São Bartolomeu: um doce passeio pelo Ciclo do Ouro

Tempo de Leitura: 5 minutos

Atualizado em 29/04/2024 por Sylvia Leite

Rua de São Bartolomeu - Foto Paulo Vianna - BLOG LUGARES DE MEMÓRIAO que não falta no Brasil são pequenas cidades, ou mesmo vilarejos, construídos no período colonial. Mas alguns deles reúnem peculiaridades especiais. É o caso de São Bartolomeu – um distrito de Ouro Preto*, em Minas Gerais, localizado à margem do maior afluente do São Francisco: o famoso Rio das Velhas. Embora tenha poucas ruas, e esteja praticamente encostado na importante cidade histórica, esse lugar não vive à sua sombra. Pelo contrário, tem historia e encantos próprios: foi a primeira sede administrativa de Minas Gerais; sua matriz guarda detalhes raros como um sino de madeira que parece ser o único das Américas; e sua produção artesanal de doces caseiros ganhou o título de Patrimônio Imaterial do Município. Para completar, é nessas terras que se encontra a Floresta Estadual do Uaimií.

Acredita-se que o atual distrito tenha sido fundado pelos integrantes de uma das bandeiras de Fernão Dias, que saiu de São Paulo em julho de 1674, chegando ao local alguns meses depois, em busca das minas do Vale do Tripuí. Talvez por possuir um solo Igreja de São Bartolomeu - Foto Paulo Vianna Clementino Filho- BLOG LUGARES DE MEMÓRIAmuito fértil, São Bartolomeu não se restringiu à mineração. Dedicou-se também à produção de alimentos, o que, segundo dados do governo de Minas Gerais, era fato raro nesse período da história.

Sua arquitetura, típica do século 18, está praticamente intacta e inclui raridades como casas de pau-a-pique, descritas como o Patrimônio Histórico Estadual como “documentos vivos de um sistema construtivo que não se faz mais e é raramente encontrado”. Destacam-se, ainda, nos casarios, os oratórios e cruzeiros, nas esquinas e fachadas.

De solução temporária a atração histórica

O lugarejo de pouco mais de mil habitantes, tem duas igrejas. Na verdade três, porque a Matriz de São Bartolomeu foi construída em um local onde já havia uma capela,Sino de madeira - Foto Paulo Vianna Clementino Filho - BLOG LUGARES DE MEMÓRIA que acabou  incluída na igreja maior. E essa, claro, não é sua única curiosidade. Tem também o sino de madeira já citado anteriormente.
 

Contam os moradores que o sino original foi roubado e restou apenas o seu badalo de prata. Para que o campanário não ficasse vazio, foi feito um sino de madeira, mas mesmo colocando nele o badalo de prata, nunca se conseguiu produzir qualquer ruído. Os anos se passaram e o novo sino nunca chegava. Com o tempo, a peça de madeira tornou-se uma característica especial da matriz e ninguém quis mais substituí-la. Pelo contrário: virou objeto histórico com direito a restauração.

São Bartolomeu tem ainda a Igreja Nossa Senhora das Mercês, construída em 1908, que e foi restaurada na década de 1980, depois que o teto desabou. Embora os moradores da cidade tenham maior ligação com a matriz, Rua com calçamento de pedra - Foto Paulo Vianna Clementino Filho - - BLOG LUGARES DE MEMÓRIAessa igreja tem presença marcante na cidade, pois fica no alto da colina de onde parece estar olhando a todos.

A terra da goiabada cascão

História, arquitetura e religiosidade são complementados pelas delícias produzidas na cidade. A goiabada cascão é o doce mais tradicional de São Bartolomeu e alguns moradores garantem que a receita nasceu ali mesmo, duas gerações atrás. Contam que os artesãos do vilarejo –  assim como os de outras partes do país – produziram inicialmente a goiabada lisa, que precisa ser peneirada para homogeneizar a massa. Até que, um dia, a peneira de um artesão se rompeu e ele precisou encontrar solução imediata. A opção de fazer uma nova peneira foi descartada porque isso levaria cerca de dois dias e a produção não podia parar. Ele decidiu, então, fazer a goiabada sem peneirar, deixando que as cascas permanecessem na massa. O resultado agradou e acabou virando uma tradição local. Essa versão, claro, é contestada por moradores de outras localidades, que reivindicam a autoria para si, mas ninguém contesta o fato de São Bartolomeu ter uma das goiabadas mais famosas de Minas.
Se a história da goiabada cascão não chega a cento e cinquenta anos, a utilização da goiaba para fazer doce vai muito além disso e tem origem na marmelada, trazida da Europa pelos portugueses. Como era difícil plantar marmelo na região e a goiaba nascia espontaneamente na região, uma fruta foi gradualmente substituída pela outra. Até hoje, há doceiros que mantêm suas próprias árvores no Cachoeira em São Bartolomeu - Foto de Paulo Vianna Clementino Filho - BLOG LUGARES DE MEMÓRIAquintal de casa.

