Atualizado em 26/05/2024 por Sylvia Leite
Conhecido popularmente como como Banespinha, por ter pertencido ao Banco do Estado de São Paulo, ou como Palácio Anhangabaú, por estar localizado no vale do mesmo nome, o Edifício Matarazzo é uma das construções mais antigas e famosas do Centro de São Paulo. Foi erguido em 1939 para abrigar os escritórios do grupo empresarial de mesmo nome e acabou se transformando na sede da Prefeitura de São Paulo. O jardim suspenso é apenas uma parte de suas inúmeras curiosidades. Até chegar à cobertura onde o jardim foi instalado, o visitante passa por obras de arte e arquitetura representativas tanto das atividades econômicas a que o grupo se dedicava, como de sua riqueza e grandiosidade. Mas é nesse jardim, e em suas mais de 400 espécies – algumas com até 10 metros de altura – que reside o grande diferencial do prédio.
São 500 metros quadrados repletos de plantas frutíferas e ornamentais, coroadas por duas espécies representativas do país e do estado: o pau brasil e o café. Ao longo de uma espécie de trilha pavimentada, o visitante caminha entre árvores altas como aroeira – que dá a pimenta rosa – palmeira, mangueira e até árvores consideradas em extinção como a cereja do rio grande. Todas são identificadas pelo nome popular, nome científico e continente de origem. A fim de prevenir eventuais danos causados pelo vento, as árvores estão amparadas por cabos de aço e para comportar todas as raízes, o jardim foi construído sobre um vão de 40 centímetros de profundidade.
Embora tenha existido desde a construção do edifício, o jardim suspenso só começou a ser chamado assim a partir da década de 70, quando evoluiu de um terraço com alguns canteiros de plantas baixas para uma espécie de mini horto florestal. Por incrível que pareça, não foi um arquiteto ou um botânico quem impulsionou a mudança e sim o zelador do prédio, Walter Galera, que era apaixonado por plantas e começou a encher o terraço com vasos das mais variadas espécies.
Na época, o Edifício Matarazzo pertencia ao Banco do Estado (Banespa) e, ao tomar conhecimento da iniciativa do zelador, os diretores da instituição decidiram contratar especialistas para erguer um jardim suspenso de forma planejada. Assim que a obra foi concluída, o zelador tornou-se jardineiro e cuidou das plantas até morrer, quando, em sua homenagem, o jardim recebeu o nome de Walter Galera.
Como se não bastasse a variedade de plantas, o jardim suspenso do Edifício Matarazzo contém, ainda, um lago de carpas, remanescente da época de construção do prédio, e três mirantes que, juntos, proporcionam uma visão de 360 graus da cidade de São Paulo. Na linha de visão dos observadores, estão outros prédios icônicos da cidade como o Theatro Municipal, o Farol Santander e o Edifício Martinelli.
Outras curiosidades do Edifício Matarazzo
O jardim suspenso é a última etapa da visita ao Edifício Matarazzo. Antes disso, nos deparamos com várias outras curiosidades, a começar pela grandiosidade do prédio que consumiu, em seu revestimento, mais de 170 mil placas de mármore travertino trazidas da Itália.
Projetado em estilo Neoclássico, pelo escritório Severo & Villares – fundado por Ramos de Azevedo -, recebeu detalhes do estilo fascista, inseridos pelo italiano Marcello Piacentini, contratado para fazer uma revisão no projeto original.
Há quem diga que os três ‘M’ esculpidos em relevo no alto das janelas frontais são uma referência ao patriarca da Família Matarazzo, ao arquiteto Marcelo e ao ditador fascista Benito Mussolini. Segundo a versão oficial, no entanto, as letras referem-se unicamente a pessoas da família: o patriarca Francesco, o filho Ermelino – que deveria sucedê-lo mas morreu em um acidente – e Francesco Júnior que foi o primeiro sucessor e responsável pela construção do edifício.
