Atualizado em 30/04/2024 por Sylvia Leite
Quem nunca ouviu falar no Farol da Barra, na orla de Salvador? O farol é lugar de manifestações, ponto de encontro de trios elétricos no Carnaval da Bahia e, acima de tudo, referência de pôr do sol na cidade, o que, aliás, é muito bem cantado por Baby Consuelo, atual Baby do Brasil, na composição de Luís Galvão e Caetano Veloso: “Quando o sol se põe vem o farol / iluminar / as águas da Bahia”.
A música foi composta na década de 1970, mas as águas da Bahia já são iluminadas por esse icônico farol desde os primeiros anos do século 17, quando foi instalada uma lanterna rudimentar na fortificação que deu origem ao atual Forte de Santo Antônio da Barra. O farol oficialmente reconhecido – e com instalação de equipamento adequado no lugar da antiga lanterna – só veio no século seguinte, em 1698 (ou 1696, para alguns), portanto mais de 50 anos depois da inauguração da inauguração do Palácio de Friburgo no Recife. Por isso os dois monumentos disputam o título de farol mais antigo do Brasil e das Américas.
A substituição da lanterna aconteceu em consequência do naufrágio do Galeão Santíssimo Sacramento , ocorrido em 1668, com mais de 400 mortes (há quem fale em 600). A embarcação portuguesa chocou-se com um banco de areia e, depois de ficar cerca de quatro horas à deriva, acabou afundando na altura do Rio Vermelho.
A Ponta de Santo Antônio
Mas antes de tudo isso acontecer, o lugar já era tido como um ponto estratégico e de guarda da Baía de Todos os Santos, onde está localizado. Em 1501, apenas um ano depois que os portugueses chegaram pela primeira vez ao Brasil, no evento que se costuma chamar de ‘descobrimento’, foi realizada a primeira expedição à chamada ‘América Lusitana’. Nessa visita, depois de negociar com os índios, eles já teriam instalado o seu ‘padrão de posse’ no lugar, que passou a se chamar de Ponta do Padrão e, tempos depois, recebeu o nome atual: Ponta de Santo Antônio.
O Farol da Barra – se considerado desde a primeira lanterna – e o forte que o abriga foram testemunhas do nascimento de Salvador, pois ambos antecederam a criação da cidade, fundada somente em 1549. Dessa forma, testemunharam, também, a História do Brasil a partir da chegada dos portugueses.
Na época, o Brasil estava ganhando importância nas rotas de comercio e havia uma grande movimentação na costa brasileira. O local foi tomado pelos holandeses, em 1624, e recuperado meses depois. A costa brasileira era cobiçada também pelos ingleses e o Forte de Santo Antônio da Barra era uma dos seus mais importantes baluartes, a ponto de constar nos relatos do corsário Inglês William Dampier, que teria escrito:
“A entrada da Baía de Todos os Santos é defendida pelo imponente Forte de Santo Antônio, cujos lampiões acesos e suspensos para orientação dos navios, vimos de noite.”
A memória do Farol da Barra
O primeiro farol oficial, instalado em 1698, era movido a óleo de baleia. No século 19, foi inaugurado um equipamento mais moderno, trazido da Inglaterra, e movido a querosene.
A eletrificação só ocorreu no século 20. Hoje, o Farol de Santo Antônio da Barra alcança até 70 km de distância, alternando, dois fachos brancos e um vermelho, ou encarnado – como se diz lá no farol. Sua lente bicolor, que tem 1,8 m de diâmetro, está no topo de uma torre de 22 metros de altura, e pode ser acessada pelos visitantes que conseguirem subir 81 degraus em caracol. Além de conhecer a lente, os que se aventuram na subida pode ver uma exposição sobre os faróis do Brasil.
Dentro do forte, há ainda mais informação. O Museu Náutico, inaugurado em 1998, reúne registros e peças que contam tanto a história do forte como do farol e ainda nos dão uma ideia de como era a cidade em seus primeiros tempos. Para completar, possui uma sala de arqueologia com um acervo composto por destroços e objetos do Galeão Santíssimo Sacramento. As peças foram recuperadas durante uma expedição subaquática da Marinha Brasileira, em 1976 – o primeiro resgate arqueológico oficial realizado no Brasil.
Um lugar de culto
Mas não só de história e de por do sol vive o Farol da Barra. O ícone da Bahia de Todos os Santos já foi e continua sendo lugar de culto. Conta-se que, nos rochedos do farol existe uma nascente de água doce e, no início do século 20, os pescadores ergueram um marco ao seu redor, onde eram realizados cultos à Mãe D’água.
No dia 2 de fevereiro, quando Iemanjá é festejada em vários bairros de Salvador, o Farol da Barra tinha também sua comemoração. Durante o dia, quando voltavam do mar, os pescadores jogavam capoeira e faziam roda de samba diante da fonte. A festa só esquentava quando caia a noite, com uma batucada que durava até o dia seguinte.
Se Iemanjá era cultuado do lado de fora, dentro do forte as cerimônias religiosas eram dirigidas a Santo Antônio, que dá nome à ponta, ao forte e ao farol. Todos os anos, a trezena ao santo se repete no pátio da fortaleza, com missa, terço e apresentações musicais. A trezena é um evento tradicional da Igreja Católica, realizado anualmente em várias paróquias do mundo. No Farol da Barra, ela ganha um significado especial porque a Santo Antônio se atribui a proteção da Baía de Todos os Santos.
