Sempre-vivas: as flores do Jequitinhonha

Tempo de Leitura: 4 minutos

Atualizado em 01/05/2024 por Sylvia Leite

Variadas sempre-vivas em cesta - Foto de Sylvia Leite - BLOG LUGARES DE MEMORIAQuem já foi a Diamantina, certamente se deparou, pelo menos uma vez, com sempre-vivas, seja na decoração de casas e locais públicos; seja em bijuterias e outros produtos artesanais; ou simplesmente acomodadas em cestos e expostas à venda em calcadas e praças. O Vale do Jequitinhonha, onde está localizado o município mineiro, não é o único canteiro natural dessas curiosas flores – que podem guardar suas características por décadas e até séculos -, mas foi nessa região, mais precisamente na Serra do Espinhaço, que a coleta tradicional de sempre-vivas foi reconhecida como Patrimônio Agrícola Mundial.

O título é concedido pela Organização das Nações Unidas para a Alimentação e a Agricultura (FAO) e tem o propósito de preservar métodos tradicionais de manejo da terra que consigam, ao mesmo tempo, garantir a subsistência das comunidades e proteger a biodiversidade. No Arranjo de sempre-viva em calçada de Diamantina - Foto de Sylvia Leite - BLOG LUGARES DE MEMORIAcaso da Serra do Espinhaço, as sempre-vivas são colhidas por moradores – principalmente mulheres – de comunidades quilombolas ou de descendentes de indígenas espalhadas pelos municípios de Diamantina, Presidente Kubitscheck e Buenópolis.

Em época de colheita, os apanhadores – que vivem nas baixadas – sobem a serra em busca das flores e ficam lá por dias, semanas e até meses, enquanto durar a safra. Cada morador tem sua Lapa – espécie de gruta ou cavidade aberta na rocha usada como moradia durante a temporada. Muitos deles levam as crianças, que viajam dentro de balaios e, ao chegar no campo, ajudam as mães, ou aos pais, na coleta.

Um complexo sistema de sobrevivência

Mas as flores representam apenas uma das atividades dos moradores da Serra do Espinhaço, que dedicam-se Mão feminina segura feixe de sempre-vivas - Foto de Sylvia Leite - BLOG LUGARES DE MEMORIAtambém a uma agropecuária de subsistência. De um solo arenoso e aparentemente formado somente por pedras, eles conseguem extrair não apenas as sempre-vivas, mas uma variada gama de produtos alimentares, ervas medicinais e espécies usadas para obtenção de óleos e fibras. Dedicam-se, ainda, à criação de animais de grande e pequeno porte, como vacas e galinhas, que seguem para o campo junto com seus proprietários na época da colheita das sempre-vivas.

Esse modesto, mas bastante complexo, conjunto de atividades inclui o manejo e a preservação de várias espécies e além da conservação de saberes tradicionais que são repassados, há séculos, de geração a geração. E é por meio dessa relação com o ecossistema, marcada pelo profundo conhecimento da terra e de seus ciclos, que essas comunidades conseguem fazer da colheita de sempre-vivas uma atividade sustentável.

As diferentes sempre-vivas

Chama-se popularmente de sempre-vivas a um conjunto de espécies que possuem a capacidade de se manter íntegras por muito tempo, mesmo depois de colhidas e secas. Algumas preservam forma e cor, outras desbotam ligeiramente, apresentando tons pastéis e há aquelas que perdem totalmente a pigmentação e precisam ser tingidas.Sempre-vivas em Diamantina - Foto de Sylvia Leite - BLOG LUGARES DE MEMORIA

Existem, no mundo, cerca de 1200 espécies e 800 delas estão no Brasil. Na Serra do Espinhaço, onde encontra-se o sitema de cultvo que se tornou referência internacional, existem inúmeras espécies pertencentes às famílias das EriocaulaceaeCyperaceae, RapateaceaePoaceae e Xyridaceae. Uma das mais comuns é a sempre-viva-de-mil-flores também conhecida como chuveirinho, que floresce em pequenos chumaços unidos a um só caule.

