Atualizado em 01/05/2024 por Sylvia Leite
Quem admira a arte de rua – ou street art -, pode criar um roteiro especial entre Rio de Janeiro e São Paulo para visitar os expressivos murais de Kobra. Esse é o nome artístico do grafiteiro e muralista Eduardo Kobra que, em sua maioria, veiculam preocupações sociais, históricas ou humanitárias. O passeio pode começar no antigo porto do Rio de Janeiro, hoje conhecido como Porto Maravilha, onde está localizada a obra Todos Somos Um (Etnias). Esse mural foi parar no Guinness Book, ou Livro dos Records, como o maior do mundo na época em que foi pintado para os Jogos Olímpicos de 2016. O encerramento do passeio pode ser em São Paulo, onde vive o artista e onde está um dos seus trabalhos mais impactantes: o mural “Coexistência – memorial da fé por todas as vítimas da Covid“, que retrata crianças das cinco maiores religiões do mundo usando máscaras.
O mural Etnias foi criado especialmente para receber as milhares de pessoas que viajaram ao Rio de Janeiro em de 2016, para participar ou assistir aos Jogos Olímpicos. O desafio de Kobra era criar uma imagem gigante – com três mil metros quadrados – 15 metros de altura por 170 metros de comprimento) capaz de transmitir o simbolismo de união contido nos anéis olímpicos que formam a logomarca das Olimpíadas e fazem alusão aos cinco continentes habitados por humanos. Para representá-los, o artista escolheu mostrar a diversidade dos povos nativos do mundo e, amparado em uma profunda pesquisa, retratou as faces de integrantes de cinco tribos, uma de cada continente: os Huli, da Nova Guiné (Oceania); os Mursi, da Etiópia (África); os Kayin, do Myanmar e da Tailândia (Ásia); os Supi, da Lapônia (Europa); e os Tapajós, do Brasil (América) .
Os números nos murais de Kobra
Na concretização do mural Etnias, Kobra utilizou 1.800 litros de tinta branca para o fundo, 3 mil latas de spray e 700 litros de tinta colorida. O trabalho foi realizado em cinco meses: três para o desenho e dois para a pintura, essa última executada por uma equipe, com um ritmo de trabalho de 12 horas por dia. Mesmo assim, o tamanho do mural Etnias já foi ultrapassado pelo próprio Kobra no mural Cacau, em homenagem ao chocolate, que tem quase 6 mil metros quadrados e foi pintado em um paredão à margem da rodovia Castello Branco, em São Paulo.
Já o mural Coexistência tem dimensões muito menores, mas causou um grande impacto ao ser inaugurado em 2020 – momento em que grupos e nações de todos os credos e ideologias rezaram com a mesma intenção: de que os cientistas conseguissem descobrir remédios e vacinas contra a Covid-19. O painel exibe rostos de crianças das cinco maiores religiões do mundo: islamismo, budismo, cristianismo, judaísmo e hinduísmo.
A obra foi pintada no muro da Igreja do Calvário, localizada na esquina da avenida Schaumann com a rua Cardeal Arcoverde, duas das principais vias do bairro de Pinheiros. Segundo Kobra, além de transmitir uma mensagem de fé, esperança e união, sua intenção foi também “ressaltar a importância da ciência e do uso da máscara”.
Tanto em um como no outro, é visível a preocupação do artista com o respeito à diversidade e com paz entre os povos. Essa mensagem torna-se literal em outra obra localizada em um conhecido shopping de São Paulo. Trata-se do mural “Olhares da Paz” que retrata seis personalidades vencedoras do Nobel da Paz. São eles: Dalai Lama, Madre Teresa de Calcutá, Malala Yousafzai, Nelson Mandela, Mahatma Gandhi, Martin Luther King.e Albert Einstein.
História e Cultura
Mas não são apenas os temas da paz e do respeito à diversidade que preocupam o artista. Na série “Muros da Memória”, que o projetou no cenário da Arte de rua, Kobra deixou clara a sua preocuoação com as questões históricas.
