Tempo de Leitura: 6 minutosAtualizado em 29/04/2024 por Sylvia Leite
Quem passa pela Cinelândia, no centro do Rio de Janeiro, não pode deixar de notar uma construção imponente, à margem da Avenida Rio Branco, com o nome gravado da fachada: Theatro Municipal1F. Dentro desse prédio funciona a mais importante casa de espetáculos do país, o Theatro Municipal do Rio de Janeiro, e nele estão guardadas algumas dezenas de obras de arte. Quando foi inaugurada, era frequentada apenas pela elite por causa do alto valor dos ingressos. Hoje há espetáculos com preços populares ou até gratuitos e, para os que desejam apenas conhecer o local, existem visitas guiadas.
Entre os artistas convidados para colaborar com sua decoração está o pintor ítalo-brasileiro Eliseu Visconti, que assina todas as pinturas da sala de espetáculo. Do trabalho que realizou para o teatro destaca-se o pano de boca – uma obra de 12m por 12m que tem como tema e título “A Influência das Artes Sobre a Civilização”. Considerada a maior tela já pintada no Brasil, o pano de boca retrata cerca de 300 personagens que vão desde tipos anônimos até 75 identificáveis que incluem representantes da arte mundial, como Shakespeare, Mozart e Velasquez; da história e da artes do Brasil como Dom Pedro de Alcantara e Castro Alves; e alegorias como a Verdade e a Poesia. A pintura provocou polêmica entre conservadores por retratar negros em meio a personalidades importantes. Outra obra que vale a pena observar é “A Dança das Horas”, que fica no teto da platéia, e chama a atenção por ter sido feita apenas com três cores: o azul que representa a noite, o vermelho que representa o dia e o amarelo que representa o sol em torno do qual bailam as musas.
A dança, aliás, é um tema recorrente na decoração do Theatro Municipal. Nas rotundas do foyer, há oito pinturas do artista brasileiro Rodolfo Amoedo, que representam danças de diferentes países. Nos tetos desses mesmos espaços, a homenageada é a música e o autor das pinturas é Henrique Bernadelli. Há ainda uma pintura dedicada à música, também de teto, de Eliseu Visconti. Do século 20 para a Mesopotâmia
Por baixo da sala de espetáculos, em um andar térreo que se confunde com um sub-solo, esconde-se o Salão Assyrio (ou Assitius) – chamado assim por nos remeter aos primórdios da Civilização Ocidental. Sua decoração reúne elementos culturais de assírios, persas e babilônios – povos que viveram antes da Era Cristã e habitaram a Mesopotâmia – local onde se encontram hoje o Irã e o Iraque. Nascido como restaurante, esse espaço abrigou os famosos bailes de máscaras do Municipal; históricas apresentações de Pixinguinha e o seu grupo Os Oito Batutas; e chegou a funcionar também como museu. Hoje está de volta à sua primeira função e ainda mantém a decoração original.
O salão tem teto baixo, sustentado por colunas cujos capitéis exibem cabeças de touro em estilo persa. As paredes são revestidas de cerâmica vitrificada com painéis figurativos que exibem cenas como a coroação do Rei Dario I e seu exército de arqueiros imortais ( cópia em escala reduzida de uma obra do Louvre). As molduras das portas são ornamentadas com margaridas, a flor sagrada da Mesopotâmia. Mas a peça mais significativa talvez seja uma imagem esculpida em alto relevo em uma das duas fontes laterais, que representa o lendário rei Gilgamesh, cuja epopéia – um poema constituído por 12 placas de escrita cuneiforme -, é considerada uma das primeiras obras conhecidas da literatura mundial.
Theatro Municipal do Rio: símbolo da modernidade
O Theatro Municipal do Rio de Janeiro era um sonho acalentado pelos cariocas desde o século 19. Foi defendido inicialmente pelo ator e encenador João Caetano, mas só começou a ser concretizado depois de uma longa campanha iniciada pelo dramaturgo Arthur Azevedo logo após a proclamação da República, em 1889. A vitória só veio no século 20, quando o prefeito Pereira Passos decidiu incluir sua construção no projeto de reurbanização do Rio de Janeiro, inspirado nas reformas realizadas em Paris por George-Eugène Haussmann.