A goiabada é feita no fogão à lenha, em enormes tachos de cobre. Houve época em que as autoridades de saúde pública tentaram proibir o uso desses de utensílios por causa do zinabre – substância prejudicial à saúde que o cobre pode eliminar com o tempo – , mas os artesãos resistiram. Para eles, os tachos de cobre fazem parte da tradição e todos sabem como asseá-los para que não produzam o zinabre.

Também faz parte da tradição, celebrar, em abril, o fim do ciclo da produção anual da goiabada, que se inicia no verão, com o  período das chuvas, também conhecido como a enchente das goiabas. Há cerca de duas décadas, essa comemoração passou a fazer parte do calendário oficial do distrito que reúne também  outras  festas como a de São Bartolomeu e da Bandeira do Divino.

São Bartolomeu guardião da natureza

Além dos doces e da religiosidade, o distrito protege também suas águas, que correm em cachoeiras dentro da Floresta Estadual do Uaimií. O nome da floresta vem do tupi-guarani, e foi a palavra usada pelos indígenas da região para batizar o Rio das Velhas na região de sua nascente, também conhecido como Alto Rio das Velhas.  Em seu ponto de desague, ou Baixo Rio das Velhas, o rio era chamado por eles de Guaicuí, e até hoje a região recebe o nome de Barra do Guaicuí.
A floresta de São Bartolomeu foi uma das primeiras a  serem oficializadas em Minas Gerais. Além de abrigar um importante trecho de Mata Atlântica, compõe um conjunto de áreas de proteção ambiental que cobrem 25 mil hectares na região do Quadrilátero Ferrífero de Minas.1

São Bartolomeu – Ouro Preto – Minas Gerais – Brasil – América do Sul

Texto

Participação especial:

  • Teresa Cristina Guerra Porto
  • Paulo Vianna Clementino Filho
  • Paulo Vianna Clementino Filho Fatinha Assis

Fotos

  • Paulo Vianna Clementino Filho

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19 Comentários
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Enezila M. M. Campos
4 anos atrás

Muito bom texto que dá apanhado geral para quem quer conhecer São Bartolomeu.Eu conheço e indico, lugar agradável e que tem boas pousadas.

sonia pedrosa cury
4 anos atrás

O nosso Brasil está cheio de preciosidades espalhada por todos os cantos!
Belo texto, Sylvinha!
Beijão,
sonia pedrosa

Enezila M. M. Campos
4 anos atrás

Muito bom texto que dá apanhado geral para quem quer conhecer São Bartolomeu.Eu conheço e indico, lugar agradável e que tem boas pousadas.

Ana Maria Araújo
4 anos atrás

Que MARAVILHA saber um pouco mais da história de minha terra, Minas Gerais! E saber que a Goiabada cascão nasceu lá!!

Fabíola Moura
3 anos atrás

Que delícia saber da existência de São Bartolomeu a partir de um relato tão pormenorizado entre História, religião, natureza e culinária. Posso dizer que saber da origem da goiabada cascão, mesmo que não comprovada, me fez ficar com ainda mais vontade de visitar essa cidade tão linda do ciclo do outro pessoalmente.

Leo Vidal
Leo Vidal
2 anos atrás

Conhecer a história do ciclo do ouro no Brasil ao vivo visitando as cidades mineiras é uma experiência incrível. Já conheci algumas cidades que fazem parte da rota, mas São bartolomeu não lembro de ter visitado. Já anotei a dica.

Deyse
Deyse
2 anos atrás

Adorei seu texto São Bartolomeu: um doce passeio pelo Ciclo do Ouro. Conheci São Bartolomeu e realmente é um encanto de distrito da Estrada Real!

hebe
hebe
2 anos atrás

Que bacana saber mais sobre essas cidades mineiras. Não conheço São Bartolomeu, mas curti saber que a Goiabada cascão nasceu lá!!

Luciane
Luciane
2 anos atrás

Eu ia muito para São Bartolomeu quando era criança e aprendi muito sobre o ciclo do ouro la. Que coisa boa reviver esses momentos lendo seu post.