Atualizado em 01/05/2024 por Sylvia Leite
Quem já foi a Diamantina, certamente se deparou, pelo menos uma vez, com sempre-vivas, seja na decoração de casas e locais públicos; seja em bijuterias e outros produtos artesanais; ou simplesmente acomodadas em cestos e expostas à venda em calcadas e praças. O Vale do Jequitinhonha, onde está localizado o município mineiro, não é o único canteiro natural dessas curiosas flores – que podem guardar suas características por décadas e até séculos -, mas foi nessa região, mais precisamente na Serra do Espinhaço, que a coleta tradicional de sempre-vivas foi reconhecida como Patrimônio Agrícola Mundial.
O título é concedido pela Organização das Nações Unidas para a Alimentação e a Agricultura (FAO) e tem o propósito de preservar métodos tradicionais de manejo da terra que consigam, ao mesmo tempo, garantir a subsistência das comunidades e proteger a biodiversidade. No caso da Serra do Espinhaço, as sempre-vivas são colhidas por moradores – principalmente mulheres – de comunidades quilombolas ou de descendentes de indígenas espalhadas pelos municípios de Diamantina, Presidente Kubitscheck e Buenópolis.
Em época de colheita, os apanhadores – que vivem nas baixadas – sobem a serra em busca das flores e ficam lá por dias, semanas e até meses, enquanto durar a safra. Cada morador tem sua Lapa – espécie de gruta ou cavidade aberta na rocha usada como moradia durante a temporada. Muitos deles levam as crianças, que viajam dentro de balaios e, ao chegar no campo, ajudam as mães, ou aos pais, na coleta.
Um complexo sistema de sobrevivência
Mas as flores representam apenas uma das atividades dos moradores da Serra do Espinhaço, que dedicam-se também a uma agropecuária de subsistência. De um solo arenoso e aparentemente formado somente por pedras, eles conseguem extrair não apenas as sempre-vivas, mas uma variada gama de produtos alimentares, ervas medicinais e espécies usadas para obtenção de óleos e fibras. Dedicam-se, ainda, à criação de animais de grande e pequeno porte, como vacas e galinhas, que seguem para o campo junto com seus proprietários na época da colheita das sempre-vivas.
Esse modesto, mas bastante complexo, conjunto de atividades inclui o manejo e a preservação de várias espécies e além da conservação de saberes tradicionais que são repassados, há séculos, de geração a geração. E é por meio dessa relação com o ecossistema, marcada pelo profundo conhecimento da terra e de seus ciclos, que essas comunidades conseguem fazer da colheita de sempre-vivas uma atividade sustentável.
As diferentes sempre-vivas
Chama-se popularmente de sempre-vivas a um conjunto de espécies que possuem a capacidade de se manter íntegras por muito tempo, mesmo depois de colhidas e secas. Algumas preservam forma e cor, outras desbotam ligeiramente, apresentando tons pastéis e há aquelas que perdem totalmente a pigmentação e precisam ser tingidas.
Existem, no mundo, cerca de 1200 espécies e 800 delas estão no Brasil. Na Serra do Espinhaço, onde encontra-se o sitema de cultvo que se tornou referência internacional, existem inúmeras espécies pertencentes às famílias das Eriocaulaceae, Cyperaceae, Rapateaceae, Poaceae e Xyridaceae. Uma das mais comuns é a sempre-viva-de-mil-flores também conhecida como chuveirinho, que floresce em pequenos chumaços unidos a um só caule.
Além da Serra do Espinhaço, há também outros pontos de ocorrência de sempre-vivas no Brasil, especialmente na Chapada Diamantina, na Serra do Cipó, no Jalapão e na Chapada dos Veadeiros. Em algumas dessas áreas, variadas espécies correm risco de extinção em consequência da destruição de seu hábitat natural provocado por queimadas descontroladas, agropecuária, garimpo e mineração. Mas outro fator que também ameaça a sobrevivência das sempre-vivas brasileiras é o próprio extrativismo indiscriminado da flor com o fim de atender à grande demanda internacional.