Quando ficou pronto, em 1909, o Theatro Municipal respirava modernidade. Foi um dos primeiros prédios do Rio de Janeiro a já ter luz elétrica desde sua inauguração, e, como se isso não bastasse, tinha também ar-condicionado. O material para sua construção veio de várias partes do mundo: vidros mármores italianos e gregos, onix argelino, lustres ingleses e cristais belgas. A proposta era mostrar a riqueza, o poder e a atualidade da República, nascida menos de duas décadas antes.
Para escolher o projeto, foi realizado um concurso que acabou em protestos porque uma das propostas mais bem votadas era de autoria do filho do prefeito. A fim de solucionar o problema, houve uma fusão dos dois primeiros escolhidos, o que não foi difícil porque ambos seguiam uma mesma linha, inspirada na Ópera de Paris. O prédio demorou pouco mais de quatro anos para ser concluído, mas seu maior defensor, Arthur Azevedo, não chegou a vê-lo pronto, porque morreu oito meses antes.
No momento de sua inauguração, o Theatro Municipal do Rio de Janeiro não ganhou logo seus corpus artísticos, como sonharam João Caetano e de Arthur Azevedo. Na primeira década, os espetáculos eram realizados por companhias que vinham inteiras da Europa. Na década seguinte, os empresários europeus passaram a trazer apenas parte de seus elencos e a completá-los com artistas locais. Somente em 1927, foi criado o corpo de Ballet da instituição e em 1931, foi a vez do coro e da orquestra. Juntos, os três corpus são responsáveis, hoje, pelas temporadas oficiais. O Theatro Municipal do Rio de Janeiro mantém, ainda, desde 1927, a mais antiga instituição brasileira voltada à de formação de bailarinos clássicos: a Escola Estadual de Dança Maria Olenewa, hoje batizada assim em homenagem à sua fundadora, a bailarina russa Maria Olenewa. A história do teatro, seus espetáculos e concertos é continuamente registrada e preservada pelo Centro de Documentação da Fundação Theatro Municipal do Rio de Janeiro que reúne hoje cerca de 70 mil peças. Seu acervo teve início quando o pintor Eliseu Visconti doou os estudos de suas obras à Prefeitura Municipal do Rio de Janeiro. Oito anos depois, o acervo tinha crescido e a Prefeitura criou, no Salão Assyrio, o Museu dos Teatros do Rio de Janeiro. Até então, o acervo do Cedoc pertencia ao Município, enquanto o teatro, apesar do nome e de ter sido criado pela Prefeitura, pertence ao Estado. Hoje, o acervo está distribuído entre o próprio Museu dos Teatros, e o Cedoc, ambos administrados pela Fundação Teatro Municipal do Rio de Janeiro. 1 e 2 Theatro Municipal do Rio de Janeiro – Rio de Janeiro – Rio de Janeiro – Brasil – América do Sul
Fotos
- (1) 一井 潤一em Wikimedia - CC BY-SA 4.0
- (2) Pano de Boca do Theatro Municipal do Rio de Janeiro - Obra de Eliseu Visconti - Foto site do teatro
- (3) Mike Peel, CC BY-SA 4.0
- (4) Projeto-Aquilla PASSOS, F. O. c. 1904. Foto site do teatro
- (5) Projeto-Isadora GUILBERT, Albert. c. 1904. Foto site do teatro
- (6) Projeto Final (fusão dos dois primeiros) - Prefeitura do Rio de Janeiro - Foto site do teatro
- (7) Foto Júlia Rónai - site do teatro
Ainda não lia reportagem, mas vou ler com todo interesse e ver os outros lugares, obrigada pela oportunidade
O Municipal é lindíssimo, um dos ícones do Rio, personagem e testemunha da história da cidade e do Brasil. Belo resgate, Sylvinha. Parabéns!
sonia pedrosa
Valeu,Soninha! bj
Eu que agradeço. Da próxima vez não esqueça de se identificar. Abs
Maravilha de matéria, Sylvinha!
Bjs,
Val Cantanhede
Valeu, Val! Beijos
Ainda não consegui conhecer o Teatro Municipal do Rio de Janeiro. Mas já está combinado com meu marido que quando voltarmos à cidade será o primeiro lugar onde iremos. Não poderemos deixar passar mais uma vez.
Façam isso. O Theatro Municipal do Rio é lindo e cheio de histórias. Aliás, todos eles são. O de São Paulo também é uma maravilha.