Atualizado em 01/05/2024 por Sylvia Leite
Os banhos públicos já existiam muito antes do início da Era Cristã e tiveram grande importância em várias civilizações, mas foi o Hammam, a versão islâmica criada pelos Omíadas, que permaneceu até hoje, convertendo-se em um dos principais atrativos turísticos da Turquia. O banho turco, assim como pelo menos parte de seus antecessores, é uma espécie de bálsamo para o corpo e para o espírito na medida em que nos traz relaxamento, paz e bem estar.
É certo que cada Hammam tem suas próprias características, mas algumas delas se repetem em todos, ou pelo menos na maioria. Entre os pontos comuns estão e banho a vapor e o ensaboamento com bastante espuma. São comuns também, os esfoliamentos realizados com um tipo de luva denominada kese e os rituais de massagens com óleos naturais, mas tudo depende do estabelecimento e do pacote adquirido.
Talvez a característica mais marcante para quem vai a um Banho Turco pela primeira vez seja o material usado no ensaboamento. Em vez de esponjas, os funcionários dos Hamams utilizam uma espécie de fronha comprida e delicada cheia de espuma. Inicialmente, o apetrecho abriga a espuma em seu interior, adquirindo forma semelhante à de uma bola de soprar, e serve como um suave instrumento de massagem que deixa escapar um pouco da espuma pelos poros. Em seguida, o aparato é esvaziado, deixando tudo o que restou da espuma a sobre o corpo do cliente.1
O estímulo corporal por meio do tato é apenas um dos ingredientes desse ritual de relaxamento. A audição também é acalentada nos Hamams, ou pelo profundo silêncio ou por um suave fundo musical. Ao bem estar auditivo acrescenta-se um conforto visual promovido pelo espetáculo da espuma, do mármore branco que é comum a quase todos os estabelecimentos, e das toalhas, comumente brancas ou listradas. Isso sem falar na movimentação dos funcionários no ritual de ensaboamento que nos lembra uma coreografia.
Em muitos casos, o espetáculo é complementado por sofisticados detalhes arquitetônicos, especialmente nos Hamams históricos. Além de arcadas e mosaicos, os banhos mais antigos costumam ter iluminação natural proporcionada por pequenos orifícios em suas cúpulas, a maioria com formas geométricos, como os de Alhambra, na Espanha (foto 3) que se assemelham a estrelas.2
O sentido do olfato é ativado pelo leve perfume das espumas e dos óleos essenciais usados, respectivamente, nos banhos e nas massagens. E, ao final de tudo, os hamams presenteiam o paladar com um chá de sabor escolhido pelo cliente que pode ou não ser acompanhado de guloseimas. É um momento de introspecção, descanso e preparo para a volta ao mundo real.
A origem dos banhos públicos
A origem dessa tradição de banhar-se em recintos coletivos é incerta. Há quem localize os primeiros banhos públicos na Roma Antiga (a partir de 753) AC, onde tiveram grande importância para a população como lugar de encontro e relaxamento. Mas outra corrente acredita que os precursores do Hammam tenham surgido bem antes, ainda na Idade do Bronze (a partir de 3.300 AC), no Vale do Indo – região que abrigou uma das três primeiras civilizações da região, ao lado do Antigo Egito e da Mesopotâmia e hoje compreende grande parte dos territórios do Afeganistão, Paquistão e Índia.
O sítio arqueológico de Moenjodaro, situado na província do Sinde, no Paquistão, pode ser o principal testemunho da existência de Banhos Públicos no Vale do Endo. O local abriga a ruína de uma piscina com escadas nas extremidades que teria pertencido a um banho público. Mas pouco se sabe, ao certo sobre a história da cidade em ruínas, nem sequer como se chamava, já que Moenjodaro é apenas seu nome atual.
Seja como for, o banho público existiu historicamente em várias regiões, tanto no Oriente como no Ocidente e em todos os lugares tinha como objetivo principal a higiene, pois estamos falando de épocas em que não havia água encanada, mas, pelo menos na maioria deles, acabou ganhando também importância social por promover encontros que eram aproveitados como fonte de lazer e até oportunidade de negócios.
Hammam: o banho de corpo e alma
No caso do Hammam, que foi criado pelos Omíadas, e levado a todo o Mundo Islâmico, acredita-se que seja uma herança da época do nomadismo. O vapor serviria para abrir os poros e limpá-los das crostas de areia acumuladas em longas viagens pelo deserto, para hidratar a pele e drenar líquidos, além de favorecer a respiração provavelmente prejudicada pela inalação de pó.
O Hammam teria sido incentivado e difundido pelo profeta Muhammad não apenas pelas vantagens já mencionadas, mas também por proporcionar aos muçulmanos a possibilidade de fazer suas abluções – a lavagem ritual que purifica os corpos antes da oração – colocando o Hammam na condição de ritual higiênico, terapeutico e espiritual.
A fama do Banho Turco o levou além do Mundo Islâmico. Entre os países que aderiram à tradição com mais entusiasmo talvez esteja a Inglaterra, onde foram criados cerca de 80 Hammams no século 19, com modelo próprio, inspirado tanto nos hamans como nos banhos romanos. Resquícios daquele época podem ser vistos no prédio do antigo banho do Bishopsgate – chamado assim porque se localizava em um dos portões da antiga muralha defensiva de Londres – que hoje funciona como restaurante e casa de eventos.