Para se ter uma ideia do que Santo Antônio representou para a religiosidade brasileira na época do Brasil Colônia, basta dizer que, durante anos, a Igreja recebeu mensalmente um pagamento das Forças Armadas referente ao soldo de Santo Antônio. É que o santo – não em vida, mas já morto e canonizado – foi nomeado sargento-mor e depois promovido a tenente coronel com direito ao recebimento correspondente. E, por mais incrível que isso possa parecer, quem fez as nomeações foi o próprio Dom João VI.
O mais impressionante é que não se tratou de uma invenção brasileira. Nomeações semelhantes já haviam ocorrido em Portugal e na Espanha, justificadas pelo fato de Santo Antônio ser considerado, na época, o protetor das batalhas. No Brasil, o santo tornou-se símbolo da vitória contra os holandeses e o principal ponto de cruzamento entre ele e o festejado episódio é o Farol da Barra, mais precisamente Farol de Santo Antônio da Barra. 1
Notas
- 1 Leia sobre outros lugares de memória de Salvador: Elevador Lacerda / Santo Antônio Além do Carmo / Forte de São Marcelo / Ribeira / Candeal / Mercado Modelo
Farol da Barra – Barra – Salvador – Bahia – Brasil – América do Sul
Fotos
- (1) Pixabay
- (2) turismobahia - Flickr - Wikimedia - CC BY-SA 2.0
- (3) Gov/Ba - Flickr - Wikimedia - CC BY 2.0
- (4) Wikimedia - CC BY-SA 4.0
- (5, 8 e 9) Museu Náutico da Bahia no Facebook
Referências
Para saber mais
- Descubra, no blog Viagem e Cura, quais são As 8 melhores praias de Salvador
- E se quiser descobrir um paraíso na Bahia de Todos os Santos, leia a postagem do blog Ligado em Viagem sobre a Ilha dos Frades
Muito interessante. Obrigado Silvia. N
Eu que agradeço, Newsinho. Pela leitura e pelo comentário.
Maravilha, Sylvinha! O farol é um símbolo, um cartão-postal, um ícone de Salvador, dos mais importantes, além de ser lindo!
E é muito bom estar lá, não é mesmo?
Adorei as fotos do farol da barra e que lugar de historia e poesia. A novidade ficou para a musica que eu não sabia que mencionava essa maravilhosa atração. Há outras músicas ou artes famosas que mencionam essa atração?
Inúmeras, Moisés. O Farol da Barra sempre inspirou os artistas baianos.
Uau, eu sou doida pra visitar Salvador, e o primeiro lugar que irei visitar nessa cidade maravilhosa, com certeza é o Farol da Barra. Parabéns pelo post.
Obrigada, Elizabeth. Depois volte aqui e me conte como foi a visita.
Realmente Sylvia o Farol da Barra é um lugar de história e poesia. Quando estive em Salvador ano passado, adorei visitar esse local que é um ícone da capital baiana. Parabéns pelo post.
Obrigada, Hebe. Bom saber que gostou.
O Farol da Barra é exatamente isso, um lugar de história, cultura e religião! É uma informação bem curiosa que eram pagos os soldos de Santo Antônio
É curioso sim, Luana. Obrigada pelo comentário.
Nossa!! eu amo conhece os faróis, são encantadores e portadores, testemunho de tantas histórias! Interessante saber sobre o Farol da Barra, este lugar de história, poesia e religião. Amei!
Que bom que você gostou, Deyse. Você pode ler também sobre faróis em outras matérias do blog como a do Ushuaia, a de Tamandaré ou a de Chuí e Chuy.
Que interessante, Sylvia! Não sabia da história por trás do Farol da Barra. Este pagamento de soldo ao santo foi demais! kkkkk Um dia irei a Salvador e quero visitar o museu do Farol da Barra. Obrigada pela dica.
Você vai gostar, tenho certeza. E aproveite para conhecer o famoso por do sol no Farol da Barra.
Acabei não entrando no Farol da Barra quando estive em Salvador. Já quero voltar depois do seu post! Kkk Adorei
Vale a pena entrar. Aliás, tudo no Farol da Barra Barra vale a pena. Na verdade, acho que tudo em Salvador rsrs
AMEI seu texto!! Já passei dezenas de vezes pelo Farol da Barra, mas só agora tomei conhecimento da história dele. Obrigada por compartilhar!
Que bom que gostou, Marcela. Toda semana tem matéria nova no blog. Acompanhe!
Estive em Salvador 2 vezes, mas só passei pelo Farol da Barra, não fiz a visita ainda, preciso voltar e resolver essa pendência!
Precisa mesmo. O Farol da Barra não é só pra ser visto de longe rsrs
Visitei Salvador recentemente e estive no Farol da Barra. Subi até o topo de onde se tem uma vista fantástica. A exposição é muito interessante. Gostei muito de Salvador.
Salvador é incrível e o Farol da Barra é um ícone da cidade.
Quando criança costuma frenquentar o farol, ia as trezenas de Santo Antônio com o meu Pai então Capitão da Marinha. Chegamos a residir ( sim, morar ) no farol por um período. Ainda procuro alguma referência bibliográfica sobre aquele período, e também gostaria de saber se existem famílias da marinha morando ainda no local….memórias inesquecíveis
Que história legal, André! Você tem fotos desse período? Gostaria de conversar com você sobre isso. Se tiver interesse, entre em contato pelo e-mail [email protected]