Atualizado em 27/12/2024 por Sylvia Leite
O forte de São Marcelo, ou Forte do Mar, em Salvador, é um dos muitos que foram erguidos no litoral brasileiro durante o período colonial, mas diferencia-se da maioria deles por estar localizado dentro no oceano, sobre um banco de arrecifes, e por ser o único, em todo o país, que tem planta circular. Não se sabe se por esse formato ou por sua localização diante do Centro Histórico de Salvador – ou, ainda, pelas duas razões – o forte acabou sendo apelidado pelo escritor Jorge Amado de ‘Umbigo da Bahia’.
Muita gente concorda com o apelido, e alguns arriscam até uma fundamentação. Dizem que, embora o forte não se localize no centro exato da enseada, tem ao seu redor as principais edificações da Bahia de Todos os Santos, incluindo a base da Marinha, o famoso Mercado Modelo, a Rampa do Mercado, a Bahia Marina, que é a maior de Salvador, e o Terminal Turístico Náutico da Bahia. É a partir desse último que a capital da Bahia se comunica com a Ilha de Itaparica e com o arquipélago de Cairu, que reúne ilhas como Boipeba e Tinharé, onde se localizam, respectivamente, as vilas de Moreré e Morro de São Paulo.
Idas e vindas
A história do Forte de São Marcelo está repleta de episódios no mínimo curiosos. Em 1624, por exemplo, cerca de um ano depois de ter sido construído com o objetivo de proteger Salvador de invasões, o forte foi tomado pelos holandeses que, a partir dele, fizeram violentos ataques à cidade. Mas cerca de 15 anos depois, foi graças a esse forte que os holandeses foram mantidos à distância, em sua segunda tentativa de invasão.
Tempos mais tarde, já durante o século 19, muitos episódios políticos tiveram entre seus principais cenários o Forte de São Marcelo. Alguns deles foram apenas simbólicos como é o caso do hasteamento da bandeira nacional pelo patriota João das Botas em comemoração à vitória sobre os portugueses na Guerra da Independência. Outros, tinham relação direta com a função de presídio que o forte havia assumido.
Por lá passaram, por exemplo, africanos de religião islâmica presos durante o maior levante de escravos ocorrido na Bahia, que ficou conhecido como Revolta dos Malês. Estiveram, ainda, na prisão do forte, 80 integrantes da Revolução Federalista dos Guanais, que tinham como objetivo tornar a Bahia independente do Império. Meses depois de sua detenção, esses federalistas se amotinaram e bombardearam a cidade por quatro dias, a partir do forte, até serem dominados.
As celas do forte abrigaram, também, personagens famosos como Francisco Sabino Álvares da Rocha Vieira Barroso – o Sabino Álvares -, líder da revolução republicana que ficou conhecida como Sabinada.
Da prisão para a presidência
Seu preso mais famoso talvez tenha sido Bento Gonçalves, também republicano, que liderou a Revolução Farroupilha – ou Guerra dos Farrapos. Preso em uma emboscada, o líder farroupilho ficou inicialmente no Rio de Janeiro, mas depois de uma tentativa de fuga, foi levado para a prisão do forte, que era considerada a mais segura do Império pelo fato de não ter acesso por terra.
Ao chegar ao Forte de São Marcelo, Bento Gonçalves já havia sido aclamado presidente da República Rio-grandense. É que durante sua ausência, o movimento prosseguiu e conseguiu estabelecer uma nação independente na vila de Piratini. Ele permaneceu no forte por cerca de cinco meses até conseguir fugir – primeiro a nado e depois em um barco – com a ajuda da Maçonaria, que era aliada dos republicanos.
A lenda do túnel
Embora a fuga de Bento Gonçalves – a mais famosa da prisão do forte – tenha sido feita em uma embarcação, há quem garanta que existe um túnel entre o Forte de São Marcelo e o porão do atual Mercado Modelo, onde funcionava a Alfândega Imperial.
O túnel ligaria o forte ao porão e serviria ao tráfico de escravos. Ainda segundo a lenda, muitos negros viviam provisoriamente nesse porão, e quando o local enchia de água, alguns deles morriam afogados.
Tudo isso é desmentido por historiadores. O primeiro ponto de contestação diz respeito a datas. O prédio da Alfândega Imperial foi construído em 1861, quando o tráfico de escravos já estava abolido há mais de uma década, o que impedia a entrada de navios negreiros na Bahia de Todos os Santos. O segundo ponto é relativo à tecnologia. Argumenta-se que não havia conhecimento suficiente para se fazer um canal sumbarino no século 19.
Mas ainda que o túnel não tenha existido concretamente, essa lenda permanece viva e suas histórias continuam sendo contadas aos visitantes do forte e do mercado.
Arquitetura funcional
Além de histórias, o Forte de São Marcelo tem também uma arquitetura que parece ter sido cuidadosamente planejada de acordo com a destinação do prédio. A forma circular, por exemplo, não se deve a questões estéticas, mas de proteção, com a possibilidade de defesa e ataque em todas as direções, além de uma melhor resistência às marés.
