Mercado Modelo: um resumo da Bahia

Tempo de Leitura: 7 minutos

Atualizado em 30/04/2024 por Sylvia Leite

Mercado Modelo ao fundo com elevador Lacerda em primeiro plano - BLOG LUGARES DE MEMORIAA primeira impressão que tive do Mercado Modelo, ainda criança, foi a de um lugar que vendia berimbaus e pulseiras de prata cheias de balagandãs, daquelas que só vemos com frquência nas ‘baianas do acarajé’. Embora isso não corresponda nem de longe ao vasto universo de produtos que abastecem as 263 lojas espalhadas pelos oito mil metros de mercado, não se pode negar que está de acordo com sua essência. Em mais de um século, o Mercado Modelo acumulou memórias da História e da Cultura locais e, hoje, para alguém poder dizer que esteve em Salvador, é preciso, pelo menos, tê-lo visto de longe, do alto do Elevador Lacerda, que fica logo em frente.

Os que chegam até lá não se arrependem. O artesanato vendido no Mercado Modelo vai de adereços e instrumentos, como os já citados berimbaus e pulseiras com balagandãs, até pimentas da terra, especialmente as malaguetas, passando por cachaça, farinha, peças de madeira ou cerâmica, produtos religiosos, como as imagens de orixáse, e, claro, as tradicionais fitinhas de Senhor do Bonfim.Fachada do Mercado Modelo - Foto de Sailko em Wikimedia - BLOG LUGARES DE MEMORIA

E, para você descansar da maratona, tomar uma cerveja e fazer uma refeição com tempero baiano, o mercado oferece vários bares e restaurantes. Os dois que ficam no andar de cima têm varanda voltada para a Bahia de Todos os Santos e vista para uma marina repleta de embarcações. Tanto um como outro, levam os nomes de seus fundadores que, além de proprietários, foram personagens importantes da cultura soteropolitana: a famosa cozinheira Maria de São Pedro e o músico e capoeirista Camafeu de Oxossi.

Maria de São Pedro era uma conterrânea de Caetano Veloso – de Santo Amaro da Purificação – e chegou a Salvador ainda menina. Começou a vida como babá, mas, depois que teve seus próprios filhos, montou uma barraca de comida baiana e foi conquistando cada vez mais espaço até chegar ao Mercado Modelo. Na década de 1940, seu restaurante era frequentado por artistas e Varanda dos restaurantes do Mercado Modelo - Foto de Patano em Wikimedia - BLOG LUGARES DE MEMORIAintelectuais como Jorge Amado, Carybé, Dorival Caymmi e Pierre Verget. Maria morreu aos 57 anos, mas o restaurante continua nas mãos de seus descendentes.

Já Camafeu de Oxossi – ou Ápio Patrocínio da Conceição – além de músico e mestre de Capoeira, era Obá de Xangô da Casa de Candomblé Axê Opô Afonjá e foi presidente do Afoxé Filhos de Gandhy. Para ganhar a vida, conciliava a música e a religião com trabalhos de camelô  e depois de estivador. Antes de abrir o restaurante que leva o seu nome, em 1972, foi lojista do mercado e dividia seu tempo entre as vendas e as rodas de capoeira, onde acabou formando capoeiristas famosos como Manoel Olímpio, popular Mestre Índio. O restaurante foi vendido ao português Rui Mendes, que decidiu manter o nome Camafeu de Oxossi.

Mercado Modelo: mais de um século de História

Antigo Mercado Modelo - Domínio Público - BLOG LUGARES DE MEMORIA

Mas as histórias dos dois restaurantes são relativamente recentes, pelo menos se comparadas com a do mercado, que começa em 1912. O Mercado Modelo nasceu para servir como uma central de abastecimento e concentrar a comercialização de produtos tão diversos como animais, hortifrutigranjeiros, cereais, pimentas cachaças, charutos e artigos para Candomblé.

O prédio foi construído na área do porto, vizinho ao prédio da Alfândega e em frete à uma rampa – que existe até hoje – onde eram desembarcadas as mercadorias do Recôncavo Baiano. Os produtos vinham nos porões dos saveiros e antes da inauguração do mercado eram vendidas na própria rampa, ou nas imediações, sem qualquer organização ou regras de higiene. Isso numa época em que as autoridades sanitárias ainda lutavam contra a cólera e a peste bubônica.

Fitas de Senhor do Bonfim - Foto do site do Mercado Modelo - BLOG LUGARES DE MEMORIADurante quase seis décadas, o Mercado Modelo permaneceu nesse prédio e, na maior parte do tempo, foi palco das mais famosas rodas de capoeira da cidade e ponto de encontro de artistas e intelectuais. Uma das curiosidades dessa época é o comércio de Belchiors1 – nome dado a panos e roupas usados que eram vendidos no mercado, numa época em que nem se cogitava a existência dos brechós. O costume teria sido iniciado por viúvas que se desfaziam das roupas dos maridos falecidos a fim de conseguir sustento para a família.

