Mussuca: tradição e resistência em comunidade quilombola

Tempo de Leitura: 4 minutos

Atualizado em 04/10/2023 por Sylvia Leite

Blog lugares de memória - Matéria sobre a comunidade quilombola da Mussuca, em Laranjeiras, SergipeCada vez que nasce um bebê na comunidade quilombola da Mussuca, em Laranjeiras, Sergipe, o pessoal do Samba de Pareia tem a missão de homenagear a mãe e a criança, dançando, tomando meladinho 1 e cantando estes versos:

Na Mussuca eu nasci,
na Mussuca me criei,
com o Samba de Pareia,
na Mussuca eu morrerei.
Ô cadê o samba, oi ele aqui…

É assim desde o primeiro parto, quando o povoado ainda era um quilombo. Mas hoje o grupo também vai à rua em outras datas, especialmente na Semana Santa e no Dia da Consciência Negra, quando costuma haver apresentação de todos os grupos folclóricos locais.

Blog lugares de memória - Matéria sobre a comunidade quilombola da Mussuca, em Laranjeiras, SergipeO Samba de Pareia é dançado aos pares, que se alternam conforme a evolução da música. Antigamente era executada por casais, mas a troca de posições deixava os homens enciumados. Para evitar confusão, decidiu-se que só as mulheres participam e os homens ficam em volta para bater os instrumentos.

A Dança de São Gonçalo

Tão antigo como o Samba de Pareia é a Dança de São Gonçalo, formada somente por homens, quase todos usando roupas de mulher. Os rapazes se vestem assim em alusão às prostitutas pois, segundo a lenda, o santo marinheiro tirava as mulheres “da vida” por meio da música e da dança.

Hoje, a Dança de São Gonçalo já se apresenta de forma profana, em datas especiais, mas sua função original é homenagear o santo e Blog lugares de memória - Matéria sobre a comunidade quilombola da Mussuca, em Laranjeiras, Sergipepagar promessas. O trabalho completo leva oito dias: sete para ensaios e um para execução. O ritual começa com uma procissão, depois vem o almoço ritual e só então acontece a dança propriamente dita. O público, geralmente, é formado apenas pelo povo do lugar, mas se aparece algum forasteiro, como eu, é sempre bem recebido.

A Mussuca é conhecida principalmente pelos grupos folclóricos. Além do Samba de Pareia e do São Gonçalo, tem ainda dois remanescentes do período colonial: Samba de Coco e Reisado. Tirando as apresentações e os rituais, sobra história e identidade.

Décadas atrás, não havia ali habitante que não fosse negro. Hoje em dia já não é bem assim, mas das cerca de mil famílias da Comunidade Quilombola, poucos são mestiços e é bem difícil encontrar alguém de pele muito clara. Se aparecer, provavelmente veio de fora.

Nome de peixe

O nome Mussuca é uma alusão a um peixe preto, conhecido como Mussum, ou Muçum, que os primeiros refugiados teriam encontrado ao cavarem um poço para abastecimento de água. A mudança para Mussuca poderia ser apenas uma corruptela, mas é atribuída pelos moradores a uma ex-escrava conhecida como Maria Banguela. Ninguém sabe dizer, no entanto, o que teria motivado a alteração.

Segundo se conta, as terras da Mussuca foram doadas a essa escrava pelo próprio senhor, que teria decidido libertá-la pouco antes de morrer. O local serviu de refúgio aos que conseguiam escapar dos engenhos da região. A Mussuca também abrigou negros fugitivos em marcha para o famoso Quilombo de Palmares 2. Alguns pousavam e seguiam caminho, outros ficavam por ali mesmo e, dessa forma, foi-se erguendo o maior quilombo de Sergipe.

Depois da abolição, muitos voltaram a trabalhar nos canaviais, outros empregaram-se nas pedreiras ou nas fazendas de sal. As mulheres que não foram absorvidas pelo mercado local, aprenderam a ganhar a vida por conta própria, enfiando os pés no mangue para pescar camarão e siri e, com isso, deram início a uma atividade que tornou-se responsável por pelo menos parte do sustento das famílias.

A escravidão se foi, mas a luta continua. Pela preservação da cultura e contra o preconceito, pois até hoje há relatos de pessoas que não conseguem emprego “porque são do quilombo”. 3

Notas

Mussuca / Laranjeiras/ Vale do Cotinguiba / Sergipe / Brasil

Texto

Fotos

  • (1) Divulgação
  • (2) Irineu Fontes
  • (3 e 4) Arquivo da Dança de São Gonçalo, cedidas por Neilton Santana dos Santos, mestre do grupo
Compartilhe »
Increva-se
Notificar quando
guest

33 Comentários
Avaliações misturadas ao texto
Ver todos os comentários
Elizete Cordeiro de Miranda
6 anos atrás

Eu não tinha ouvido falar desse quilombola. Gostei muito de conhecer essa história

R Leandro
6 anos atrás

Que coisa linda, vale muito a pena ser lido e compartilhado. Estou adorando o blog!

Unknown
6 anos atrás

Que lindo esse lugar!!! Quero ir lá, ver e ouvir esse samba de perto!!! Obrigado por compartilhar!! Lindo texto! Lindas fotos

Lenizia
6 anos atrás

Desconhecia essa história maravilhosa e esse local. Obg.e parabéns pelo trabalho de preservação e divulgação das nossas memórias.

Unknown
6 anos atrás

Muito legal! Gostei de ter esse conhecimento.

Unknown
6 anos atrás

Parabéns pela bela matéria. A Mussuca é uma comunidade quilombola encantadora. Sua gastronomia com mariscos e peixes da região é fantástica. Além do frango caipira e o pirão. Todos os dias vc descobre algo novo na Mussuca. Visite, vale à pena. Fica a 22 km de Aracaju, é uma Comunidade localizada na Cidade Histórica de Laranjeiras/Se.

Dilmar Franchini
Dilmar Franchini
6 anos atrás

Parabéns! Belíssima iniciativa. Resgate histórico.

Unknown
6 anos atrás

Belo registro, Sylvinha!!!! Parabéns!

Laura Alves
6 anos atrás

Ótimo, Sylvinha! Vamos lá em janeiro!

Unknown
6 anos atrás

Querida Sylvinha, quando fui à Laranjeiras comprei um cd da Mussuca e me emocionei quando escutei. Bjs.

Neilton Santana
Neilton Santana
6 anos atrás

A dança do São Gonçalo é uma das manifestação folclórica das mais bonitas que conheço, bom reavivar a memória através do seu texto. Obrigado pelo belo resgate.

Margareth
6 anos atrás

Que bacana!

Maria Helena
6 anos atrás

Gostei de saber. Não conhecia. Deve ser muito legal assistir e participar de um momento deles nas festas. Parabéns por colocar nossa terra aqui para ser conhecida.

Sidney Menezes
6 anos atrás

E chegou nosso Sergipe. Parabéns.

hilda
3 anos atrás

Sempre clara sua escrita, e como dizia Fayga Ostrower,só a clareza comove! Pois é bela.

Jorge Tavares
Jorge Tavares
3 anos atrás

Laranjeira é a escola do folclore. Não existe outra cidade com tantas manifestações culturais. O que precisamos na verdade, é não deixar que essas manifestações desapareceram. Para que isso não ocorra, se faz necessário uma mais conscientização das autoridades e dos órgão públicos da importância da mesma para a sociedade.