Copacabana: o berço da Bossa Nova

Tempo de Leitura: 9 minutos

Atualizado em 13/03/2024 por Sylvia Leite

Copacabana_vista_de_cima-Foto_de_Flickr_BLOG_LUGARES_DE_MEMORIANão se pode dizer que Copacabana foi o único bairro carioca que serviu de cenário aos primeiros acordes da Bossa Nova1, mas foi essa famosa praia da zona Sul do Rio de Janeiro que ficou conhecida como berço do movimento. Nela concentraram-se os dois maiores pontos de encontro daqueles músicos que resolveram simplificar o samba e misturá-lo a outros ritmos. Um desses lugares é o apartamento da cantora, compositora e instrumentista Nara Leão, onde os músicos criadores do novo estilo reuniam-se nas décadas de 1950 e 1960 para tocar e compartilhar ideias. O segundo ponto é o Beco das Garrafas – uma rua sem saída que abriga várias casas noturnas e na época era reduto de músicos iniciantes.

O apartamento de Nara Leão – na verdade de seus pais –  ficava no número 2.856 da Avenida Atlântica, de frente para o mar, e era frequentado por músicos como Ronaldo Bôscoli, Carlos Lyra, Roberto Menescal e Sérgio Mendes, que mais tarde se tornariam alguns dos mais importantes nomes do gênero. O imóvel não é aberto à visitação mas na fachada do prédio – que tem Prédio_onde_morou_Nara_Leao-Foto_GoogleMaps-BLOG_LUGARES_DE_MEMORIA cópiao pomposo nome de Palácio Champs Élysées – há uma placa indicando que a cantora viveu ali no apartamento 303 do bloco Louvre e o local está incluído na rota turística da Bossa Nova.

Já o Beco das Garrafas está de portas abertas com uma intensa programação de shows. O local ficou fechado por 40 anos, mas dois de seus antigos bares – o Bottle’s e o Little Club – foram reabertos em 2014 graças a um projeto de revitalização tocado pela produtora cultural Amanda Bravo.

O beco é uma travessa sem saída da rua Duvivier, localizada entre os números 21 e 37. Seu nome, segundo antigos frequentadores, é uma referência à reação dos vizinhos que se sentiam incomodados com o barulho dos bares até de madrugada e reagiam atirando garrafas pela janela. A ideia de batizá-lo assim teria partido do escritor Sérgio Porto, primeiro como Beco das Garrafadas e depois como Beco das Garrafas.

A famosa calçada de pedras portuguesas

Calçada_de_Copacabana-Foto_de_Donatas_Dabravolskas_em_Wikimedia-BLOG_LUGARES_DE_MEMORIAApesar de Copacabana estar simbolicamente ligada à Bossa Nova, sua fama tem raízes mais antigas. Quando o movimento musical começou, a praia carioca já era sinônimo de modernização2 e tinha ficado famosa por sua calçada de pedras pretas e brancas com desenhos de ondas. O traçado do mosaico, assim como seu material, não foram uma invenção carioca, nem sequer brasileira. A adoção de ambas foi inspirada no piso da Praça do Rocio, em Lisboa, onde as ondas representam o encontro do rio Tejo com o Oceano Atlântico.

A ideia do então prefeito do Rio, ao planejar a calçada, era homenagear os colonizadores, mas poucos sabiam disso e o grafismo da calçada de Copacabana passou a ser visto como algo único e característico do Rio de Janeiro. Já as pedras, que na época foram trazidas de Portugal, ficaram conhecidas como pedras portuguesas embora sejam calcita branca e basalto negro – ambos abundantes no Brasil. Os profissionais que assentaram as pedras, conhecidos como calceteiros, também vieram Calçadao_e_praia_vistos_de_cima-Foto_de_Porto_Bay_Hotels_e_amp_em_Wikimedia-BLOG-LUGARES_DE_MEMORIAde Portugal e há quem diga que até hoje a manutenção do mosaico é feito por trabalhadores portugueses residentes no Brasil.

Aquela primeira calçada de Copacabana foi construída no início do século 20 e o desenho das ondas era perpendicular à praia. Na década de 1970, a orla passou por uma reforma para alargamento tanto da pista como da calçada e o mosaico ganhou novo projeto, dessa vez do paisagista Roberto Burle Marx, que mudou a posição das ondas tornando-as paralelas ao mar. Com a reforma, as ondas extrapolaram a calçada da praia e passaram a decorar também os canteiros centrais e as calçadas dos edifícios.

Embora seja conhecido como Calçadão de Copacabana, o piso de mosaico tem extensão de 4,5 km e cobre toda a Avenida Atlântica, que se estende até o final do o Leme, o bairro vizinho. Mas é na própria Copacabana, no trecho conhecido como posto 2, que se encontra o prédio mais famoso da orla carioca: o hotel Copacabana Pálace.

