Atualizado em 30/04/2024 por Sylvia Leite
Quem vai pela primeira à Bienal de São Paulo mergulha em uma divisão inevitável: não sabe se olha para as obras de arte ou para a arquitetura do prédio. Concebido pelo modernista Oscar Niemeyer para abrigar o Palácio das Indústrias, o espaço hoje denominado Pavilhão Ciccillo Matarazzo, e conhecido como Pavilhão da Bienal, parece já ter nascido com a função atual, ou seja, sediar uma das mais importantes exposições de arte do mundo. E isso ocorre, entre outras razões, pela flexibilidade proporcionada por sua planta aberta, facilmente adaptável a intervenções tanto por parte de artistas como de curadores.
Não é preciso entender de arquitetura para admirar sua estrutura, formada pela combinação harmoniosa entre um contorno composto por linhas retas e mezaninos que recortam o espaço interno em curvas sucessivas, dispostas ao redor de um vão central com pé direito de 7,5 metros. Embora seja feita de concreto, a construção irradia leveza e movimento, além de transmitir uma ideia de interconexão por nos permitir avistar todos os andares a partir de qualquer um de seus pisos e por integrar a paisagem externa através das vidraças.
O prédio, que tem 250 metros de largura por 5º metros de altura, é composto por três andares e um auditório no subsolo. A comunicação entre o térreo e os mezaninos é feita por rampas que seguem a mesma linha sinuosa. Assim como quase todos os outros que compõem o conjunto inicial do Ibirapuera – a exceção é a construção conhecida como Oca – tem a forma de paralelepípedo, diferenciando-se deles apenas por possuir brises verticais de alumínio na fachada que se comunica do a marquise.
O Pavilhão da Bienal e o conjunto do Ibirapuera
O prédio foi inaugurado em 1954, durante as comemorações do IV Centenário de São Paulo, e é parte de um conjunto que inclui outras quatro construções também projetadas por Niemeyer: o Palácio das Nações – que hoje abriga o Museu Afro-Brasil –, o Palácio das Exposições – popularmente conhecido como Oca – e a marquise que faz a interligação entre os dois e o pavilhão. O quarto monumento é o antigo Palácio da Agricultura, que hoje abriga o Museu de Arte contemporânea – MAC. Esse prédio aparenta não fazer parte do parque por estar localizado do outro lado da avenida 23 de maio.
Para conceber tudo isso, Niemeyer contou com a parceria de outros arquitetos: Zenon Lotufo e Eduardo Kneese de Mello, de São Paulo e Hélio Uchôa, do Rio de Janeiro. O projeto original incluía, ainda o Auditório Ibirapurera Oscar Niemeyer, que só foi construído em 2005.
Bienal de São Paulo: ocupante principal do prédio
A Bienal de São Paulo passou a ser realizada no prédio que hoje é conhecido pelo seu nome somente seis anos depois de ser criada pelo mecenas Francisco Matarazzo Sobrinho – o Ciccillo Matarazzo – , e por sua mulher Yolanda Penteado. Foi na quarta edição da mostra, realizada em 1957. Nas três edições anteriores, a mostra foi realizada em diferentes lugares, inclusive em outros prédios do Ibirapuera.
A ideia de criar uma bienal em São Paulo surgiu depois que Ciccillo e Yolanda viajaram para a Europa e conheceram a Bienal de Veneza. A viagem aconteceu em 1948, ano em que o empresário fundou o Museu de Arte Moderna de São Paulo – MAM e doou ao acervo do museu toda a sua coleção de arte moderna brasileira. Dois anos depois, o casal levou a Veneza a primeira delegação brasileira e, no ano seguinte, 1951, criou a Bienal de São Paulo. Foi a primeira grande exposição de arte moderna de grande porte fora da Europa e dos Estados Unidos.
Seguindo o modelo da Bienal de Veneza, a mostra brasileira surgiu com a proposta de promover o diálogo entre artistas, especialmente brasileiros, e os movimentos de vanguarda surgidos na Europa que, pela dificuldade de comunicação da época, permaneciam desconhecidos no Brasil e no resto da América Latina.
A proposta de abrigar movimentos de vanguarda permanece até hoje, mas, segundo reconhecimento dos próprios organizadores, foi a segunda edição da mostra que causou maior impacto sobre a arte e a cultura brasileiras. Ficou conhecida como a Bienal da Guernica, por ter trazido ao Brasil a famosa obra de Pablo Picasso, que mede 3,49 metros de altura por 7,77 metros de largura. Além dessa e de outras obras cubistas, a segunda bienal reuniu artistas de diversas filiações ou influências como Piet Mondrian (Neoplasticismo), Edvard Munch (Impressionismo e Expressionismo), Paul Klee e Vassily Kandinski (Abstracionismo / Bauhaus).
