Atualizado em 09/10/2023 por Sylvia Leite
A cidade de Éfeso, na Turquia, costuma ser reconhecida por sua grande importância histórica e por ter sido a sede de uma das sete maravilhas do mundo antigo: o Templo de Artemis1. Mas o que mais a diferencia de outros sítios arqueológicos é o fato de abrigar, em sua área rural, uma construção de pedra que teria sido a última morada da Virgem Maria.
Hoje a casa funciona como igreja atraindo ao local milhares de peregrinos cristãos e também muçulmanos. É tão pequena, que mais parece uma capela e seu tamanho contrasta com a imagem da Virgem ao centro do altar.
Do lado de fora, dois espaços devocionais testemunham a fé dos peregrinos: um “muro de pedidos” e uma “fonte sagrada”. Acredita-se que a água dessa fonte seja capaz de curar e de estimular a fertilidade, por isso ninguém sai dali sem antes encher uma garrafinha. Já o muro, está coberto de mensagens escritas em tiras de papel ou de pano, onde os fiéis deixam seus pedidos e também agradecimentos pelos milagres alcançados.
A autenticidade da casa como residência de Maria nunca foi confirmada pelo Vaticano, provavelmente porque, segundo a tradição, ela teria continuado em Jerusalém até o fim da vida. Mesmo assim, os dirigentes católicos têm se manifestados seguidamente em favor do local.
Já no século 19, pouco depois de sua descoberta, a casa passou a funcionar oficialmente como igreja. Na década e 1950, obteve reconhecimento do Papa Pio XII como Local Sagrado e essa condição foi eternizada posteriormente por João XXIII. Outros três papas – Paulo VI, João Paulo II e Bento XVI – também visitaram o local e a freira alemã Ana Catarina Emmerich, que relatou a existência da casa, foi beatificada em 2004.
A Virgem Maria em Éfeso
Ana Catarina Emmerich pertencia à ordem agostiniana e era considerada uma mística. Desde criança teve visões sobre a vida de Cristo e da Virgem Maria. Além disso, sabia identificar um local sagrado, mesmo sem ter sinais externos ou conhecimento anterior da sua existência.
Segundo os relatos de Emmerich, a Virgem Maria foi levada a Éfeso pelo apóstolo João Evangelista, cerca de quatro anos depois da crucificação de Cristo e ali viveu em uma casa de pedra até a sua Assunção ou Dormição.
Graças às descrições da freira, o abade francês Julien Gouyet localizou a casa em 1881, mas ninguém lhe deu crédito. Dez anos depois, missionários lazaristas encontraram a construção em ruínas e descobriram que o local era venerado por descendentes de cristãos de Éfeso que habitavam em uma pequena vila da região.
Tanto a aparência física como a localização da casa, no monte Koressos (Rouxinol em Português) coincidiam com as descrições de Emmerich. E dois fatos reforçaram os relatos da freira: a casa ser conhecida como Portal para a Virgem (Panaya Kapulo em Grego) e os cristãos que a veneravam fazerem uma peregrinação anual ao local justo no dia 15 de agosto, quando se costuma celebrar a Assunção ou Dormição de Maria.
A partir daí, as visões de Emmerich foram legitimadas e cerca de cinco anos depois, em 1896, as ruínas estavam restauradas.
Tão cristã como muçulmana
Embora tenha se convertido em uma igreja católica, a casa da Virgem Maria é também um local de peregrinação para os muçulmanos.
Muitos não sabem, mas Jesus Cristo (Isa em Árabe) é considerado um importante profeta na Tradição Islâmica e, sua mãe, Maria (Maryan em Árabe) é tratada de forma especial pelo livro sagrado do Islã, o Corão. É nele, em sua Sura (capítulo ou oração) número 3, que se encontra a conhecida frase: “Ó Maria! Por certo Deus te escolheu e te purificou, e te escolheu sobre todas as outras mulheres dos mundos.”
Maria também dá nome a uma Sura do Corão, a décima nona, que é a única num total de 114 a receber o nome de uma mulher. Há uma crença entre os islâmicos de que entre os benefícios para quem recita essa Sura estão a facilidade no parto, a proteção da casa, os bons sonhos e o alívio espiritual, especialmente contra o medo.