O Parque Nacional das sempre-vivas
fim de responder a todas essas ameaças, o governo federal criou, em 2002, o Parque Nacional das Sempre-Vivas que reúne terras dos municípios de Diamantina, Olhos D’Água, Buenópolis e Bocaiúva. Embora tenha sido eficaz na proteção da área contra ameaças promovidas pela agropecuária, garimpo e mineração, o parque, que é administrado pelo ICM-Bio, foi inicialmente criticado por haver tentado impedir a atividade de coleta de sempre-vivas realizada pelos nativos.
Desde 2012, porém, iniciaram-se entendimentos entre as comunidades e a direção do ICM-Bio e o trabalho dessas comunidades foi, aos poucos, sendo aceito e reconhecido não apenas como sustentável, mas também como veículo de preservação da biodiversidade pela maneira como realizam o manejo da terra.
Notas
- 1 Leia, aqui no blog, matérias sobre outros lugares ou tradições do Vale do Jequitinhonha: Diamantina / Vila do Biribiri / Chapada do Norte / Museu Tipografia / Curralinho
Sempre Viva – Diamantina / Juscelino Kubitscheck / Buenópolis -Serra do Espinhaço – Vale do Jequitinhonha – Minas Gerais – Brasil – América do Sul
Fotos
- (1,2,3,4) Sylvia Leite
- (5) Site Museu da Vida Fiocruz
Referências
- Site Agência Minas
- Site da FAO
Participação especial
- Marisa Mattua Portela da marca de jóias Marisa Portella
Esses nossos brasis são sensacionais e o artigo descreve bem nossas maravilhas! Parabéns!
Obrigada, Nilva. Volte sempre!
Boa noite Sylvinha.
Eu não sabia nada das “sempre vivas”.
Chegam a durar meses et até mesmo séculos… incrível.
Agora olharei esses bouquês diferentemente Muito obrigado.
Eu também não sabia muito sobre elas, mas sempre achei fascinantes. Quando visitei Diamantina, descobri que as sempre-vivas são mais especiais do que eu imaginava.
Sylvia, gostei muito de conhecer melhor , sobre as sempre viva. Como sempre bem escrito e esclarecedor. Parabéns
Gostei muito da reportagem, apesar de ter tido floricultura e trabalhar tanto com flores naturais e artificiais não sabia sobre as sempre vivas.
Que bom que gostou, Maria Helena. As sempre-vivas são encantadoras não são?
Volte sempre!
As sempre – vivas dão tanta beleza à região que deveriam ser um dos maiores atrativos locais, não simplesmente como fator decorativo em arranjos florais, mas principalmente pelos campos floridos onde elas se extendem. Na África do Sul existe algo semelhante na costa oeste, quando nos meses de Julho a setembro os campos semi-aridos se enchem de flores de múltiplas cores e turistas do mundo inteiro vêm apreciar a bela Paisagem. Preferia ver todas essas pessoas como guardiãs desse Patrimônio e guias de turismo contemplativo dessa beleza natural.
AUGUSTA LEITE CAMPOS
Sou desta região, passei por esta fase da vida, colhendo e armazenando pra seguir este caminho. Desconhecia na época, que poderia prejudicar a continuação da espécie. Hoje, faria tudo de novo,mas…preservando o solo e as adversidades. Está no YouTube , uma auto biografia . 9 minutos ‘ Sempre vivas legendado. Minha autoria.
Que legal, Ruth, vou assistir. Obrigada pelo seu comentário.
Seu blog é sempre uma viagem! Muito bom! são tantos os lugares que eu adoraria conhecer!
Bom saber que gosta do blog, Ana María. Espero que você consiga conhecer todos os lugares que deseja. Obrigada pelo comentário.
São muito especiais estas flores sempre-vivas!! Gracias pela matéria!! Me fez voltar na Serra do Cipó onde acampei na minha juventude…
Legal Ude, bom saber que a matéria sobre as sempre-vivas te trouxe boas recordações da Serra do Cipó.
Que incrível, essas Sempre Vivas.. e eu que achava que essas flores eram desidratadas… Muito legal, Sylvinha!
Além de tudo as Sempre Vivas são lindas, não é?
Adorei conhecer seu blog, tem muito artigos bem interessantes.
Obrigada pelo comentário, Gilene. Da próxima vez por favor não inclua links de spam porque terei que apagar como fiz agora.