que cuidavam do jardim levantavam-se no meio da noite e colhiam as sementes para vender a fazendeiros. Em alguns anos, inúmeras propriedades rurais passaram a ter alamedas semelhantes à do Jardim Botânico e a procura era cada vez maior porque a árvore tornou-se uma indicação de status.

Múltiplas atividades no Jardim Botânico do Rio

Orquidário do JBR - Foto de Ricardo Zerrener - Riotour - BLOG LUGARES DE MEMÓRIA

Contar a história completa do Jardim Botânico e apresentar seus departamentos e linhas de pesquisa exigiria muito mais que uma matéria jornalística. São mais de dois séculos de existência, acompanhando as tendências mundiais e adaptando-se às circunstâncias locais. O que foi dito até agora é apenas uma pequena amostra das atividades do Jardim Botânico do Rio de Janeiro na área da pesquisa ambiental, mas é suficiente para transformar nosso passeio ao longo de suas aleias, pontes, pérgolas, canteiros ou pelo Arboreto, Orquidário e Bromeliário – em momentos de reflexão.

Cada espécie que admiramos, nos faz lembrar o conhecimento que se acumulou sobre ela, e cada construção, chafariz, aqueduto ou escultura nos traz à tona a história de uma instituição que sempre procurou se equilibrar entre os desafios científicos e o compromisso de oferecer à - Foto de Ricardo Zerrener - Riotour - BLOG LUGARES DE MEMÓRIA população um agradável ambiente de lazer.

Ao tecer essa trama, o Jardim Botânico do Rio de Janeiro incluiu em seus jardins uma espécie de centro cultural que reúne, além do Museu do Meio Ambiente, um museu arqueológico denominado Casa dos Pilões. Trata-se de uma construção do século 19, onde funcionou uma das unidades da Real Fábrica de Pólvora. Além de uma maquete que simula o funcionamento da Oficina Moinho dos Pilões, o museu mantém em exposição permanente objetos e fragmentos resgatados por meio de escavações.

O Jardim Botânico abriga, ainda, um corredor cultural, formado por um teatro, um café e o Instituto Tom Jobim, que reúne sua obra musical e poética, as obras musicais de outros artistas brasileiros e sua preocupação com a preservação ambiental.4

Notas

  • 1 Programa de Pós-graduação Profissional - Biodiversidade em Unidades de Conservação e Programa de Pós-Graduação Stricto Sensu em Botânica - Diversidade Vegetal: Conhecer e Conservar.
  • 2 Embora o cultivo tenha diminuído, a cultura do chá não foi totalmente excluída do Brasil e, na década de 1980 (alguns falam em década de 1970), famílias chinesas mantinham cerca de 1.500 plantações 40 fábricas no Vale do Ribeira, mas perderam mercado para produtores da Índia e da China.
  • 3 A expressão era usada para designar a palmeira plantada por Dom João VI, da qual descendem todas as palmeiras existentes no Brasil.
  • 4 Leia, aqui no blog, outras matérias relacionadas com o tema do meio ambiente: Horto de Caípe Velho / Parque dos Falcões / Arara-azul-de-lear / Floresta da Tijuca / Projeto Tamar

Jardim Botânico do Rio de Janeiro – Bairro Jardim Botânico – Rio de Janeiro – Rio de Janeiro – Brasil – América do Sul

Texto

Fotos

  • (1) Ricardo Zerrener - Riotour
  • (2, 3, 7, 8, 9) Halley Pacheco de Oliveira em Wikimedia , CC BY-SA 3.0
  • (4, 5) Jardim Botânico do Rio de Janeiro
  • (6) feliven - Flickr em Wikimedia

Referências

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Hebe Carvalho
3 anos atrás

Eu sou apaixonada pelo Jardim Botânico, cansei de passear com meus filhos pequenos por ai. Um lugar lindo repleto de natureza por todos os lados e nos dias de calor é um super refresco.

Mairim serafini
3 anos atrás

Que lugar repleto de beleza e de histórias. Eu fico inconformada de ainda não ter conhecido. Cada vez que veja posts e fotos do jardim botânico do rio fico sem acreditar que fui tantas vezes pra lá e não conheço o jardim botânico !!! Na próxima eu vou!

Unknown
3 anos atrás

Adorei saber mais sobre o Jardim Botânico no Rio de Janeiro. Já conhecia o lugar, mas não conhecia sua história. Fiquei encantada. Grata pelas informações.