Inspirado em fotografias antigas, ele produziu cenas de São Paulo do início do século 20. Um dos murais mais impressionantes da série mostra adultos e crianças, em preto e branco, na fila da loteria, ao longo de uma calçada. A obra está localizada na avenida Hélio Pelegrino,na zona Sul da cidade, e ocupa uma parede de 6 metros de altura por 30 metros de comprimento. Segundo o artista, essa série “além de abrir uma espécie de portal para o passado, funciona também como um protesto contra a falta de preservação do patrimônio histórico”.
Os murais de Kobra refletem, anida, sua preocupação com o meio ambente. Um dos exemplos disso está no mural “É genial andar de bike” que mostra o físico Albert Eienstein andando de bicicleta. A .relação da imagem do cientista com o ato de pedalar não é aleatória. Segundo Kobra, trata-se de uma alusão à seguinte frase de Eienstein, em carta enviada ao próprio filho: “Viver é como andar de bicicleta. Para manter-se em equilíbrio, você precisa sempre seguir em frente.” O painel está localizado na rua Oscar Freire, a principal via de comércio do elegante bairro Jardins, na região central de São Paulo.
Outro mural que vale a pena ser admirado em São Paulo é o de Oscar Nyemeyer, na Avenida Paulista, no qual a imagem do arquiteto é composta por detalhes de algumas de suas obras. O painel foi inaugurado no aniversário de São Paulo, meses após a morte de Niemeyer e, segundo o próprio autor, é uma de suas obras preferidas.
Artista desde a adolescência
Carlos Eduardo Fernandes, mais conhecido como Eduardo Kobra, ou simplesmente Kobra, é paulista do bairro Jardim Martinica, localizado na região de Campo Limpo, periferia Sul de São Paulo. Começou a carreira na adolescência como pichador. Naquela época, chegou a ser preso por causa das pichações, mas já era reconhecido pelos colegas como um ‘cobra’ no desenho e foi desse apelido que surgiu o seu pseudônimo atual.
Kobra começou a ganhar visibilidade com a série “Muros da Memória”, em São Paulo, mas a obra que lhe trouxe maior notoriedade foi “O beijo”. O mural, pintado em 2012 e em 2016, é uma recriação da famosa fotografia de Alfred Eisenstaedt. A imagem mostra o marinheiro George Mendonsa e a enfermeira Greta Friedman comemorando a vitória dos Estados Unidos sobre o Japão na Segunda Guerra Mundial. Foi pintado em Nova York, em uma parede visível a partir do High Line Park.
Em pouco tempo, O beijo se tornou um dos cenários de selfies mais fotografados da cidade. Estava prestes a tornar-se Patrimônio Imaterial de Nova Iorque, quando, talvez assustado com o tombamento, o proprietário do prédio tomou a polêmica decisão de apagá-lo.
Segundo o artista, pelo menos metade de sua obra já foi apagada. Alguns painéis ele refaz, outros, ele restaura antes que desapareçam. Caso do retrato de Airton Senna, na esquina da avenida Paulista com a rua da Consolação, na região central de São Paulo, um de seus trabalhosis preferidos. Mas muitas obras ficaram apenas na lembrança e ele vê isso com naturalidade porque a arte de rua é mesmo efêmera.
Murais de Kobra pelo mundo
Para quem não sabe, Kobra é considerado hoje um dos mais influentes muralistas da atualidade e foi premiado, em 2011, no maior evento de arte 3D no mundo: o Sarasota Chalk Festival. Seus murais foram muito além de São Paulo e Rio de Janeiro. Estão espalhados por cidades do Brasil e do mundo. No Maranhão, por exemplo, ele fez o painel Riquezas de São Luiz que reúne capas de livros de escritores famosos nascidos na cidade como Gonçalves Dias, Aluísio Azevedo e Ferreira Gullar. Em Toquio, Kobra retratou Tom Jobin, Vinícios de Moraes. Também criou um painel que integra a calçada de Copacabana com o Cristo Redentor.
