Atualizado em 17/08/2024 por Sylvia Leite
Em um de seus contos mais famosos, intitulado “O recado do morro“1, o escritor Guimarães Rosa disse o seguinte sobre a Gruta de Maquiné, que está localizada em Cordisburgo2, Minas Gerais, sua terra natal:
… ali dentro a gente se esquecia numa admiração esquisita, mais forte que o juízo de cada um, com mais glória resplandecente do que uma festa, do que uma igreja…
Quem já esteve na gruta, sabe que Rosa não exagerou. Mesmo com as passarelas criadas posteriormente para facilitar o trânsito dos turistas, e com a iluminação artificial – elementos estranhos que tiram parte da naturalidade do lugar – visitar Maquiné é entrar em um mundo encantado de formas e cores.
São sete salões repletos de esculturas naturais talhadas pela água, que parecem brotar do teto e do chão e são chamadas cientificamente de estalactites e estalagmites, além de outras figuras que lembram colunas, cascatas ou animais. Sua constituição teria ocorrido mais de 500 milhões de anos atrás, na Era Neoproterozóica, quando o local, que hoje é sertão, ainda encontrava-se no fundo do mar, ou de um lago.
A lenda da Gruta de Maquiné
Isso é o que diz a Ciência, mas a beleza de Maquiné é explicada também por uma lenda que atribui a artistas anões a a autoria do espetáculo de cores e formas que a gruta oferece.
Conta-se que em um lindo bosque vivia um rei muito magro, magérrimo, que estava acostumado a ter tudo o que desejava e vivia exigindo de seus vassalos novas formas de diversão. Seus principais auxiliares eram o Gorducho, que o ajudava a locomover-se quando batia a fraqueza, e 13 anõezinhos artistas, que faziam música, pinturas, desenhos, esculturas e versos.
Chegou um momento em que o rei não se satisfazia mais com o trabalho dos anõezinhos e resolveu pedir ao mágico que apresentasse alguma novidade. A sugestão que recebeu foi que viajasse, mas como ele era muito magro, e concluiu que se viajasse iria emagrecer mais ainda, exigiu do mágico que encontrasse uma forma de se transportar sem fazer esforço.
Depois de muito tempo pensando e recebendo cobranças do rei, o mágico encontrou a solução: um espelho mágico capaz de transportá-lo a qualquer lugar. Mas o mágico fez uma recomendação: o espelho tinha que ser muito bem cuidado durante as viagens porque se ele quebrasse o rei não conseguiria mais voltar para casa.
Ao saberem dos poderes mágicos do espelho, os anõezinhos e o Gorducho resolveram fugir do reino e no momento em que o rei ia iniciar sua primeira viagem, os catorze jogaram-se contra ele na esperança de irem também. Imediatamente, todos caíram em uma gruta.
Ao perceber que os anões e o Gorducho queriam fugir, o rei sacou sua espada para executá-los mas ao tentar atacá-los, o rei acabou quebrando o espelho e ninguém conseguiu mais voltar para casa.
Os anões, que eram artistas, juntaram-se ao Gorducho, que era forte, e começaram a abrir galerias e a decorar as paredes, pisos e tetos da gruta com pinturas e esculturas e foi assim que, segunda a lenda, nasceu a beleza da Gruta de Maquiné.
A descoberta da Gruta de Maquiné
A gruta foi descoberta em 1825 pelo fazendeiro Joaquim Maria Maquiné, provavelmente um dos vários proprietários da região que buscavam grutas desconhecidas para extrair o salitre usado na fabricação de pólvora.
Apenas nove anos depois, Maquiné começou a ser explorada cientificamente pelo naturalista dinamarquês Peter Wilhelm Lund, que acabou se tornando o pai da Paleontolgia e da Arqueologia no Brasil.
Maquiné não foi a única gruta estudada por Lund, nem tampouco a primeira, mas certamente foi a que mais o impressionou, a julgar por esse conhecido comentário feito por ele: “A mais rica imaginação poética não saberia engendrar uma tão esplêndida morada para os seres maravilhosos; […] confesso que, seja quanto à natureza, quanto à arte, jamais contemplei algo tão maravilhoso”.
Conta-se que Lund chegou a morar dentro da caverna pelo período de dois anos e ali encontrou fósseis de aves gigantes e de diversos mamíferos, entre os quais se destacam Tigre Dente de Sabre (Smilodon Populator) e a Preguiça Pequena (Nothrotherium Maquinensis). Há duas hipóteses para a presença desses fósseis em Maquiné: os animais teriam entrado na gruta para fugir de predadores ou seus corpos teriam sido arrastados até ali pela água.
O zoológico de pedra
Pelo menos alguns dos animais cujos fósseis foram encontrados na Gruta de Maquiné estão representados na Praça Octacílio Negrão de Lima, localizada no centro de Cordisburgo, que é conhecida também pelo nome de Zoológico de Pedra Peter Lund.