Um dos detalhes que chama a atenção em sua arquitetura é o sistema de armazenamento de água da chuva. Por meio de um declive no pátio central, a água escoa em direção ao centro, onde cai dentro de uma cisterna, garantindo, assim, a autonomia do forte em relação ao abastecimento de água doce.
As características atuais do forte foram adquiridas ao longo de uma história iniciada em 1623, quando foi concluída sua primeira construção, toda em madeira. A forma circular só apareceu durante a reconstrução, iniciada em 1650, e o anel que circunda o prédio foi acrescentado somente em 1812.
Acredita-se que que o projeto circular tenha sido inspirado no Forte de São Lourenço do Bugio, erguido na foz do Rio Tejo, em Portugal, mas sua planta também tem semelhança com o Castelo de Santo Ângelo, localizado em Roma, na Itália.
As sucessivas funções do forte
Desde 1938, o Forte de São Marcelo está sob a guarda do Iphan e, nesse período, já passou por algumas obras de restauração. Entre 2004 e 2011, permaneceu aberto à visitação pública, e abrigou três museus. Em 2020, mesmo fechado, foi o local escolhido como cenário de um show da virada 2020/2021 que seria promovido pela Prefeitura de Salvador, mas o evento foi cancelado por causa do agravamento da pandemia de Covid 19.
Quem ainda não teve oportunidade de visitá-lo, talvez consiga matar parte da curiosidade admirando-o de longe, o que pode ser feito tanto do alto do Elevador Lacerda como a partir dos barcos e veleiros que realizam passeios turísticos na Bahia de Todos os Santos. Ou torcer pela concretização do projeto governamental que pretende reabri-lo com um novo museu e um restaurante.1
Notas
- 1 Leia, aqui no blog, matérias sobre outros lugares especiais de Salvador: Candeal / Casa do Rio Vermelho / Mercado Modelo / Farol da Barra / Ribeira / Elevador Lacerda
Forte de São Marcelo – Bahia de Todos os Santos – Salvador – Bahia – Brasil – América do Sul
Consultoria:
- Mário César Dantas Rodrigues, da Tao Engenharia
Fotos
- (1) Portal da Copa/ME (victoria.camara) em Wikimedia - CC BY 3.0 br
- (2) José Antônio Caldas (1725-1782) Domínio Público em Wikimedia
- André Koehne em Wikimedia - CC BY-SA 3.0
- fernando_dallacqua em Wikimedia (greatly modified by Fulviusbsas - Flickr ) - CC BY 2.0
- (5, 6) Luan em Wikimedia Foto 5 CC BY-SA 3.0 - Foto 6 CC BY-SA 4.0
- (7) Autor não identificado
- (8) Eric Gaba - CC BY-SA 4.0 em Wikimedia
Referências
- Site Iphan
Super aula neste início de ano Silvinha. Que 2021 seja abençoado para você.
Obrigada, querido! Feliz 2021 para todos nós.
Sempre achei lindo o Forte de São Marcelo… mas não conhecia a sua história. Muito legal, Sylvinha!
Pois é, às vezes a gente simplesmente gosta de uma cidade ou de uma construção e não procura se informar sobre ela. Acontece sempre, com todo mundo rsrs.
Esse Forte de São Marcelo sempre me despertava curiosidade quando visitava Salvador. Adorei ler esse post e aprender mais sobre esse umbigo da Bahia.
Que bom que gostou, Ângela! Toda quinta tem matéria nova aqui no blog e todo dia tem link, no Facebook, para uma matéria postada anteriormente. Acompanhe!
O Forte São Marcelo sempre me impressionou por sua arquitetura arredondada, no meio do mar de Salvador, em posição tão estratégica, merece mesmo o título de "umbigo da Bahia", do genial Jorge Amado.
Muito bom conhecer mais da história do Forte, foi uma verdadeira aula ler seu post, obrigada.
Eu que agradeço, Gisele. Pela leitura e pelo comentário. Volte sempre.
O Forte São Marcelo sempre despertou minha curiosidade! Eu adoro essas construções e procuro sempre visitar durante minhas viagens. Adoro seus posta pois sempre aprendo muito sobre a história do lugar! Gostei de saber que o apelido “umbigo da Bahia”
Foi dado pelo genial Jorge Amado!
Obrigada, Daniela. Bom saber que você gosta das matérias. Volte sempre. Toda quinta tem matéria nova aqui no blog.
Adorei saber sobre o Forte de São Marcelo que, confesso, não conhecia. Achei super intrigante o título de "o umbigo da Bahia" e, depois de ler o post e entender pq, curti!
Legal, né? Salvador e seus encantos. Adoro!!!
Parabens!! Excelente matéria. Ansioso estou pela retomada das visitações apos a requalificação aprovada pelo IPHAN! O Aquario, fruto de parceria com o Projeto Tamar, não vingou mas será um a lento poder visitar e ter restaurante,, cafe, museu…
Sim, Bruno, o aquário não vingou. Obrigada por nos trazer a notícia do novo projeto. Já fizemos a atualização e torcemos para que desta vez a reabertura aconteça.