Ilha de Mem de Sá: uma comunidade salva pelo turismo

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Atualizado em 25/03/2024 por Sylvia Leite

Ancoradouro_ilha_de_mem_de_sa-Foto_de_sylvia_leite-BLOG_LUGARES_DE_MEMORIAO Aratu e o Caranguejo – crustáceos coletados no mangue – são hoje os personagens principais da pequena Ilha de Mem de Sá – localizada no estuário do rio Vaza Barris, em Itaporanga d’Ajuda, estado de Sergipe. O primeiro costuma ser servido em forma fritada ou de moqueca enrolada na folha de bananeira, mas também se faz pastel e tapioca, que em Sergipe é chamada de beiju. O segundo também tem inúmeras receitas e é tema de um festival gastronômico que atrai, anualmente, turistas de toda parte. Mas até o início dos anos 2.000, os dois crustáceos tinham outro status na ilha. Sua coleta era vista como a única alternativa de renda para mulheres de aproximadamente 75 famílias, que lutavam para sobreviver com os poucos trocados recebidos de atravessadores. Fora, isso, tinham apenas a pesca dos maridos – também desvalorizada – e a agricultura de subsistência.

A mudança foi resultado de inúmeras ações governamentais e comunitárias, aliadas a projetos de pesquisa e extensão, que vão desde a criação de uma escola e a chegada da energia elétrica e água encanada, até a Portal_da_UFS_na_Ilha_de_Me_deSa-Foto_de_Sylvia_Leite-BLOG_LUGARES_DE_MEMORIApreparação dos moradores para o turismo de base comunitária. O projeto Aratu, por exemplo, coordenado pelo  Instiruto Federal de Sergipe – IFS, em parceria com a Embrapa e a Petrobrás, formou condutores locais para acompanhamento de turistas em visita à ilha, levando em conta os aspectos cultural e de conservação. Já a Universidade Federal de Sergipe – UFS criou na ilha  uma Casa de Extensão com o fim de realizar projetos de desenvolvimento humano e social.

O festival gastronômico citado lá no começo é a Festa do Caranguejo – um dos resultados visíveis desse trabalho comunitário. O evento foi criado em 1997, pela Associação Comunitária do Povoado, e se repete anualmente com apoio da Prefeitura de Itaporanga d’Ajuda, o município onde a ilha está localizada. A festa chamou a atenção de turistas para a ilha e foi a provável inspiração para um evento semelhante que passou a ser realizado na capital, Aracaju.

A Festa do Caranguejo

Balcao de bar Ilha de Mem de Sa - Foto Sylvia Leite - BLOG LUGARES DE MEMORIAAlém de promover o turismo no região, a Festa do Caranguejo visa valorizar os extratores de crustáceos e a culinária local com a oferta de inúmeros pratos à base de caranguejo e de outros crustáceos e moluscos como aratu, ostra e sururu.

Outro importante objetivo da festa é conscientizar moradores e visitantes sobre a necessidade de preservação do manguezal de onde os crustáceos são extraídos. Isso é feito por meio de palestras de técnicos e especialistas sobre as práticas mais sustentáveis de manejo e extração.

O Festival do Caranguejo ainda abre espaço para o encontro entre turistas e a manifestação cultural mais representativa do lugar: o Samba de Coco. O folguedo havia sido extinto, mas foi recuperado por moradores com a ajuda dos grupos que atuaram na comunidade e renasceu com o nome Samba de Coco Nova Geração.

Ilha de Mem de Sá: um lugar escondido

Barco_de_passageiros_no_estuário do_rio_Poxim-Foto_de_Sylvia_aleite-BLOG_LUGARES_DE_MEMORIADurante muito tempo esse criadouro natural de caranguejos e aratus viveu em condição de isolamento, sendo desconhecido até mesmo de sergipanos.

Provavelmente seus primeiros ocupantes foram povos originários de língua macro-jê, depois expulsos pelos Tupinambás – de língua tupi – que viveram em toda a região a partir do ano 1.000. Dos Tupinambás , acredita-se ter vindo a habilidade para a coleta de crustáceos – realizada exclusivamente por mulheres.