Entre as curiosidades do Edifício Matarazzo, está o mapa do Brasil feito em mosaico. A obra, encomendada ao artista Italiano Julio Rosso para decorar a parede do saguão, foi produzida em Veneza e ficou presa por lá até 1946, por causa da Segunda Guerra. Quando foi liberada, veio aos pedaços dentro de um navio e teve que ser remontada aqui como um grande quebra-cabeças. Como o artista não conhecia o Brasil, teria usado como modelo uma pintura do artista alemão Johann Moritz Riguendas.
A idade da obra é evidenciada pela escrita arcaica e pelas diferenças geográficas em relação ao mapa atual, como a ausência dos Estados Tocantins e Mato grosso do Sul e de alguns países vizinhos que ainda não haviam sido constituídos. A indicação de Brasília foi inserida depois sem qualquer ilustração.
Na época, o Distrito Federal era o Rio de Janeiro, mas, não se sabe ao certo por que razão, aparece localizado em Santos, no litoral de São Paulo. Alguns alegam que isso ocorreu pela falta de espaço no mapa do Rio, mas há quem interprete a imprecisão como uma manobra intencional de Matarazzo que sonhava com a transferência da capital para o Estado onde fez fortuna.
No mesmo hall de entrada em que se encontra o mapa do Brasil, há imensas colunas com relevos que retratam o trabalho humano em todas as variações conhecidas na época. Seu autor é o artista italiano Galileo Emendabile, o mesmo que idealizou o Mausoléu ao Soldado Constitucionalista de 1932.
Apesar de toda essa influência italiana -que permeia tanto o projeto do prédio como os materiais e obras de arte usados em sua construção – o Edifício Matarazzo expressa o Brasil de sua época. A grandiosidade da construção, com 15 metros de pé direito em seu hall de entrada, reflete a pujança do grupo e o processo de industrialização de São Paulo no início do século 20. A decoração do prédio, desde a fachada até os ambientes internos, é toda alusiva às atividades do grupo empresarial, que coincidem com os principais ramos da economia brasileira no período. O próprio mapa em mosaico vai muito além da divisão administrativa, retratando a economia e a cultura de cada estado.
O Edifício Matarazzo também surpreende pelo número de andares, que embora somem 13, incluindo o terraço superior (rooftop) onde se encontra o jardim, para irmos até lá temos que apertar o botão 14. Ocorre que Francesco Matarazzo, o fundador do império cujos escritórios ocupariam o edifício, era supersticioso – assim como muita gente que viveu na mesma época – 1 e, por isso, os andares foram nomeados normalmente até o décimo segundo e o terraço foi identificado como décimo quarto. É curioso, e até irônico, pensar que com toda essa aversão ao número 13, o conde Matarazzo, como era chamado, teve 13 filhos.
O visionário que deu nome ao Edifício Matarazzo
Francesco Matarazzo era um imigrante Italiano que chegou ao Brasil sem um centavo e se tornou um dos homens mais ricos do país e do mundo. É certo que antes de vir ele já possuía fortuna herdada do pai, mas como havia herdado dívidas e a Itália enfrentava, ele resolveu transformar o que ainda possuía em banha de porco a fim de iniciar um negócio no Brasil. A carga foi perdida na viagem – segundo alguns, no desembarque – e ele teve que começar uma nova vida como mascate, mas não esqueceu a banha de porco.
Na época, o Brasil importava banha de porco dos Estados Unidos e o produto estragava facilmente porque era armazenado em barricas de madeira. Matarazzo teve a ideia de produzi-la por aqui e armazena-la em latas, o que além de aumentar a durabilidade do produto, facilitava sua venda àqueles que não podiam comprar grandes quantidades. E foi para vender banha de porco e outros produtos alimentícios que o futuro Conde Matarazzo montou seu primeiro armazém de secos e molhados em Sorocaba, interior de São Paulo e logo depois seu primeiro empório no Centro da capital.
