Atualizado em 29/09/2024 por Sylvia Leite
Quando se fala em Ciclo do Ouro, a imagem que nos vem à mente é a de cidades mineiras bastante conhecidas – como Ouro Preto, Mariana ou Tiradentes- , mas o lugar que concentrou a exploração do minério a partir de meados do século 18 foi uma povoação do Noroeste de Minas que se transformou na atual Paracatu.
Pelos registros oficiais, o ouro foi descoberto na região em 1744, pelo bandeirante Felisberto Caldeira Brant e, logo em seguida, nasceu o Arraial de São Luiz e Sant’Anna das Minas de Paracatu no terreno onde se encontra hoje o bairro mais antigo da cidade.
Há quem acredite que escravos fugitivos já conheciam as jazidas e, por isso, escolheram uma área próxima ao atual centro de Paracatu para estabelecer um quilombo, hoje transformado em bairro da Comunidade Quilombola de São Domingos.
A crença de que os negros foram os primeiros a extrair ouro da região baseia-se no fato de que as primeiras jazidas encontradas em Paracatu eram de aluvial, ou seja, o minério podia ser encontrado no leito e nas margens do rio. Isso, segundo os atuais moradores, fez com que quase todo mundo fosse de alguma forma minerador. Quando chovia, a enxurrada trazia pepitas que as pessoas recolhiam livremente e comercializavam em outros povoados. Como os alimentos eram produzidos ali mesmo, o ouro costumava ser trocado por sal e querosene.
A descoberta dessas novas minas coincidiu com o esgotamento das outras jazidas de Minas e de Goiás, o que contribuiu para a ascensão de Paracatu. Em pouco tempo, a rainha de Portugal, Maria I, elevou a povoação, que passou a se chamar Vila de Paracatu do Príncipe. Contam os moradores que o nome se deve ao fato da monarca ter se encantado com a riqueza do povoado e decidido doá-lo a seu filho Dom João VI.
Dona Beja e outras mulheres
A descoberta das minas acabou atraindo muitos poderosos a Paracatu e uma das personagens mais lembradas pelo povo é Ana Jacinta de São José, a famosa Dona Beja, também conhecida como Dona Beija. Ela teria vivido ali por dois anos, em um sobrado do centro histórico, na condição de amante do ouvidor – Joaquim Inácio Silveira Motta – por quem foi sequestrada quando tinha apenas 15 anos.
Segundo outra versão, Dona Beja teria apenas frequentado Paracatu – que era sede da jurisdição à qual pertencia Araxá – cidade onde ela cresceu e morou grande parte da vida. O sobrado, que hoje abriga o Arquivo Público, teria sido construído pelo ouvidor para hospedá-la nessas ocasiões.
Seja qual for a verdade histórica, a passagem de Dona Beja por Paracatu parece ser motivo de orgulho para os moradores e tema de muitas histórias. A mais conhecida talvez seja a do embate que ela involuntariamente criava entre as moças e as mulheres casadas. Conta-se que, enquanto essas últimas sentiam-se ameaçadas pela atração que Dona Beja exercia sobre seus maridos, as solteiras adoravam vê-la passar para copiar seus vestidos e ornamentos.
Dona Beja não foi a única mulher que deu o que falar em Paracatu. Há quem diga que uma mestiça chamada Mariana teria conseguido virar fidalga e frequentar a mesma igreja que os brancos. Depois de enriquecer de forma não muito precisa – talvez vendendo pepitas ou sendo presenteada pelos homens que a admiravam – ela teria presenteado Maria I com bananas de ouro, recebendo em troca da gentileza o título de fidalguia.
Conta-se, ainda, que era de Paracatu a primeira mulher a pleitear uma separação com divisão de bens no Brasil, em 1742. Tudo que conseguiu foi a autorização do padre para não dormir mais com o marido desde que continuasse morando na mesma casa e não falasse mal dele.
E para completar a lista, podemos acrescentar Firmina Santana, que além de ter sido a primeira nutricionista brasileira, assistiu por muitos anos o médico Josué de Castro, conhecido no mundo inteiro por seu trabalho de combate à fome.
De Afonso Arinos a Riobaldo
A pouco divulgada Paracatu é berço de personagens bastante conhecidos como o ex-ministro do STF Joaquim Barbosa, o ex-ministro da Ciência e Tecnologia Israel Vargas e o jornalista, jurista e escritor1 Afonso Arinos de Melo Franco. Os dois últimos são membros da Academia Brasileira de Letras.
E há quem acredite que Paracatu seja também o lugar escolhido por Guimarães Rosa como terra natal de Riobaldo, o personagem central de sua obra mais famosa: o “Grande Sertão: Veredcas“.
O próprio personagem, narrador do livro, afirma ter nascido em um “… sítio dito do Caramujo, atrás das fontes do Verde, O Verde, que verte no (rio) Paracatú”. Perto de lá tem vila grande – que se chamou Alegres – o senhor vá ver. Hoje mudou de nome, mudaram…”2.
A vila grande a que ele se refere seria a antiga Vila dos Alegres (formalmente Santana dos Alegres) que pertencia ao município de Paracatu e, em 1911, foi elevada à condição de município com o nome de João Pinheiro.