Em Nova Iorque, está o mural Tolerância que mostra Mahatma Gandhi e de Madre Tereza de Calcutá postados frente a frente. Segundo o artista, seu propósito foi mostrar que as diferenças religiosas não devem se converter em barreiras e sim em pontes, já que o objetivo é comum. Assim como O Beijo, o painel Tolerância pode ser visto do alto do High Line Park.
Em Amsterdã, na Holanda e em Palm Beach, nos EUA, estão dois painéis de Kobra que podem ser vistos como gritos declarados contra o racismo. O primeiro é o retrato de Anne Frank, cujo diário, publicado após sua morte, conta os anos em que viveu escondida dos nazistas. O segundo retrata o ativista Martin Luther King no dia em que proferiu seu emblemático discurso “I have a dream”, em favor dos direitos civis dos negros norte-americanos.
Existem muitos outros murais de Kobra e certamente outros tantos ainda virão e poderão ser incluídas em diversos roteiros. 1
Notas
- 1 Leia, aqui no blog, matéria sobre um lugar de São Paulo coberto por Arte de Rua: o Beco do Batman
- 2 Leia, também, sobre outros passeios culturais que você pode fazer em São Paulo: Minhocão / Galeria do Rock / Estação Júlio Prestes e Sala São Paulo / Cemitério da Consolação / Parque Augusta / Galeria do Rock / Teatro Oficina / Theatro Municipal / Viaduto do Chá / Vila Itororó / Bixiga
Para saber mais
- No blog Lets Fly Away você vai conhecer o Boulevard Olímpico, onde está localizado o mural Todos Somos Um - Etnias - citado no início desta matéria sobre Kobra
Murais de Kobra – Rio de Janeiro e São Paulo – Brasil – América do Sul
Fotos
- (1) Sylvia Leite
- (2,3,4,5,6,9,10,11) Site do artista
- (7) Karolnovaes em Pixabay
- (8) Divulgação programa Provocações TV Brasil em Wikimedia
Referências
Maravilhosa história das pinturas de KOBRA. Conheço bem as do Porto do Rio de Janeiro que transformaram a paisagem em beleza e principalmente significado. Não conhecia a extensão de seu trabalho no mundo. Parabéns Sylvia por nos contar esta história.
Obrigada, Gusta. Volte sempre!
Parabéns Silvinha!! Amei a reportagem sobre o kobra. Admiro muito o trabalho dele. Sucesso.
Valeu! Obrigada pelo comentário. Toda semana tem matéria nova aqui no blog. Acompanhe!
Eu sou muito fã do Kobra, Conheço bem os murais dele aqui no Rio, não sabia de tantos detalhes que você contou aqui no seu post. Parabéns e obrigada por compartilhar
Que bom que gostou,Hebe. Talvez te interessem, também, as matérias sobre dois outros muralistas: Jenner Augusto e Athos Bulcão, esse último especializado na pintura em azulejos.
supermatéria, Sylvia, parabéns! maravilhosa.
Valeu, Vi. Obrigada pelo comentário.
Lindo demais. Isso, sim, é uma obra de arte.
Valeu, Soninha! Também gosto muito do trabalho dele.
Como são lindos os murais de Kobra, estou realmente encantada! Cheios de representatividade! Maravilhosos!
São maravilhosos mesmo, Deyse. Vale a pena admirá-los de perto.
Adoro arte de rua, e Kobra certamente se destaca muito. Acho incrível o trabalho dele no Rio de Janeiro e já vi algumas outras obras pelo mundo. Tem uma em Moscou que é linda também.
Sim, Marcela, Kobra é um ótimo artista, um ativista da paz e tem obras espalhadas pelo mundo inteiro.
Eu amo os murais de Kobra, já ví vários espalhados por lugares que passei, essas do Porto do Rio são fantásticas.
Os murais de Kobra são realmente fantásticos e eu concordo com você que o do Porto do Rio é um dos melhores.