São apenas seis imagens feitas com tela, areia e cimento pelo artista Stamar Azevedo. O Zoológico de Pedra não é um espaço fechado como o nome pode sugerir. Sequer tem uma área exclusiva para suas esculturas, que convivem com árvores, um coreto e alguns equipamentos de ginástica. Mas impressiona pela surpresa de se encontrar espalhadas em uma praça, numa cidade do interior, esculturas de mamíferos que povoaram a nossa pré-história.3
Notas
- 1 O recado do morro é um dos contos do livro Urubuquaquá no Pinhém, que compõe a obra Corpo de Baile, hoje desdobrada em uma trilogia. Os outros livros são Manuelzão e Miguilim e Noites do sertão
- 2 Leia, aqui no blog, sobre Cordisburgo, a terra de Guimarães Rosa.
- 3 Leia, também, matérias sobre lugares especiais de Minas Gerais: Congonhas / Cordisburgo / Sagarana / Serra das Araras / Paracatu / Gruta do Salitre / Morrinhos / Igreja da Pampulha / Marília de Dirceu / Curralinho / Vila de Biribiri / Dez lugares que nos remetem à Literatura de Guimarães Rosa
Para saber mais
- Se você gosta desse tipo de passeio, não deixe de ler a postagem sobre o circuito das grutas em Minas Gerais, no blog Chikas Lokas na Estrada
Cordisburgo – Minas Gerais – Brasil – América do Sul
Fotos
- Sylvia Leite
Referências
- Site oficial da Gruta de Maquiné (obs: site com problema de acesso)
Coisa linda!
Adorei a matéria e fiquei com vontade de conhecer essa gruta. Ainda mais com essa.historia e Guimarães Rosa circulando.Beijos
Adorei a matéria e fiquei com vontade de conhecer essa gruta. Ainda mais com essa.historia e Guimarães Rosa circulando.Beijos
É mesmo, Maga!
Pois é. Indo lá você pode conhecer também a Casa de Guimarães Rosa. E se for na Semana Rosiana participa de uma maratona literária. Já pensou?
Leia a matéria
https://www.lugaresdememoria.com.br/2018/07/cordisburgo-um-mergulho-no-grande.html
Pois é. Indo lá você pode conhecer também a Casa de Guimarães Rosa. E se for na Semana Rosiana participa de uma maratona literária. Já pensou?
Leia a matéria
https://www.lugaresdememoria.com.br/2018/07/cordisburgo-um-mergulho-no-grande.html
Maravilhosa reportagem Silvinha !
Adorei !!!!
Beijos
Conheci a gruta na minha adolescência, não existia a atual infra-estrutura, era natural e linda. Não sabia a história da sua descoberta e tão pouco a lenda. Grato por me fazer lembrar de um lugar tão bonito.
Amei.Vou compartilhar
Obrigada,Pablo!
Que sorte! Conheceu da melhor maneira! Eu que agradeço pela leitura e pelo comentário.
Ótimo. A quem devo agradecer?
Execelente Silvinha como sempre.
Obrigada, Sidney. Bjs
Mais um fantástico texto sobre uma de nossas maravilhas da natureza. Parabéns Sylvia. Augusta Leite Campos.
Obrigada, Gusta. Gosto muito de te ver por aqui.
Tenho memória afetiva da Gruta do Maquiné. Visitei o local na minha viagem de formatura. Vale muito a visita.
Que legal, Sabrina! Deve ter sido inesquecível conhecer a Gruta de Maquiné com os colegas de faculdade.
Não tinha conhecimento sobre a Gruta de Maquiné, quantas maravilhas pouco divulgadas temos em nosso Brasil. Estamos com viagem marcada para Minas em poucos dias, pena que só descobri essa maravilha agora que já estamos com o roteiro fechado.
A gruta de Maquiné é apenas uma das maravilhas do lugar. Tem ainda o
Museu Casa de Guimarães Rosa, a loja de Brasinha e todo um clima decorrente do fato de Cordisburgo ser cidade Natal do autor do Grande Sertão: Veredas.
Dê uma olhadinha na matéria sobre Cordisburgo aqui no blog.
Eu queria muito ter ido a Cordisburgo em minha última viagem a MG, mas não consegui. Tenho muita vontade de conhecer a Gruta de Maquiné!!
Quando for, não se limite à Gruta de Maquiné. Visite também o Museu Casa de Guimarães Rosa e a Loja de Brasinha. Tem materia no blog sobre tudo isso.
Nunca tinha ouvido falar da Gruta de Maquiné, parece ser um passeio muito interessante.
Realmente, Ana, a Gruta de Maquiné é um passeio muito interessante.
Conheci a Gruta de Maquiné em 29/05/1975. Tenho fotos somente da entrada. Visitei somente o primeiro salão. Naquela ocasião não havia estrutura turística. Quando passei pela vila rapazes ofereceram partes de estalactites. Rejeitei e tive a certeza que faltava muito empenho para a sua preservação.
A preservação do patrimônio histórico, cultural e arqueológico no Brasil é uma questão que exige luta permanente.