Atualizado em 30/04/2024 por Sylvia Leite
À primeira vista, o Theatro da Paz, em Belém do Pará, parece apenas um belo prédio de inspiração europeia como tantos outros que foram erguidos no Brasil naquela época – a segunda metade do século 19. Mas quem ficar atento aos detalhes perceberá que a construção em estilo Neoclássico está repleta de referências à região amazônica, seja na decoração ou nos acabamentos, seja na temática ou na escolha de homenageados.
Entre os traços mais evidentes dessa expressão regional estão as peças decorativas. Embora, em sua maioria, tenham sido produzidos em outros países, e obedecendo a estilos estrangeiros, trazem referências nitidamente amazônicas. É o caso dos mosaicos em pedra portuguesa no hall de entrada, que representam, de forma estilizada, elementos da flora local como a Vitória-régia, e até os mitos, como o Muiraquitã. A Vitória-régia aparece, também, no lustre central da sala de espetáculos.
Detalhes como os arcos de ferro inglês que fazem a terminação das portas laterais e frontais, assim como as pinturas nas paredes do salão de espetáculos, retratam as folhas do guaraná, uma das espécies mais características da Amazônia. Já o lustre de cristal francês faz uma referência estilizada aos cachos de seu fruto. O guaraná também está representado nas placas que decoram os degraus das escadas que levam ao camarote superior – especialmente preparado para um visitante que jamais chegou: Dom Pedro II.
A marca regional está presente também em alguns materiais. Caso do piso em parquê (do francês parquet) – cujos tacos são de madeiras nativas como Pau Amarelo e Acapu –, ou da cola utilizada no mosaico de pedra portuguesa do hall de entrada (já citado), que é feita com ‘grude do Gurijuba’ – um peixe encontrado especialmente no Norte do Brasil. E, para completar, as cadeiras do salão de espetáculos são de Pau Amarelo e palhinha, com o fim de se adaptar melhor ao clima quente do Pará.
Homenagem a indianistas no Theatro da Paz
Para quem conhece um pouco as obras de José de Alencar e Gonçalves Dias, não resta dúvida. Seus bustos, talhados em mármore de Carrara, foram colocados no hall de entrada do teatro como uma afirmação da cultura nacional e da importância do índio para formação do Brasil.
Tanto José de Alencar como Gonçalves Dias pertenceram à corrente literária indianista. Alencar foi autor de três romances sobre os nossos índios: ‘Iracema’, ‘Ubirajara’ e ‘Guarani’. Este último – publicado no Diário do Rio de Janeiro, em forma de folhetim –, inspirou o músico Carlos Gomes a compor a ópera O Guarani.
Já Gonçalves Dias foi considerado o maior poeta indianista não apenas por ter escrito poemas sobre índios, mas, principalmente, por ter exaltado sua coragem e valentia. Na obra ‘I-Juca-Pirama’, ele conta a história de um índio que luta contra uma tribo inteira para resgatar sua honra. O poema é considerado um épico indianista.
Um encontro de culturas
Além das homenagens e das referências à flora e aos mitos da região, o Theatro da Paz traz em sua decoração uma mescla de culturas que aparece em vários pontos, alguns mais visíveis e outros quase imperceptíveis como nas esculturas das Cariátides – figuras femininas que eram usadas na Grécia em substituição a colunas, que representavam força e sustentação – e no Theatro da Paz estão localizadas no corredor das frisas. Quem prestar a atenção em seus colares, verá que têm a forma dos enfeites amazônicos produzidos pelos índios.
A mescla se repete na pintura do teto do salão de espetáculos, no qual elementos da mitologia greco-romana interagem com indígenas e com espécies da flora e da fauna regionais. O painel ilustra uma visita do deus grego Apolo à Amazônia, na companhia das Musas da Arte e da deusa caçadora romana Diana que, na cena, enfrenta uma onça.
Mas o ponto alto dessa mescla ocorre no ‘pano de boca’ – espécie de tela que fica na frente do palco antes de começar o espetáculo. No Theatro da Paz, o pano de boca homenageia a República, proclamada meses antes da inauguração da pintura que acredita-se ter sido a primeira produzida com essa temática.
Em vez de retratar o episódio político, o pintor pernambucano Chrispim do Amaral 1 realizou uma representação alegórica unindo ícones da República Francesa que ganharam conotação universal, como a figura de Marianne – que, abrasileirada, tornou-se a efígie da Republica brasileira – , a figuras de índios, portugueses e mestiços – em alusão à mistura de raças da Amazônia. Tudo isso em meio à exuberância da mata tropical.