A Casa da Virgem Maria em Éfeso não é o único local em que o culto, ou respeito pela Virgem Maria, que une muçulmanos e cristãos. Um dos exemplos é o Santuário Nossa Senhora do Líbano2, em Harissa, onde uma imagem de Maria com mais de 8 metros de altura também promove a convivência pacífica entre seguidores das duas maiores religiões do mundo.
A Éfeso dos gregos e dos romanos
Antes da suposta chegada de Maria, Éfeso acumulou uma longa história. Estima-se que tenha surgido no século 10 antes de Cristo e tenha atingido seu apogeu por volta do ano 129 da mesma era, portanto mais de oito séculos depois. Foi a segunda cidade mais importante do Império Romano e sua população chegou a cerca de 400 mil habitantes. Atualmente, é considerada um dos maiores sítios arqueológicos do mundo.
Entre seus monumentos mais importantes está a Biblioteca de Celso que reunia 12 mil rolos de documentos. Foi criada no ano 135 e batizada assim em homenagem ao senador Tibério Júlio Celso Polemeano. Embora esteja em ruínas, mantém grande parte de sua estrutura frontal e é uma das construções mais preservadas desse conjunto arqueológico. Éfeso abrigou também um dos maiores teatros do mundo, com capacidade para 25 mil espectadores, em 66 fileiras distribuídas em três patamares. Toda estrutura da plateia permanece integra e pode ser percorrida pelos visitantes.
Seu maior patrimônio histórico foi o Templo de Artemis, construído no século 6 antes de Cristo. Não foi à toa que esse monumento alcançou a condição de uma das 7 Maravilhas da Antiguidade. A obra levou 200 anos para ser concluída. O templo era sustentado por 127 colunas de mármore, com 20 metros de altura, e cada uma delas continha uma obra de arte.
Mas nada disso está mais lá. Ao longo de sua história, o Templo de Artemis foi destruido várias vezes, uma delas em decorrência de um incêndio criminoso provocado por Heróstrato – um desconhecido que desejava adquirir fama a qualquer preço. Há divergências sobre a destruição final. Segundo algumas fontes, ocorreu em 269 da nossa era, durante uma invasão dos godos, mas outros registros afirmam que depois disso houve nova reconstrução e o templo foi finalmente destruído em 401 pelos cristãos, que teriam usado pedras em suas próprias construções. Um exemplo disso seria a presença de colunas do templo na Catedral de Constantinopla, mas essa igreja só foi erguida em 537.
Divergências a parte, o pouco que restou de tudo isso são fragmentos de colunas, esculturas e outras peças expostas no Museu Britânico. No local, há apenas uma coluna, várias pedras e quase nenhum visitante porque fica um pouco afastado das outras ruínas e não faz parte do circuito turístico. Mas vale a pena ir até lá, depois de ler sobre o Templo de Artemis, e tentar imaginar sua grandiosidade. 3
Notas
- 1 O Templo de Artemis e outras relíquias históricas da área urbana de Éfeso serão tema de outra matéria. Aguardem.
- 2 O Santuário Nossa Senhora do Líbano está na lista dos 'lugares de memória' a serem visitados e reportados aqui no blog.
- 3 Leia, aqui no blog, matérias sobre outras ruínas da Turquia: Pérgamo / Troia / Hipódromo de Constantinopla / Capadócia / Cisterna da Basílica / Konya / Ikoniun / Santa Sofia / Pequena Sofia
Casa da Virgem Maria – Monte Koressos – Éfeso – Turquia – Ásia
Fotos
- (1,3,4) Sylvia Leite
- (2) Dennis Jarvis de Halifax, Canada (CC BY-SA 2.0), em Wikimedia Commons
- (5) José Luiz Bernardes Ribeiro, CC BY-SA 3.0, em Wikimedia
- (6) Austrian Archaeological Institute, CC BY-SA 3.0, em Wikimedia
Referências
- Livro "The Dolorous Passion of Our Lord Jesus Christ" - (relatos de Ana Catarina Emmerich colhidos por Clemens Brentano.
