Atualizado em 19/05/2024 por Sylvia Leite
Imagine a sensação de se deparar, em plena Califórnia, com uma construção que parece ter saído da Roma Antiga e poder caminhar, em seu interior, entre peças e fragmentos originais que narram cerca de quatro mil anos de história. Me refiro ao The Getty Villa – um museu e centro de estudos das artes Grega, Romana e Etrusca instalado em Pacific Palisades, bairro da zona Oeste da cidade de Los Angeles, na divisa com as famosas Santa Mônica e Malibu1.
Idealizada pelo magnata do petróleo Jean Paul Getty, em 1968, a construção tinha o propósito de abrigar sua coleção de arte que já não cabia na Ranch House – propriedade que adquiriu depois da Segunda Guerra, para sua esposa Teddy cavalgar e ele guardar suas obras.
A intenção do empresário era criar uma réplica da Vila dos Papiros – uma luxuosa mansão de campo romana construída na cidade de Herculano, na época do imperador Júlio César2 – 100 a.C. a 44 a.C. – e soterrada pelo Vesúvio no ano 79 da nossa era. O prédio romano recebeu esse nome tardiamente quando foram encontrados em suas dependências inúmeros rolos de papiro carbonizados durante a erupção vulcânica.
Com o fim de garantir a maior fidelidade possível à réplica, Getty entregou a supervisão da obra a Norman Neuerberg, um historiador de arquitetura romana antiga, que preencheu as lacunas deixadas pela falta de acesso à construção original com detalhes de outros edifícios não tão famosos da própria Herculano, e também de Pompéia e Estábias.
Quando a Getty Villa foi inaugurada, em 1974, a coleção de Jean Paul Getty não era mais novidade para os moradores de Pacific Palisades, pois suas obras já estavam expostas ao público desde 1954, quando ainda se encontravam na Ranch House, em um espaço independente da residência.
Concluída em um momento histórico em que os meios culturais estavam voltados para a arte e arquitetura modernas, a Getty Villa foi bastante atacada pela crítica. Uns não aceitavam a ideia de uma “falsa vila romana na Califórnia”, outros questionavam a autenticidade do projeto pelo fato de seus arquitetos não terem tido acesso à planta total da Vila dos Papiros já que parte da mansão permanece soterrada até hoje.
Ao contrário da crítica, o público acolheu bem as novas instalações, mas o criador da Getty Villa morreu dois anos depois, em Sutton Place, Inglaterra, sem nunca ter ido à California para conhecê-la pessoalmente, e sem ter visto a substituição das críticas por elogios.
Prédio e acervo se completam
Parte da boa imagem conquistada pela Getty Villa deve-se ao bem estar que o prédio proporciona aos visitantes com seus quatro jardins, que incluem réplicas de esculturas antigas, piscinas e fontes, além de ervas e arbustos que eram usados pelos povos antigos tanto na alimentação como em cerimônias. Isso sem falar no teatro, que exibe, ao ar livre, montagens de textos da Antiguidade Clássica e da biblioteca com cerca de 20 mil volumes.
Para os que se interessam por arte antiga, que é o tema central do museu, o Getty Villa oferece preciosidades históricas como a escultura em bronze “Estátua de um jovem vitorioso” ou “Juventude Vitoriosa”- datada entre 300 e 100 antes de Cristo, identificada no site do museu como “um dos poucos bronzes gregos em tamanho natural que sobreviveram”. Não se sabe ao certo sua origem, mas acredita-se que tenha pertencido originalmente a Olympia ou Delfos, onde eram organizados jogos em homenagem aos deuses. A escultura, encontrada no fundo do mar e vendida à Fundação Getty por cerca de US$ 4 milhões, tornou-se centro de uma disputa com o governo da Itália, que breve poderá levá-la de volta à Europa.
A estátua conhecida como Getty Kouros também é considerada uma das principais peças da coleção do Getty Villa, embora haja dúvidas sobre sua autenticidade. Kouros é o nome dado a representações de rapazes nus e em tamanho natural, que foram produzidas na Grécia a partir do século 8 antes de Cristo. Essas obras não retratavam ninguém individualmente, mas transmitiam a ideia de juventude e incorporavam valores como o de arete – uma mistura de nobreza com belezas física e moral. Caso Kouros do Getty Villa seja autêntica – ela constitui uma das 12 do gênero que se mantêm inteiras até hoje.
