Atualizado em 02/05/2024 por Sylvia Leite
A Catedral da Sé, oficialmente denominada Catedral Metropolitana Nossa Senhora da Conceição e São Paulo, começou a ser pensada como instituição em 1589, mas seu prédio atual só foi inaugurado em 1954. O curioso é que em pleno século 20, quando a arquitetura era tomada por vários movimentos inovadores, inclusive o modernista, a igreja foi erguida com características predominantemente Neogóticas, seguindo um estilo de construção religiosa que foi usada na Europa até o século 18.
Essa característica, aliada ao seu tamanho monumental – 112m de comprimento por 47m de largura, torres de altura equivalente a um prédio de 20 andares e capacidade para 8 mil pessoas – fizeram com que a igreja matriz de São Paulo ocupasse a posição de quarto maior templo Neogótico do mundo. Mas engana-se quem pensa que tudo nesse prédio é Neogótico. Sua cúpula – de 70 metros de altura – foi construída em estilo Renascentista, provavelmente inspirada no domo da Catedral de Florença.
A igreja mais antiga de São Paulo
Antes de detalharmos o prédio atual, é importante conhecermos o que veio antes – uma história que faz da Catedral da Sé e a igreja mais antiga de São Paulo. A primeira construção, ou Velha Sé, foi inaugurada em 1616, no lugar onde hoje se encontra o Monumento a Anchieta – em plena Praça da Sé – a poucos metros do templo atual. Era uma construção modesta, feita em taipa de pilão – uma técnica rudimentar que consiste em utilizar terra comprimida em formas de madeira.
O segundo prédio começou a ser erguido em 1745, quando a igreja foi elevada à categoria de catedral, mas só ficou pronto em 1764. A igreja tinha estilo barroco e permaneceu como matriz de São Paulo até 1911, quando foi demolida para dar lugar à construção atual.
Catedral da Sé: requinte e grandiosidade
A Catedral da Sé como conhecemos hoje foi projetada pelo alemão Maximilian Emil Hehl e levou cerca de 41 anos para ser construída. Na verdade foram 56 anos porque as torres só ficaram prontas em 1969, portanto 14 anos depois da inauguração. Isso sem falar na parte do projeto que ficou no papel até a reforma realizada a partir de 1999.
A planta da igreja tem forma de cruz e reúne cinco naves. A construção foi feita em granito maciço e o acabamento consumiu cerca de 800 toneladas de mármores raros trazidos da Itália. Vieram também da Itália os mosaicos desenhados por Marcello Avenali entre os quais se destaca o que representa São Paulo.
O prédio recebeu, ainda, 750 metros quadrados de vitrais que narram episódios bíblicos e fatos históricos, distribuídos em vários pontos do prédio. Muitos deles também foram criados por artistas italianos e produzidos na própria Itália. Outros têm desenho de José Wasth Rodrigues e foram executados pela casa Conrado, primeiro ateliê de vitrais do Brasil, criado pelo imigrante alemão Conrado Sorgenicht. Já as as oito portas principais, são de Jacarandá da Bahia e foram esculpidas por profissionais do Liceu de artes e Ofícios de São Paulo. Foi também das oficinas do Liceu paulista que foram fundidos os detalhes em bronze da decoração da igreja.
A presença brasileira na construção da catedral não está apenas na participação de empresas ou profissionais. Entre os temas de sua decoração encontram-se a fauna e a flora locais com esculturas de animais nativos como mico, tatu, garça, lagarto, tucano, e plantas como maracujá e jabuticaba.
O maior órgão da América Latina
O requinte e a grandiosidade com que foi construída a Catedral da Sé aparece também de seu órgão, que é considerado um dos maiores da América Latina. O instrumento, fabricado pela empresa Balbini & Rossi, de Milão, é composto por cera de 12 mil tubos sonoros, em cujas bocas há relevos entalhados à mão. Conta, ainda, com dois corpos e um console que reúne cinco teclados. Cada um deles é composto por 61 teclas e já tem prontas cinco combinações sonoras fixas, além de outras seis manualmente ajustáveis.