O nome Hammam ou Hamam é usado com sutis variações em todo o mundo muçulmano. Sua origem está na palavra árabe Hammām, que significa banho. Trata-se de um substantivo, derivado da raiz trilítera 3, formada pelas letras Ha (h) Alif (a) Mim (m), também dá origem à palavra al hamma, que significa fonte termal, e a palavras relacionadas ao calor.
Nem tudo é deleite no Hammam
Embora a maioria dos Hammams a que temos acesso por fotos ou mesmo pessoalmente, possuam uma beleza e um conforto sedutores, nem todos são ou foram assim. Historicamente, sempre houve hammams mais simples, e até precários, destinados a cumprir da forma extremamente objetiva, as funções higiênica, terapeutica e de ablução (rito de purificação). Mesmo os que hoje se destinam aos turistas, variam de padrão tanto em termos de instalação física como de qualidade de serviço.
Outro ponto que precisa ficar claro. Tanto os banhos turcos como os de outras culturas, nos quais se incluem os romanos, guardavam uma característica capaz de quebrar todo seu encanto: eram destinados apenas aos homens. A proibição do uso do hammam pelas mulheres ocorria até mesmo naqueles instalados dentro de residências. Banhos para mulheres só eram permitidos dentro de haréns (parte da casa destinada à residência das mulheres), como o que é apresentado na pintura Le Bain Turc, de Ingrés, de 1862
A partir de um certo momento, no entanto, passou a existir também banhos públicos específicos para mulheres e hoje já é possível encontrar estabelecimentos mistos e até alguns que atendem de forma ainda mais livre, especialmente aqueles destinados a turistas.45
Notas
- 1 Por mais que perguntasse e pesquisasse, não consegui descobrir o nome das tais fronhas
- 2 O banho de Alhambra foi um banho particular dos sultãos Nazaríes e já não funciona há muito tempo, mas está incluido na visita Conjunto Monumentol de Alhambra e Generalife
- 3 A maioria das palavras árabes procedem de raízes formadas por três letras consoantes, daí a denominação raiz trilítera, ou raiz trilítere para os que preferem uma forma afrancesada
- 4 Leia, aqui no blog, matérias sobre outros lugares especiais da Turquia: Cisterna da Basílica / Pamukkale / Troia / Hipódromo de Constantinopla / Éfeso / Pérgamo / Santa Sofia /Pequena Sofia / Konya / Ikonium / Capadócia
- 5 Leia, também, sobre outras tradições espalhados pelo mundo: Sama / Kolam / Literatura de Cordel / Cuscuz / Figureiros de Taubaté / Queijo do Reino / Carnaval de Olinda / Carnaval da Bahia / Ini ou rede de dormir
Para saber mais
- Encontre dicas sobre o que fazer na capital daTurquia e um roteiro de viagem por todo o país no blog de Elizabeth Werneck
Hammam – Turquia – Europa e Ásia
Fotos
- Amir Pashaei em Wikimedia - CC BY-SA 4.0
- Jorge Láscar em Wikimedia - Tinted glass cupola - Qalawun complex - CC BY 2.0
- Chuck Moravec em Wikimedia - CC BY 2.0
- Carregada por M.Imran em Wikipédia em inglês e depois transferido para a Wikimedia - CC SA 1.0
- Satayman em Wikimedia - CC BY-SA 3.0
- Pintura de Jean Auguste Dominique Ingres - C2RMF- Domínio Público em Wikimedia
Os banhos turco são, realmente, uma experiência e tanto, e ninguém deve perder a oportunidade de experimentar.
Isso mesmo, Soninha. Não dá pra perder a oportunidade de tomar um banho turco.
Que delicia essa matéria e esses banhos na Turquia!
Bjs
O Hammam é uma maravilha mesmo!!
Eu tô precisando.
Quem não está? Um banho turco é tudo de bom.
Fiz uma viagem pela Turquia e não conheci nenhum Hammam, acredita? Agora estou querendo voltar e dessa vez vou aproveitar melhor 🙂 adorei seu post, obrigada por compartilhar
Eu que agradeço, pela leitura e pelo comentário. Se for à Turquia outra vez, não deixe de experimentar as delícias do Hammam rsrs
No começo do ano comecei a traçar um roteiro pela Turquia, país que tenho muita vontade de conhecer. Mas aí surgiu uma oportunidade para irmos para os EUA e a Turquia foi adiada. Talvez no próximo ano, quem sabe… mas a cada texto que encontro sobre o país ficou mais encantada. Saber mais sobre o Hammam só aumenta minha curiosidade em saber mais sobre a história e costumes do país.
Bom saber que está matéria contribuiu para aumentar seu interesse de conhecer a Turquia.
Fomos a um Hammam na Turquia em 1991, em Fetyie, e meus pais retornaram no mês passado e o Hammam continuava igualzinho. Tão interessante esse cuidado com a preservação dos costumes e dos lugares que os turcos têm!
Sim, felizmente eles preservam bastante as tradições e o Hammam é uma das mais importantes.