Patrimônio Nacional
Com o florescimento trazido pelo ouro, Paracatu ganhou calçamento, pontes, chafarizes e escolas. Uma delas abriga hoje a Casa de Cultura e a Biblioteca Pública. Outra permanece como escola atendendo cerca de 700 alunos. Onde era o Mercado Municipal, foi instalado o Museu Paracatu que reúne mais de 200 peças históricas, inclusive projetores de filmes. No sobrado de Dona Beja, funciona agora o Arquivo Público e vários casarões foram transformados em charmosos bares e restaurantes, alguns deles com programação cultural.
Como em todas as cidades coloniais, há, em Paracatu, a igreja dos brancos e a igreja dos negros, ambas construídas por escravos há mais de dois séculos. A primeira teria levado 50 anos para ser concluída com seus sete altares de madeira, todos talhados por discípulos de Aleijadinho. E além toda essa riqueza artística, acredita-se que a igreja foi construída em cima de um enorme veio de ouro.
Ao ser tombada pelo Instituto do Patrimônio Histórico, Artístico e Cultural – Iphan, em 2012, Paracatu já havia perdido parte do seu casario colonial e outros elementos arquitetônicos, mas ainda mantinha um centro histórico com 230 imóveis preservados.
Conta-se que na cidade havia vários chafarizes que forneciam água aos moradores e, a fim de guardar essa memória, a Prefeitura mandou construir, em 1999, o Chafariz da Traiana. O monumento inclui também outras referências, como a data em que o povoado foi elevado a vila pela rainha de Portugal e a imagem de uma mulata, personagem de várias lendas. Ao lado do chafariz, uma espécie de capela relembra monumentos que representavam os passos de uma Via Sacra e também se perderam antes do tombamento pelo Iphan.
O ouro continua em Paracatu
Embora de outra forma – explorado por uma empresa mineradora -, o ouro ainda está presente em Paracatu e corresponde a 22% da extração do minério no país. A era do aluvial terminou nas primeiras décadas do século 19. Restou a jazida primária, no topo do morro, que exigia tecnologia e capital inexistentes entre os mineradores da época e só começou a ser explorada mais de um século depois, na década de 1950.3
Notas
- 1 Livros de Afonso Arinos: Pelo Sertão (Contos - 1.898), Os Jagunços (Romance - 1.898), Notas do Dia (9000), além de outros póstumos ou inacabados.
- 2 Página 622, 2ª Edição, Editora Nova Fronteira.
- 3 Leia, aqui no blog, outras matérias sobre lugares que nos remetem à Literatura de Rosa: Cordisburgo / Sagarana / Morro da Garça / Serra das Araras / Morrinhos / Dez lugares que nos remetem à Literatura de Guimarães Rosa
Paracatu – Minas Gerais – Brasil
Fotos
- Sylvia Leite
Referências
- Site do Iphan
- Informações obtidas em pesquisa acadêmica de Maria Abadia Ferreira, realizada para trabalho disciplinar do curso de Pedagogia.
- Conversas com moradores da cidade: Cicero Soares da Silva, Flávia, Miguel Cerro, Lázaro Batista de Oliveira, Lindolfo Gonçalves de Carvalho, Marlene Costa Pinto, Nilda Vieira de Souza, Tércio Gomes.
Livros
- Romance Grande Sertão Veredas
Para realizar esta matéria, o blog `lugares de memória` contou com a importante ajuda de:
- 1- Joeli Cardoso, que sugeriu a pauta, me deu carona até lá e contribuiu com informações.
- 2- A família Moraes, que me hospedou.
- 3- Edna Moraes e Jurandy Marinho que me guiaram pela cidade.
- 4- Almir Paraca, professsor de História, ex-deputado estadual e ex-prefeito de Paracatu, que me passou pistas e informações.
Agradecemos de coração por incluir Paracatu nos roteiros de viagens, com seus valiosos registros
Eu que agradeço pela oportunidade de conhecer uma cidade tão linda. Queria muito saber quem escreveu este comentário. Não quer revelar seu nome? Abraços.
Legal, mas faltou dizer seu nome. Abraços.
É muita hitória nesse Brasil! Maravilha, Sylvinha! Parabéns pelo relato!
Beijo!
Mais um texto que é puro deleite!
Parabéns pela matéria, Sylvinha!
Abraços
Val Cantanhede
Muito boa a reportagem. Só assim tive a oportunidade de conhecer a cidade onde meu neto está a trabalho. Uma graça, linda e cheia de histórias. Parabéns, como sempre de muito bom gosto.
Parabéns Silvinha,linda matéria
Amei a matéria
É mesmo, Soninha! Uma beleza!
É lindinha mesmo. Aproveite que ele está lá e vá conhecer.
Obrigada. Quem escreveu o comentário?? rsrs
Obrigada! Pena que esqueceu de dizer seu nome.
Obrigada, Val, bjs
Adorei. Conheço Araxá, mas ainda não conheço Paracatu.
Amei é um lugar, que sempre sonhei conhecer,mais nuca tive oportunidade,só conheço de passagem.obrigada por está oportunidade de conhecerum pouco da história de Araxá sem sair de casa.
Como é proveitoso ler uma excelente matéria como esta ❗
Parabéns pelo trabalho.
Sou paulistana de nascença, mas mineira de coração. Amo Minas Gerais, berço de todas as fontes de cultura com um povo sem igual.
Grande abraço.
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