O impacto se deu também em âmbito internacional, ainda que de forma diversa. Curiosamente, teria sido a partir de uma premiação nessa edição da bienal – o grande prêmio de gravura – que o italiamo Giorgio Morandi alcançou reconhecimento em seu país e no mundo. Por tudo isso, o crítico Mário Pedrosa considerou que “a 2a Bienal de São Paulo foi a maior exposição que se fez no mundo durante a década”.1.
Outras bienais que ficaram marcadas em tantas décadas de história foram a 10ª e a 28º. Ambas pela presença do vazio. A primeira, em 1969, devido ao boicote de 80% dos artistas convidados em protesto contra a edição do AI5 e a segunda, em 2008, como metáfora da crise conceitual que atingia os sistemas expositivos tradicionais e as instituições organizadoras de grandes mostras. Durante a 28ª Bienal, superfícies do prédio foram pichadas provocando um debate sobre a Arte de Rua. Uma ficou conhecida como a Bienal do Boicote e a outra como Bienal da Pixação.
A mostra, que tem duração de três meses, recebe cerca de 500 mil pessoas a cada edição e conta com uma programação paralela de seminários, debates, performances e apresentações. É considerada a maior do hemisfério Sul e a segunda maior e mais antiga do mundo, ficando atrás apenas da Bienal de Veneza que a inspirou.
Desde 1962, o evento é realizado por uma instituição privada denominada Fundação Bienal de São Paulo – criada pelo mesmo Ciccillo Matarazzo – que funciona administrativamente no pavilhão. Além de arcar com toda a organização da mostra, a fundação assume a tarefa de idealizar e produzir as representações brasileiras na Bienal de Arte e Arquitetura de Veneza e de levar recortes das bienais de São Paulo a outros estados e países nos anos posteriores à realização da mostra no Brasil, dentro de um projeto denominado Itinerâncias. Guarda, ainda, um importante acervo de Arte Moderna e realiza eventos e projetos na área educacional
O Pavilhão além da Bienal
Desde que passou a sediar a Bienal de São Paulo, e a ser conhecido por seu nome, o antigo Palácio das Indústrias do Ibirapuera recebeu inúmeras exposições e tornou-se palco de importantes eventos periódicos como a SP– Arte – Festival Internacional de Arte de São Paulo – que reúne, desde 2005, galerias de arte e design, editoras, revistas e museus.
Sua planta flexível e adaptável a praticamente qualquer situação, faz com que o prédio seja procurado, também, para a realização dos mais diversos eventos em áreas como cinema, televisão, literatura, arquitetura, gastronomia, moda. Entre as realizações periódicas que tomaram como sede o Pavilhão da Bienal, está o São Paulo Fashion Week, considerado o maior evento de moda do Brasil e um dos maiores do mundo, com público anual de aproximadamente 80 mil pessoas.2
Notas
- 1 Aspas reproduzidas do texto "A Incrível, Fundamental e Transformadora Fundação Bienal de São Paulo", de João Carlos de Figueiredo Ferraz - Site da Bienal
- 2 Leia, aqui no blog, sobre outros monumentos arquitetônicos, espaços culturais e bairros de São Paulo que merecem ser visitados: Minhocão / Parque Augusta / Vila Itororó / Bixiga / Teatro Oficina / Theatro Municipal / Viaduto do Chá / Galeria do Roque
Pavilhão da Bienal – Parque Ibirapuera – São Paulo – São Paulo – Brasil – América do Sul
Fotos
- (1, 3,4,5 e 6) Sylvia Leite
- (2) Linsensuppe em Wikipedia - CC BY-SA 4.0
Referências
Parabéns, querida amiga Sylvia Leite!
Excelente sua aula sobre a História da Bienal de São Paulo!
Obrigada, Ivan. Você sempre gentil. Bom te encontrar por aqui. Volte sempre!
A Bienal sempre me impactou, sempre me instigou. No tempo em que morei em São Paulo, não perdia e ela se transformava no tema principal das minhas conversas, por muitos dias seguidos. Na minha opinião, é o evento mais importante para a arte, no Brasil.
Concordo com você, Soninha. É impactante mesmo e acho que foi criada om esse propósito, de impactar para provocar debates, além, é claro de ser um espaço para divulgação e revelação de novos artistas.
Parabéns por mais essa aula de cultura e informação Sylvia. Adorei seu post sobre o pavilhão da bienal que abriga artes. Eu sou apaixonada por esse evento.
O Pavilhão da Bienal é um prédio muito bonito e impressionante. Costumo ir lá com alguma frequência, tanto na Bienal como em outras exposições, e não deixo de me sentir impactada pela beleza do prédio.