Chama a atenção, ainda, a obra Lansdowne Herakles esculpida em mármore e encontrada em Tívoli, nas terras da Vila Adriana, na Itália. A estátua é uma representação romana do herói Hércules, provavelmente inspirada em obras gregas da escola de Policleto. Tem esse nome em referencia ao Lord Hansdowne, um de sus primeiros proprietários.
Além de estátuas, o acervo do Getty Villa inclui joias, moedas, pisos, lápides, fragmentos de frisos e réplicas espalhadas pelos ambientes interno e externo. A exemplo da escultura “Juventude Vitoriosa”, algumas dezenas de peças do acervo do Getty Villa tem sido reivindicadas pelos italianos e podem ser devolvidas a qualquer momento. Os gregos também querem pegar de volta algumas obras. Mas ainda que todas as reivindicações sejam atendidas, as devoluções não devem impactar, pelo menos em número, o acervo da instituição, que reúne cerca de 44 mil antiguidades, .
Getty Villa é parte de um complexo cultural
O prédio e o acervo do Getty Villa já seriam motivo de satisfação para qualquer milionário amante das artes. Mas Jean Paul Getty não se contentou com o que fez em vida e mesmo desgostoso com a reação negativa da crítica, ele deixou em seu testamento US $ 661 milhões para a instituição, possibilitando uma enorme expansão de seu projeto cultural.
O que inicialmente era uma sala de exposições ao lado de sua residência, transformou-se na J. Paul GettyTrust – considerada a mais rica instituição de arte do mundo. Sob seu guarda-chuva estão também o instituto de pesquisas Getty Research Institute, o instituto de conservação Getty Conservation Institute e o instituto de lideranças Getty Leadership Institute – este último dedicado à formação de museólogos.
Em decorrência do crescimento de seu acervo, o museu foi dividido em duas partes: o já existente Getty Villa, onde onde ficaram as antiguidades, e o Getty Center, que surgiu depois da morte do empresário e reúne obras de arte europeias e norte-americanas produzidas entre a Idade Média e os dias atuais. Para abrigar essa nova parte do museu, foi construído um enorme prédio nas proximidades do bairro de Brentwood, também na zona Oeste de Los Angeles, onde, além dessa segunda parte do museu, funcionam as demais iniciativas culturais da J. Paul GettyTrust.
Notas
- 1 Santa Monica e Malibu são pequenas cidades que pertencem ao condado de Los Angeles. O Getty Center fica muito próximo das duas, mas não dentro delas. Está localizado em um bairro do extremo Oeste da cidade de Los Angeles.
- 2 Segundo algumas fontes, a Vila dos Papiros pertencia ao sogro de Jílio César
- 3 Leia, aqui no blog, matérias sobre outros lugares especiais dos Estados Unidos: Getty Center / Os Claustros / Art Déco / The Wall / Estátua da Liberdade
The Getty Villa – Pacific Palisades – Los Angeles – Condado de Los Angeles – Califórnia – Estados Unidos – América do Norte
Fotos
- (1,3) Bobak HaEri em Wikimedia - CC BY 3.0
- (2) Scotwriter21 em Wikimedia - CC BY-SA 4.0
- (4, 5) Site do Getty Center - Dominio Público
- (6) Sylvia Leite
Referências
- Site Getty Center
Muito interessante, não conhecia. Fiquei curioso sobre as críticas de autenticidade.
É uma discussão interessante, mas acho que o Getty Villa tem hoje uma ótima aceitação.
Que museu espetacular!
O Blog superando-se a cada publicação!
O Getty Villa é espetacular mesmo. Essa é a palavra. E o zgetty Center não fica atrás.
Matéria interessante! Registrar as origens bem como as famosas obras de artes do mundo vale a pena pontuar.
Vale a pena sim, Sonale. É importante divulgar os museus.
Nem mesmo as críticas sobre a autenticidade de algumas obras podem afetar a relevância do Museu
Ótimo texto, Sylvinha!
Bjs
É isso, Val. O Getty Villa é um museu relevante apesar das críticas, que já foram bastante teduzifss.
Amei, Sylvia! Confesso que nunca ouvi falar desse museu, mas achei espetacular e valioso …parabéns
O Getty Villa é muito interessante mesmo e não é tão famoso como outros museus norte-americanos.
Muito interessante!
O Getty Villa é interessante mesmo, Bárbara. Aliás, todo o completo Getty é interessante. Dê uma olhadinha na matéria sobre o Getty Center.