O patriarca Francesco não viveu para inaugurar o prédio que abrigaria os escritórios de seu império. Não pôde, sequer, acompanhar a obra do Edifício Matarazzo, que foi iniciada justo no ano de sua morte pelo filho que o sucedeu, Francesco Matarazzo Júnior. Nessa época, as Indústrias Reunidas Fábricas Matarazzo já eram consideradas o maior grupo empresarial da América Latina, com mais de 350 empresas nos ramos de alimentos, bebidas, tecelagem, transportes terrestres e marítimos, produtos químicos, entre outros. Sua receita era superior à de todos os estados brasileiros com exceção de São Paulo e a fortuna da família era calculada em U$ 20 bilhões.
Mas o grupo não foi além da terceira geração. A partir de 1969, pressionado pela concorrência de multinacionais, entrou num processo de decadência que se estendeu até o início dos anos 2000.
Alguns imóveis históricos do grupo foram postos abaixo sem deixar vestígios. O Edifício Matarazzo foi vendido ao Grupo Audi e posteriormente ao Banespa. Em 2004, a partir de uma complexa negociação, foi parar nas mãos da Prefeitura de São Paulo. No ano seguinte, o jardim e dois andares do prédio – o hall de entrada onde está o mapa do Brasil e o andar onde funcionaram as diretorias do grupo Matarazzo e depois do Banespa – foram tombados pelo órgão municipal de patrimônio histórico, o CONPRESP.2
Notas
- 1 Embora haja registros dessa característica do conde Matarazzo, a superstição em relação ao número 13 parece não ter sido exclusividade sua e está presente em outros prédios da época
- 2 Leia, aqui no blog, matérias sobre outros lugares especiais de São Paulo: Bixiga / Museu dos Óculos / Museu das Culturas Indígenas / Museu da Imigração / Liberdade / Viaduto do Chá / Museu do Ipiranga
Edifício Matarazzo – Vale do Anhangabaú – São Paulo – São Paulo – Brasil – América do Sul
Fotos
- (1) Diego Torres Silvestre - Flickr, Wikimedia - CC BY 2.0
- (2) Cesar Ogata/ Secom
- (3,4,5,6/7,8) Sylvia Leite
- (9,10) Acervo Museu Histórico Municipal Conde Francisco Matarazzo- domínio público
Referências
- Site da Prefeitura de São Paulo
- Secretaria de Turismo - projeto Vem pro Triângulo SP
Participação especial
Excelente como sempre!
Valeu, Marcelinho! Volte sempre!
Gostaria que esse jardim virasse moda nos prédios comerciais de São Paulo e do mundo. Teríamos cidades mais verdes e bonitas, mais adequadas às mudanças climáticas. Parabéns Sylvia pela excelência de contar a história deste local.
Obrigada, Gusta, bom saber que gostou. Esse jardim do Edifício Matarazzo é mesmo especial. Volte sempre.
Estou sempre aprendendo contigo. Excelente texto. Parabéns.
Valeu, Joaquim. Obrigada pela leitura e pelo comentário. Volte sempre.
Muito bom!!! Quando for a São Paulo quero conhecer
Vale a pena visitar o Edifício Matarazzo, Lia. Se tiver tempo, aproveite para admirar o vale do Anhangabaú a partir do Viaduto do Chá e conhecer ou revisitar o Theatro Municipal. Aqui no blog tem matéria sobre o viaduto e sobre o teatro.
Sylvia, adorei essa história, um registro muito útil e charmoso do Brasil nessa época de muito interesse dos europeus pelo nosso país, sua gente e seus recursos, com destaque para os italianos, que trouxeram dinheiro, talento, trabalho e um senso estético muito especial. Um lindo edifício e suas raízes!
Que bom que gostou, Lílian. O Edifício Matarazzo é realmente sedutor.