- Filme "A Paixão de Cristo", de Mel Gibson
Muito interessante e creio que pouco conhecida! Rosalie
Estive lá, adorei. Maria Esther
Lugar lindo e emocionante! Amei, Sylvinha!
Valeu, Soninha! bj
Acho difícil alguém não gostar,né?
Realmente é pouco divulgada, mas agora já não está mais tão desconhecida porque entrou nos roteiros daTurquia.
Muito interessante…
Nunca tinha ouvido falar.Adorei.
Que bom. Mas você esqueceu de assinar o comentário. Não sei a quem agradecer rsrs
Obrigada, Eliene.
Fiquei comovida com essa comunhão entre cristãos e muçulmanos na devoção à Maria. Amei o texto, Sylvinha
Val Cantanhede
Lugar fantástico! Especial! Adorei o texto!
Adorei o texto. Estive lá em julho/2018. Foi lindo, emocionante. Gravei o canto das cigarras,único som no silêncio em meio às árvores.
Que história incrível, desse lugar. Pena que não conheci, quando estive na Turquia.
Em Natividade, cidade do Estado do Rio de Janeiro, próximo à fronteira leste do Estado de Minas Gerais, existe o Santuário de Nossa Senhora de Natividade. Tudo começou com visões do dono da fazenda do local que era médico e advogado. Ele achou que estava tendo alucinações pois não se considerava uma pessoa muito religiosa e sua formação intelectual lhe levava a vários questionamentos. Procurou atendimento psiquiátrico com psiquiatra de renome da época mas terminou concluindo que não havia dúvida, tratava-se de aparições de Maria, mãe de Jesus. Em uma das aparições ela lhe pediu que fosse a Éfesos e construísse uma cópia de sua casa naquele local em Natividade, à beira de um regato. O fazendeiro, médico e advogado viajou com a esposa para Éfesos (Turquia ) e tomou todas as medidas e tirou várias fotografias da casa original. Enquanto fazia isso foi preso pela polícia turca que achou isso muito suspeito. Foi liberado após intervenção de um diplomata americano que explicou à polícia turca que tratava-se de um gesto de um brasileiro religioso motivado por fé e não representava nenhum perigo. Já fui várias vezes ao local. Creio nas aparições de Maria , mãe de Jesus e tomei o local como minha fonte inspiradora de peregrinação. Prefiro acreditar que ela veio para mais perto de min, na simplicidade do campo e no silêncio do local.
Augusta Leite Campos
Que legal, Gusta. Vou colocar Natividade na lista das cidades qur eu pretendo visitar.
Muito legal, não é? Não deixe de visitar a próxima viagem.
Que maravilha! E onde está essa gravação? Não quer postar na página do blog lá no face? Você pode colocar como comentário à postagem da matéria.
Pena que você não se identificou.
Muito legal, não é? Obrigada pelo comentário, Val.
Especial mesmo.Obrigada!
Imagino como deve ser emocionante estar no lugar de morada de Maria! Acho que eu iria chorar a minha visita inteira! Muito obrigada pelo post e por todas as informações históricas!
Foi incrível mesmo e nessa viagem eu estava com minha mãe, que aparece na primeira foto da postagem. Não preciso dizer que ela adorou.
Eu desconhecia tão belo fato histórico. A maravilhosa ideia do Papa Francisco em utilizar os Santuários Marianos para a reza do Terço para o fim da pandemia, vai despertar a curiosidade por conhecimento de tão empolgantes assuntos.
É provável que sim, João. E breve teremos matéria sobre o Santuário de Nossa Senhora de Natividade, que fica aqui no Brasil, no estado do Rio.
Eu visitei o local com minha esposa. Fotografei a igreja atual em Éfeso e o monastério onde São Jo9ão Evanfelista escreveu o Apocalipse. Perguntei à guia de turismo palestina sobre se Nossa Senhora estava sepultada em algum lugar prósimo. Ela me respondeu sorrindo: se o senhor é católico sabe melhor do que eu, que acredito que Ela foi elevada ao Céu após a sua morte.
Éfeso é mesmo um lugar especial, Nívio. Obrigada por nos contar sua experiência.