Não há informações específicas sobre a tomada a ilha de Mem de Sá pelos colonizadores. Embora tenha havido uma guerra entre as tropas do então governador da Bahia Cristóvão de Barros e povos originários instalados na região, liderados pelos caciques Serigy, Surubi, Aperipê e Pacatuba, não há qualquer registro desses acontecimentos na Ilha de Mem de Sá. Não há relatos, também sobre a chegada, na Ilha de Mem de Sá, dos sesmeiros que se apossaram da região logo após esses confrontos.Taxa de laudemio - Arquivo pessoal de Amancio Cardoso

Segundo hipótese do historiador Amâncio Cardoso, em seu livro Sergipe – Um roteiro turístico, histórico e cultural, os colonizadores só teriam chegado ali no século 20. São dessa época os primeiros documentos guardados pelos moradores e não há qualquer menção à Ilha de Mem de Sá datada de séculos anteriores. Mesmo no século 20, a ilha é descrita na Enciclopédia dos Municípios – publicada pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) -, como um acidente geográfico sem importância, mas “mas merecedora de registro como possuidora de ótimas terras para a cultura do coco e da mandioca”.

Outra hipótese, levantada remotamente pelo próprio Amâncio, é que a ilha tenha sido colonizada anteriormente com outra denominação. Não há, no entanto, sinais indicativos dessa mudança, assim como ninguém sabe explicar a origem do nome Mem de Sá.

Samba de Coco na Ilha de Mem de Sá

Embora não haja registro de comunidades quilombolas no município de Itaporanga, a Ilha de Mem de Sá teve, no passado, um forte grupo de Samba de Coco – dança de origem africana, mas de grande influência indígena, vinculada aos rituais de quebra do coco, que era e segue sendo um importante alimento na gastronomia da região.

O folguedo foi resgatado depois de décadas com a ajuda de integrantes dos projetos comunitários e ressurgiu com o nome de Samba de Coco Nova Geração. Com pouco tempo de atividade, o grupo tornou-se conhecido em todo o Estado e, em 2017, integrou a agenda estadual do Sonora Brasil – programa de estímulo à pluralidade étnico-cultural realizado pelo Serviço Social do Comércio – SESC.

Pequena apenas na extensão

Turistas_no_ancoradouro_-Foto_de_sylvia_leite-BLOG_LUGARES_DE_MEMORIAO isolamento da Ilha de Mem de Sá, apesar da proximidade em que se encontra da sede do município de Itaporanga (23 km) e da capital Aracaju (53) talvez se explique entre outros fatores pelo seu pequeno tamanho pois a ilha tem apenas 2 km de extensão, não oferecendo, portanto, grande potencial econômico, apesar das boas condições da terra.

Mas se o tamanho foi um problema no passado, no presente isso não impediu a ilha de agradar os turistas e de ser incluída nas rotas de turismo fluvial de Sergipe ao lado de pontos bastante conhecidos como a Croa do Goré e a Ilha dos Namorados, com um diferencial: enquanto essas duas ilhas oferecem paisagem, banho fluvial e gastronomia, a Ilha de Mem de Sá acrescenta história e cultura.1

Notas

Ilha de Mem de Sá – Estuário do Rio Vaza Barris – Itaporanga d’Ajuda- Sergipe – Brasil – América do Sul

Texto

Fotos

  • (1,2,3,4,6) Sylvia Leite
  • Acervo pessoal do historiador Amâncio Cardoso

Referências

Referência acadêmica

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    Sonale
    Sonale
    1 mês atrás

    Maravilha Sílvia!!!

    Valdeci da Silva Meneses Cantanhede
    Valdeci da Silva Meneses Cantanhede
    1 mês atrás

    Excelente matéria, Sylvinha!
    Abraços

    Joaquim Sobral
    Joaquim Sobral
    1 mês atrás

    Como sempre é um aprendizado delicioso te ler.
    Preciso urgente conhecer este lugar, que não está muito longe de min…
    Parabens et obrigado Sylvinha.

    Mayra Mendonca Morais
    Mayra Mendonca Morais
    1 mês atrás

    Conheci a Ilha Mén de Sá ano passado e tomei um banho de Rio maravilhoso. Achei sensacional conhecer a sua história por essa matéria jornalística tão especial.

    Ilka
    Ilka
    1 mês atrás

    Morei anos ai perto e nunca atravessei pq tenho medo da travessia de barco, recebi muitos convites para conhecer o festival e não aceitava

    Fatima
    Fatima
    27 dias atrás

    Já visitei, mas não conhecia a história. Gostei muito. Parabéns.

    Ma do Carmo. C .FARHÁ MASCARENHAS
    Ma do Carmo. C .FARHÁ MASCARENHAS
    16 dias atrás

    Adorei. Saber tudo isso.
    Co heci a GROA. DO. GORÉ. MUITOINDO

    Patricia
    Patricia
    16 dias atrás

    Conheço. É uma opção turística em Sergipe maravilhosa. Perto da capital Aracaju. Vale muito conhecer, passar o dia se banhando no rio, comer o catado de aratu e admirar a paisagem do lugar. Parabéns Sylvia pela lembrança desse lugar e pelas informações históricas.