Toda essa efervescência atraiu visitantes internacionais famosos como os diretores de cinema Clouzot, Luis Malle, Roberto Rosseline e Orson Welles; os filósofos Sartre e Simone de Beavouir; os escritores Aldous Huxley e Pablo Neruda. Acredita-se que a novela “A morte e a Morte de Quincas Berro d’água”, de Jorge Amado, tenha sido inspirada em um frequentador do mercado.

Os incêndios e o novo prédio

Vista interna do Mercado Modelo - Foto de Ojo de Mariposa em Wikimedia - BLOG LUGARES DE MEMORIA

Mas nem tudo era comércio, arte e boemia. Durante esse período, o prédio original do mercado foi atingido por quatro incêndios – o primeiro deles apenas cinco anos depois da inauguração e dois outros na década seguinte. O último, em 1969, foi definitivo e o mercado teve que ser transferido provisoriamente para uma região relativamente próxima denominada Água de Meninos.

Escultura Fonte da Rampa do Mercado - Foto de iPatrimônio - BLOG LUGARES DE MEMORIADois anos depois, o Mercado Modelo foi reinaugurado no prédio vizinho, de estilo Neoclássico, onde antes funcionava a Alfândega, e assumiu um novo perfil, voltado para o turismo. Com mais de 8 mil m², tornou-se o maior centro de artesanato da Bahia. A mudança, de lugar e de perfil,  decorreu de vários fatores, entre eles a queda do movimento do porto, afetado pela ascensão dos transportes aéreo e rodoviário, o que liberou o prédio da Alfândega. Já a mudança de perfil foi decorrente do deslocamento dos compradores para novos centros de abastecimento instalados na Cidade Alta, especialmente os supermercados, e o aumento da movimentação turística.

Para marcar o lugar do prédio original, o artista plástico Mário Cravo concebeu a escultura ‘Fonte do Mercado’ –  que se tornou um dos cartões postais da cidade e ficou conhecida também como Monumento a Salvador. Por ironia do destino, a escultura teve o mesmo fim que o antigo prédio: foi destruída em um incêndio ( ocorrido em dezembro de 2019).

Um subsolo encantador e controverso

A história dos incêndios parece ter sido levada pelo mercado para seu novo endereço. Com apenas 13 anos de reinaugurado, o Mercado Modelo foi novamente atingido pelas chamas. Dessa vez, a destruição foi bem menor e a restauração durou apenas dez meses. Além disso, o novo incêndio teve seu lado bom porque o fogo fez ceder o piso, revelando a existência de um subsolo sobre o qual não se tinha notícia.

Subsolo do Mercado Modelo - Foto de Tais Loureiro em Wikimedia - BLOG LUGARES DE MEMORIATrata-se de um espaço amplo, sustentado por arcadas e localizado um pouco abaixo do nível do mar, de modo que alaga durante a maré alta, assumindo uma aparência que nos faz lembrar uma cisterna.

A ausência de qualquer registro sobre o subsolo fez surgir versões contraditórias sobre sua função original. Conta-se, por exemplo, que o lugar era usado para a prisão e punição de escravizados. Outros falam em tráfico, mesmo depois da Abolição da Escravatura. Tanto em um caso, como em outro, acredita-se que muitos desses prisioneiros morressem afogados durante a maré alta.

Todas essas versões são contestadas por historiadores, para quem a hipótese mais provável é que o lugar fosse usado para estocagem de vinho e outros produtos. Ainda assim, vigias do mercado afirmam que na madrugada ouvem choros e gritos que viriam das almas dos escravizados. Por causa disso, há quem considere o prédio do Mercado Modelo um dos mais al assombrados so país. E, se não há provas de que o local era usado por traficantes de negros, também parece não haver provas da versão contrária. 23

Notas

Para saber mais

Mercado Modelo – Praça Visconde de Cairu – Cidade Baixa – Salvador – Bahia – Brasil – América do Sul

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8 Comentários
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Sonia Maria Pedrosa Silva Cury
3 anos atrás

Eu não sabia do subsolo, mas da importância do mercado, sem dúvida! Além de lindo, é um importante ponto turístico, parada obrigatória de todo turista, além de abrigar muita história da cidade. Belo texto, Sylvinha.

Diego
3 anos atrás

Sempre que vou pra Salvador passo no Mercado Modelo, é um bom lugar para almoçar e comprar artesanatos locais! 😀

hebe
hebe
3 anos atrás

Ah que saudade me deu agora da Bahia. Eu adorei o mercado modelo, e concordo com você é mesmo um resumo da Bahia. Quero voltar em breve!

sidneyjs
sidneyjs
3 anos atrás

Podem ocorrer incendios, mas ele sempre se ergue majestosamente.