Além da Serra do Espinhaço, há também outros pontos de ocorrência de sempre-vivas no Brasil, especialmente na Chapada Diamantina, na Serra do Cipó, no Jalapão e na Chapada dos Veadeiros. Em algumas dessas áreas, variadas espécies correm risco de extinção em consequência da destruição de seu hábitat natural provocado por queimadas descontroladas, agropecuária, garimpo e mineração. Mas outro fator que também ameaça a sobrevivência das sempre-vivas brasileiras é o próprio extrativismo indiscriminado da flor com o fim de atender à grande demanda internacional.

O Parque Nacional das sempre-vivas

Parque Nacional das Sempre-vivas - Foto do site Museu da Vida Fiocruz - BLOG LUGARES DE MEMORIA fim de responder a todas essas ameaças, o governo federal criou, em 2002, o Parque Nacional das Sempre-Vivas que reúne terras dos municípios de Diamantina, Olhos D’Água, Buenópolis e Bocaiúva. Embora tenha sido eficaz na proteção da área contra ameaças promovidas pela agropecuária, garimpo e mineração, o parque, que é administrado pelo ICM-Bio, foi inicialmente criticado por haver tentado impedir a atividade de coleta de sempre-vivas realizada pelos nativos.

Desde 2012, porém, iniciaram-se entendimentos entre as comunidades e a direção do ICM-Bio e o trabalho dessas comunidades foi, aos poucos, sendo aceito e reconhecido não apenas como sustentável, mas também como veículo de preservação da biodiversidade pela maneira como realizam o manejo da terra.

Notas

Sempre Viva – Diamantina / Juscelino Kubitscheck / Buenópolis -Serra do Espinhaço – Vale do Jequitinhonha – Minas Gerais – Brasil – América do Sul

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Nilva Sader
Nilva Sader
1 ano atrás

Esses nossos brasis são sensacionais e o artigo descreve bem nossas maravilhas! Parabéns!

Joaquim Sobral
Joaquim Sobral
1 ano atrás

Boa noite Sylvinha.
Eu não sabia nada das “sempre vivas”.
Chegam a durar meses et até mesmo séculos… incrível.
Agora olharei esses bouquês diferentemente Muito obrigado.

Maria Helena
Maria Helena
1 ano atrás

Sylvia, gostei muito de conhecer melhor , sobre as sempre viva. Como sempre bem escrito e esclarecedor. Parabéns

Newma Maria
Newma Maria
1 ano atrás

Gostei muito da reportagem, apesar de ter tido floricultura e trabalhar tanto com flores naturais e artificiais não sabia sobre as sempre vivas.

Augusta Leite Campos
Augusta Leite Campos
1 ano atrás

As sempre – vivas dão tanta beleza à região que deveriam ser um dos maiores atrativos locais, não simplesmente como fator decorativo em arranjos florais, mas principalmente pelos campos floridos onde elas se extendem. Na África do Sul existe algo semelhante na costa oeste, quando nos meses de Julho a setembro os campos semi-aridos se enchem de flores de múltiplas cores e turistas do mundo inteiro vêm apreciar a bela Paisagem. Preferia ver todas essas pessoas como guardiãs desse Patrimônio e guias de turismo contemplativo dessa beleza natural.

AUGUSTA LEITE CAMPOS

Ruth g Vieira
Ruth g Vieira
1 ano atrás

Sou desta região, passei por esta fase da vida, colhendo e armazenando pra seguir este caminho. Desconhecia na época, que poderia prejudicar a continuação da espécie. Hoje, faria tudo de novo,mas…preservando o solo e as adversidades. Está no YouTube , uma auto biografia . 9 minutos ‘ Sempre vivas legendado. Minha autoria.

Ana Maria Araujo
Ana Maria Araujo
1 ano atrás

Seu blog é sempre uma viagem! Muito bom! são tantos os lugares que eu adoraria conhecer!

Ude Guimaraes
Ude Guimaraes
1 ano atrás

São muito especiais estas flores sempre-vivas!! Gracias pela matéria!! Me fez voltar na Serra do Cipó onde acampei na minha juventude…

Sonia Pedrosa
8 meses atrás

Que incrível, essas Sempre Vivas.. e eu que achava que essas flores eram desidratadas… Muito legal, Sylvinha!

Gilene
Gilene
6 meses atrás

Adorei conhecer seu blog, tem muito artigos bem interessantes.