Theatro da Paz: um legado do Ciclo da Borracha
O ‘da Paz,’ como é chamado carinhosamente pelos paraenses, foi criado em 1878, no auge do Ciclo da Borracha. Sua construção atendeu aos anseios da elite da época, enriquecida com o florescimento econômico da região. Foi a primeira casa de ópera da Amazônia e segue sendo a maior da região, com 900 lugares2. Desde sua inauguração até hoje passou por várias reformas, que alteraram inclusive detalhes da fachada, mas não descaracterizaram o projeto original.
O teatro foi batizado pelo bispo Dom Macedo Costa em comemoração ao fim da Guerra do Paraguai. Inicialmente, recebeu o nome de Nossa Senhora da Paz, mas o próprio bispo mudou de ideia ao considerar que ali certamente seriam apresentados espetáculos não religiosos.
Pelas circunstâncias em que surgiu, o Theatro da Paz foi concebido com muito requinte, como demonstram, por exemplo, as balaustradas do salão de espetáculo fundidas em ferro inglês e folheadas a ouro. Ainda hoje, seu prédio é considerado um dos mais luxuosos do país e está incluído na lista dos Teatros-Monumentos, tendo sido tombado pelo Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional – Iphan, em 1963.
As condições de seu nascimento fizeram com que fosse, inicialmente, restrito a autoridades e aos proprietários de terras que dominavam o Ciclo da Borracha, mas com o tempo o teatro foi abrindo suas portas e hoje oferece visitas guiadas gratuitas que podem ser feitas sem agendamento, além de espetáculos a preços populares3 4
Notas
- 1 Durante décadas, a autoria desse pano de boca foi atribuída ao francês Eugéne Carpezat, cenógrafo da Ópera de Paris, por ter sido em seu ateliê que Chrispim realizou o trabalho
- 2 O teatro foi concebido com 1.100 lugares, mas sucessivas reformas os reduziram a 900
- 3 Leia, aqui no blog, matérias sobre outros lugares especiais do Pará: Santarém / Alter do Chão / Comunidade de Coroca
- 4 Leia, também, matérias sobre outros teatros brasileiros: Theatro Municipal de São Paulo / Theatro Municipal do Rio de Janeiro / Teatro Oficina
Theatro da Paz – Belém – Pará – Amazônia – Brasil – América do Sul
Fotos
Referências
Único e maravilhoso, espero que tenha um plano de conservação adequado.
Pois é. No momento está muito bem conservado, mas é preciso que isso se mantenha.
Que lindo!
Quero muito conhecer Belém do Pará, Santarém/Alter do Chão!
Panejo ir em 2022.
Conheci tudo isso agora e adorei. Aguarde as próximas matérias.
Lindo demais!!! Você sempre resgatando os melhores lugares das memórias de cada um
Valeu, Marlene, bjs
Que lindo!! Ainda não tive a oportunidade e privilégio de conhecer o Theatro da Paz. Estive em Manais e conheci o teatro de lá. Como é belo o Theatro da Paz, estou ansiosa para conhecê-lo!
É lindo mesmo, vale a pena conhecer.
Quanto história dentro do theatro da paz, parece ser um local único! Fico feliz de ver que ainda há locais antigos preservados aqui no Brasil
O Theatro da Paz é realmente muito especial
Incrível como antigamente se dedicava tempo à construção de um prédio. Não tinha tempo para terminar. O resultado é esse… verdadeiras preciosidades da arquitetura. Lindo teatro.
Lindo mesmo. O Theatro da Paz é considerado um monumento.
Que lindo!! Ainda não fui a Belém, mas com certeza quando for quero muito o Theatro da Paz. Estou apaixonada pelo local, quanta história né? parabéns pelo post.
Obrigada, Hebe. Volte sempre. Vem mais matéria do Pará por aí.
Belo. Muito belo.
Incrível. Nunca tinha lido sobre ele e fiquei surpresa quando cheguei lá.
Oii estava navegando em seu blog e encontrei diversos artigos interessante como este.
Agradeço pelo comentário, Eloisa Mendes. Da próxima vez peço que , por favor, não inclua links de spam porque, como ocorreu desta vez, será apagado. Obrigada!