O icônico Copacabana Pálace

Fachada_do_Copacabana_Palace-Foto_Carlos_Alkmin_em Wikimedia-BLOG_LUGARES_DE_MEMORIAQuando esse hotel foi planejado, no início do século 20, Copacabana tinha apenas algumas casas de veraneio e o acesso de carro era feito por um areal. O presidente Epitácio Pessoa teria convencido o empresário Otávio Guinle a embarcar na aventura de construir um hotel que competisse em luxo com os da Côte D’Azur francesa como o Negresco, de Nice ou o Carlton, de Cannes.

A ideia do presidente era hospedar os visitantes estrangeiros que participariam das comemorações pelo Centenário da Independência, em 1922, mas o prédio não ficou pronto em tempo de cumprir sua primeira missão. Nem por isso deixou de ocupar um importante espaço na história do Brasil. Em mais de um século de existência, recebeu reis, rainhas, chefes de estado e estrelas da música e do cinema. Foi palco de escândalos, fofocas e negociações. Foi também um dos responsáveis pela implantação do espetáculo de fogos que fez do Reveillon de Copacabana o maior e mais famoso do mundo.3

O maior reveillon do mundo

Réveillon de Copacabana - Foto de Porto Bay Hotels & Resorts - BLOG LUGARES DE MEMORIAAté a década de 1950, não havia qualquer comemoração de virada do ano em Copacabana. Nessa época, o sacerdote da religião Omoloko, Tancredo da Silva Pinto, começou a convocar seguidores das religiões de matriz africana para fazer um grande Gira à beira-mar. A ideia era colocar a população em contato com essas crenças a fim de acabar com o preconceito. Mas a festa foi crescendo e chamou a atenção tanto de moradores como de empresários do bairro, que resolveram marcar sua participação no evento.

Depois dos fogos vieram os shows e o Reveillon de Copacabana foi crescendo a cada ano, ao ponto de realizar, na virada de 1994 para 1995, o espetáculo de Rod Stewart que reuniu 3,5 milhóes de pessoas e ficou registrado no Guiness Book – Livro dos Recordes – como o maior show do mundo, condição que até hoje não foi perdida.4

Tema de música e cenário de filme

Reveillon, Calçadão, Bossa Nova… Tudo isso contribuiu para a fama de Copacabana, mas esse populoso bairro da zona Sul carioca parece ter seu próprio carisma, a julgar pelas músicas e pelos filmes que inspirou. A composição mais lembrada surgiu em 1946, na voz de Dick Farney, e foi a partir daí que a praia símbolo do Brasil passou a ser chamada de “princesinha do mar”.Cartaz_do_filme_Copacabana-Foto_Fonte_em_Wikimedia-BLOG_LUGARES_DE_MEMORIA A canção “Copacabana” tem letra de Alberto Ribeiro, música de João de Barro – o Braguinha -, e foi gravada também por Nana Caymi, Tom Jobim e até por Sara Voughan. Não menos famosa é “Sábado em Copacabana“, de Dorival Caymmi e Carlos Guinle, interpretada por Lúcio AlvesGilberto Gil, Caetano Veloso, Eduardo Dussek e outros compositores mais recentes também fizeram suas homenagens.

Já no cinema, os trabalhos mais famosos talvez sejam “Copacabana“, de Carla Camurati, lançado em 2001 e “Copacabana me Engana“, de Antônio Carlos da Fontoura, que tem como estrela Odete Lara. Em 2015, foi restaurado e finalmente lançado comercialmente o filme “Copacabana Mon Amour”, de Rogério Sganzerla, concluído em 1970 e censurado pela ditadura militar. Copacabana também foi tema indireto de filmes como “Copacabana Pálace” – uma comédia italiana que une três histórias ambientadas no hotel, de 1962 – e Edifício Master, de Eduardo Coutinho – documentário sobre outro famoso prédio do bairro.

Há, ainda, o estadunidense Copacabana, de Alfred Green, que embora não tenha sido gravado no Brasil, tem como tema uma casa noturna de Nova Iorque que leva o nome da praia carioca e uma das estrelas do filme é Carmen Miranda. Não podemos esquecer, também, que o beijo romântico do filme Notorious (traduzido no Brasil como Interlúdio), de Alfred Hitchcock, foi filmado em Copacabana.

Copacabana: de onde vem esse nome?

Seja nos filmes ou nas canções, Copacabana é mostrada como um dos símbolos mais marcantes do Brasil e do modo de vida dos brasileiros mas, ironicamente, seu nome é estrangeiro. Estrangeiro de perto, da América Latina, e extraído de algum idioma de povos originários, mas ainda assim estrangeiro.