O órgão foi inaugurado no mesmo ano que a igreja e funcionou perfeitamente por cerca de três décadas, mas devido a problemas de manutenção, passou a ter funcionamento parcial a partir da década de 1980. Entre 1999 e 2002, quando ocorreram as obras de restauro da catedral, o problema se agravou em decorrência da poeira e do cimento. O órgão da Catedral da Sé parou de tocar no último ano da obra e permanece mudo até hoje aguardando recursos para sua restauração que foi orçada em R$ 9 milhões.
O carrilhão que toca música
Os sons têm mesmo um lugar especial no Catedral da Sé. Imaginem que seu carrilhão, além de ser o maior da América Latina, com uma estrutura que ocupa três andares de uma das torres, é capaz de entoar melodias. Isso ocorre porque cada um dos seus 61 sinos tem uma nota musical exata e está conectado a um teclado por meio de martelos mecânicos.
Em maio de 2020, o carrilhão da Sé integrou um concerto mundial de sinos dirigido às vitimas da Covid-19 e em alusão à luta da humanidade contra vírus SARS-CoV-2. Organistas de vários países executavam conjuntamente a obra Healing Bells – que podemos traduzir como sinos que curam – dirigida aos infectados pela pandemia.
Para se ter uma ideia da complexidade do carrilhão, seu menor sino pesa apenas 2 quilos e o maior pesa cerca de 5 toneladas e o som emitido pelos 61 sinos tem alcance de 2 quilômetros..
Uma capela embaixo do altar-Mor
Seguindo uma tendência das construções religiosas européias, a Catedral da Sé teve incluída em seu projeto uma cripta – espécie de capela localizada no subsolo das igrejas, destinada tanto à realização de rituais secretos, como ao abrigo de relíquias e restos mortais de bispos, sacerdotes e pessoas importantes.
No caso da Catedral da Sé, a cripta foi a primeira parte do prédio a ficar pronta, cerca de 35 anos antes da inauguração da igreja. Nela estão guardados os restos mortais de personagens históricos como os jesuítas Anchieta e Manoel da Nóbrega, e do cacique Tibiriçá, que foi o primeiro indígena convertido ao Cristianismo em São Paulo e teve grande importância na função da cidade. A cripta abriga também o túmulo do regente Feijó, que governou o Brasil enquanto dom Pedro II não podia assumir o trono porque ainda era criança. Mais recentemente, em 2016, foi sepultado ali o corpo do cardeal arcebispo de São Paulo, dom Paulo Evaristo Arns, que ficou mundialmente conhecido por sua luta em defesa dos direitos humanos.
A cripta recebeu, ainda, restos mortais de dois personagens ligados à história da aviação: Alberto Santos-Dumont, inventor do avião, e padre Bartolomeu Lourenço de Gusmão, o Padre Voador, que virou personagem do livro Memorial do Convento, de José Saramago, por ter realizado, em Portugal, experiências com um balão de ar quente batizado com o nome de aeróstato. No caso de Santos-Dumont, foi apenas um abrigo temporário, durante a Revolução Constitucionalista de 1932, até que o corpos já citados, além de esculturas de bronze e outras de mármore assinadas por Francisco Leopodo e Silva, que era irmão de Dom Duarte Leopoldo e Silva – o arcebispo responsável pela construção da catedral – e foi autor, entre outras obras, da famosa escultura “Interrogação”, que decora o túmulo do advogado Moacir de Toledo Piza, no Cemitério da Consolação. Faz parte também de seu acervo uma réplica do Santo Sudário – o pano que segundo acreditam os católicos, teria envolvido o rosto de Cristo após a crucificação – e uma exposição sobre a história dessa relíquia.
Ao completar 100 anos, em 2019, a cripta da Catedral da Sé foi homenageada pelos Correios com uma série de selos comemorativos que exibem detalhes da cripta ilustrados em lápis e aquarela pelo desenhista e arquiteto Eduardo Bajzek. Além disso, transformou-se em palco de uma série de concertos musicais comemorativos que acabaram se estendendo por mais tempo. A ideia era aproveitar a excelente acústica do local para tornar a cripta mais conhecida de paulistanos e turistas. Com o mesmo propósito, a igreja mantém um programa de visitas guiadas que recebe cerca de 600 pessoas por mês. Há, ainda, uma programação de visitas seguidas de brunch realizadas a cada 15 ou 20 dias.