Unknown
3 anos atrás

Adorei seu post. Conheço o Jardim Botânico no Rio de Janeiro, mas não sabia a história. Adorei conhecer. Obrigada pelas informações

Unknown
3 anos atrás

Amei saber tudo sobre o Jardim Botânico!!! Amo a natureza e as imagens são lindas!!!
Alessandra Kleis

Andrea
3 anos atrás

Eu acho lindo o Jardim Botânico do Rio, ainda não consegui ver pessoalmente, mas agora com a história vou colocar como primeiro da lista na próxima viagem para o RJ.

Anônimo
Anônimo
3 anos atrás

O Jardim Botânico é também um local especial para a observação de pássaros. Grupos de observadores de pássaros costumam ir lá. Tom Jobim , que tem um espaço em sua homenagem em uma área central do parque, costumava observar os passarinhos por ali. Augusta Leite Campos

Andrea Santos
Andrea Santos
3 anos atrás

Gostei demais dos esclarecimentos do que o Jardim Botânico do Rio oferece e representa em termos de conscientização e conservação do nosso patrimônio natural. Obrigada pelo post!

sonia pedrosa cury
3 anos atrás

Muito bom saber mais do Jardim Botânico, lugar que frequentei muito na minha infância… quase todo domingo, estava por lá. Deu saudade!

Ju Saueia
3 anos atrás

Eu sou apaixonada pelo Jardim Botânico do Rio, é um dos meus preferidos de todos. E agora sabendo mais da história dele, realmente fará minhas próximas idas nele muito diferentes e ricas. Obrigada por compartilhar!

Fabíola Moura
3 anos atrás

Que vontade de conhecer o Jardim Botânico do Rio e contemplar sem pressa toda a beleza dessa diversidade vegetal e a História do lugar, um patrimônio que precisa ser preservado.

Diego Arena
3 anos atrás

Já fui dezenas de vezes pro Rio mas só na ultima visita conheci o Jardim Botânico, que lugar incrível! Vale a pena conhecer!

Angela Beatriz Camara Martins
3 anos atrás

O Jardim Botânico do Rio me encanta! Um lugar histórico e cheio de charme. Essa diversidade vegetal é incrível! Adorei post!

Deyse Marinho
Deyse Marinho
3 anos atrás

Que matéria maravilhosa! Estou louca pra voltar ao Rio de Janeiro e revisitar o Jardim Botânico. De fato, é um guardião da diversidade vegetal!

cleonicein
3 anos atrás

Muito bom saber mais do Jardim Botânico,essa historia das sementes, achei fantastica!!! ainda bem que nao queimaram assim podemos ter mais e amis palmeiras como esta 🙂

TAMARA
3 anos atrás

Amoooo!! O Jardim Botânico do Rio de Janeiro é magnífico. Passei muitas horas inesquecíveis por lá com um grupo grande da nossa família …nossa…que lugar para ir!! Informações históricas e fotos no blog excelentes!! Parabéns !!

Nathalia Geromel
Nathalia Geromel
3 anos atrás

Já visitei o jardim botânico algumas vezes, porém não tinha observado tantas coisas lindas que nem essas que você trouxe no post ! amei todas as dicas, da próxima vez vou olhar tudo com mais calma, lugar lindo

Cintia Caciatori
Cintia Caciatori
3 anos atrás

Eu tive o prazer de conhecer o Jardim Botânico do Rio e até hoje foi o mais fantástico de todos que já conheci! Adorei o artigo, com certeza é um guardião da diversidade vegetal do nosso Brasil!

LeoSV
3 anos atrás

O Jardim Botânico no Rio é um dos meus locais preferidos na minha cidade. Gosto muito de ir lá, andar pelas aleias e sentar para respirar o ar puro. Sem contar toda a história por trás do local que você relatou de forma primorosa.

Cintia Grininger
3 anos atrás

Amei saber mais da história do Jardim Botânico do Rio, que considero um dos locais mais bonitos da cidade… sabia um pouco sobre a origem e fundação por D. João VI das aulas de história, mas não tinha ideia da sua importância econômica e, atualmente, de sua função de preservação. Maravilhoso!

Letícia
Letícia
3 anos atrás

Eu gosto demais do Jardim Botânico do Rio de Janeiro! Já fui lá muitas vezes e sempre que vem alguém de fora eu levo lá! Obrigada pelo post e por nos contar sua história! Adorei!