Copacabana_e_Leme_antigamente-Foto_de_Photo_Lopes_em_Wikimedia-BLOG_LUGARES_DE_MEMORIAEssa história começa com a chegada de comerciantes da prata vindos da Bolívia e do Peru e conhecidos aqui como peruleiros. Na época, a praia que hoje chamamos de Copacabana tinha o nome de  Sacopenapã, que em Tupi significa “o barulho e o bater das asas dos socós”.  A mudança se deu depois que algum desses mercadores, provavelmente um boliviano, trouxe para o Rio de Janeiro uma imagem de Nossa Senhora de Copacabana – a padroeira da Bolívia.

Copacabana é o nome de uma cidade boliviana, capital da província de Manco Capac, que fica à margem do lago Titicaca ( ou Titiqaqa), na fronteira com o Peru, e teria sido construída sobre um antigo local de culto inca. Acredita-se que a santa trazida Brasil como Nossa Senhora de Copacabana era, na verdade, Nossa Senhora de Candelária, que acabou absorvendo o nome da cidade onde era cultuada.

Há pelo menos três hipóteses para a etimologia da palavra Copacabana: uma delas, talvez a mais aceita, atribui sua origem ao idioma Quíchua, falado pelos Incas (copa caguana), com significado de lugar luminoso ou praia azul. Outra corrente afirma que a palavra vem do idioma dos povos Aimarás e significa vista do lago (kota kayuana). A terceira versão remete a uma divindade cultuada no local antes da chegada dos espanhóis, relacionada ao casamento e à fertilidade, que teria o nome de Kopakawana.

Capela, forte e museu

Igrejinha_de_Copacabana_em_1906-Foto_de_desconhecido_em_Wikimedia-BLOG _LUGARES_DE_MEMORIANão se sabe se a mando de quem, foi construída no início do século 18 – em cima do rochedo que separa as atuais praias de Copacabana e Ipanema -, uma capela para abrigar a imagem trazida pelos peruleiros. Cerca de um século depois, em 1914, o prédio que ficou conhecido como Igrejinha de Copacabana ganhou como vizinho um forte, construído com o propósito de diminuir a vulnerabilidade do Rio de Janeiro, que era a capital do Brasil.  Aos poucos, o Forte de Copacabana foi ocupado mais espaço no rochedo e a igrejinha acabou demolida para que fosse construído em seu lugar o Quartel da Paz.

Em 1987, o forte passou a abrigar o Museu Histórico do Exército, que já existia em outros endereços desde o século 19 e tornou-se um espaço cultural, com programação de shows musicais e exposições focadas na história do Rio de Janeiro. Por sua localização privilegiada, com vista para a Baía de Guanabara, o Forte de Copacabana acabou se consolidando como um dos pontos turísticos mais procurados do Rio de Janeiro.3

Notas

  • 1 O bairro de Ipanema também é parte importante dessa história. Lá estavam a casa de Tom Jobim e o antigo Bar Montenegro - na época era conhecido pelos músicos como o Bar do Veloso - onde, segundo a lenda, teria sido composta a famosa canção Garota de Ipanema. O bar ainda existe e foi rebatizado com o nome da música
  • 2 Copacabana ficou conhecida pela verticalização das moradias e por sua efervescência - esta última decorrente do aumento da densidade populacional
  • 3 Leia, aqui no blog, matérias sobre outro lugares especiais do Rio de Janeiro: Urca / Floresta da Tijuca / Paquetá / Museu de Imagens do Inconsciente / Casa da Gávea / Castelo Mourisco / Instituto Pretos Novos / Cais do Valongo

Copacabana – Rio de Janeiro – Rio de Janeiro – Brasil – América do Sul

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Sonia Pedrosa
1 mês atrás

Copacabana é um mundo, com muito o que explorar… lembro que, na faculdade, fiz vários trabalhos sobre o bairro. Não tem como não reconhecer que é um ícone do Rio e do Brasil.

Beatriz
1 mês atrás

Excelente texto e fotos maravilhosas! E a história do nome Copacabana ainda me fez lembrar de uma passagem inesquecível pela vila de mesmo nome nas margens do Titicaca na Bolívia, nos anos 70. Adorei a matéria!

Fatima
Fatima
1 mês atrás

Muito bom, Sylvinha.

Cintia Grininger
Cintia Grininger
1 mês atrás

Que interessante a história do bairro de Copacabana! Eu sabia que o nome vinha da homônima colombiana, mas desconhecia a origem. E quem diria que uma cerimônia religiosa viraria uma das festas mais famosas do mundo, o reveillon em Copacabana?

CLAU PARRA
1 mês atrás

Copacabana é icônica e representa muito nosso Brasil. Toda vez que vou ao Rio, a passagem por copa é obrigatória. Parabéns Sylvia por conteúdo tão rico e cheio de detalhes.