A catedral como lugar de resistência
Além de todo valor religioso, histórico e artístico, a Catedral da Sé ganhou importância política, ao longo dos anos, como local de luta pelos direitos humanos e em defesa das classes menos favorecidas. Grande parte dessa imagem foi criada pela atuação do quinto arcebispo de São Paulo Dom Paulo Evaristo Arns, que esteve à frente da Arquidiocese paulistana por quase três décadas, entre 1970 e 1998.
Dom Paulo foi um dos grandes articuladores da redemocratização do país e uma das vozes mais atuantes – durante a Ditadura Militar – contra a tortura e em favor da anistia, o que acabou caracterizando a igreja e a praça onde está localizada, como lugares de resistência. Além disso, foi grande incentivador das Comunidades Eclesiais de Base, que surgiram nos anos 1970, apoiadas pela Teologia da Libertação, com o propósito de proteger as classes oprimidas.
Em 1975, no quinto ano de sua gestão, a Catedral da Sé foi palco de um ato ecumênico que reuniu 8 mil pessoas em memória do jornalista Vladimir Herzog, que havia morrido na prisão. E foi a praça em frente à igreja que abrigou, em 1984, mais de 300 mil pessoas, no maior comício do país por eleições Diretas Já. Até hoje ainda se convoca manifestações na Praça da Sé, mas ultimamente os movimentos têm se deslocado para outros pontos, especialmente a Avenida Paulista e o Largo da Batata.
Por tudo que representa e por todo o seu patrimônio material e imaterial, a Catedral Metropolitana Nossa Senhora da Conceição e São Paulo foi tombada, em 2016, pelo Conselho de Defesa do Patrimônio Histórico Arqueológico, Artístico e Turístico (CONDEPHAAT).1
Notas
- 1 Leia, aqui no blog, matérias sobre outros lugares especiais de São Paulo: Minhocão / Theatro Municipal / Estação Júlio Prestes e Sala São Paulo / Bixiga / Teatro Oficina / Galeria do Rock / Vila Itororó / Liberdade / Beco do Batman / Cemitério da Consolação / Parque Augusta / Capela de Santa Catarina / Pavilhão da Bienal / Parque Savóia/ Viaduto do Chá
Catedral da Sé – Praça da Sé – São Paulo – São Paulo – Brasil – América do Sul
Fotos
- (1) Webysther Nunes, em Wikimedia - CC BY-SA 4.0
- (2)Marc Ferrez - Instituto Moreira Salles, em Wikimedia - Domínio público
- (3,4,5,6,7,8, 11) Sylvia Leite
- (9) Site Filatelia Halibunani
- (10)Site do Governo de São Paulo
Referências
- A Catedral Metropolitana de São Paulo por Maximilian Emil Hehl (1891-1916): História, Arte e Ecletismo na Arquitetura Sacra Paulistana, artigo de Marcos Eduardo Melo dos Santos na Revista Eletrônica Espaço Teológico da PUC SP - PDF
- Site da Canção Nova
- Site da Série Concertos Cripta Catedral da Sé
- Visitas à Catedral da Sé
- Site do Museu de Arte Sacra
Excelente documentário, super informativo , a Catedral e um grande patrimônio histórico e cultural de São Paulo , onde se localiza e do Brasil pois é um acervo vivo de nossa história. Quando for ao S Paulo vou visitá-las e agendar o Brunch da chefa Gil Gondim… parabéns Silvia Leite, amei
Faça isso. Você vai gostar. A Catedral da Sé é linda!
Excelente trabalho Silvia. Mais uma vez parabéns por tantas informações com fontes seguras e verdadeiras. Muito lindo tudo. Parabéns!!!!
Obrigada, Maria Auxiliadora. Volte sempre.
Muito interessante a história da construção da catedral da Sé, inaugurada em plena fase modernista. A minha referência é muito mais política, dos tempos da ditadura, quando as manifestações ocorriam na Praça da Sé.
Adorei o texto!
A história da Catedral da Sé é mesmo interessante e esse aspecto político é uma parte importante dessas memórias.
Só uma observação importante. Vladimir Herzog foi perseguido e assassinado pelos agentes da Ditadura Militar dentro da prisão. Não foi uma simples morte, foi assassinato. E o ato ecumênico em sua memória na Catedral da Sé acelerou as discussões em favor da redemocratização do país, como citado.
Obrigada por sua contribuição, Evandro. Volte sempre.