Atualizado em 02/05/2024 por Sylvia Leite
Contavam os mais antigos que toda menina nascida no Vale do Jequitinhonha ganhava um brinco de coco e ouro. Atualmente, essa tradição não é mais seguida e são poucas as mulheres da região que ainda têm conhecimento de sua existência. Mas se o hábito de presentear as recém-nascidas ficou perdido no tempo, o mesmo não correu com a tradição de possuir e usar joias de coco e ouro, que continuam sendo desejadas pelas mulheres nativas.
Dona Fia (Maria Amélia Rodrigues), juiza do grupo de tamborzeiros1 do município de Araçuaí, é um exemplo disso. Ela só conseguiu comprar seus primeiros brincos quando já estava casada e, tempos depois, precisou vendê-los. Mas assim que teve condições, comprou um novo par e não deixa de usá-lo nas mais importantes ocasiões.
Já sua filha Andréia Rodrigues, nunca teve brinco de coco e ouro e também nunca ouviu falar na tradição de presentear recém-nascidas, mas conta que já viu algumas mulheres ribeirinhas presentearem suas filhas ou netas com esse tipo de joia.
O fascínio exercido pelas joias de coco e ouro atinge também quem chega de fora. Caso da professora e escritora Maria de Lourdes Reis – mais conhecida como professora Lourdinha – que ao se aposentar em Belo Horizonte decidiu ir morar em Diamantina. Seus brincos de coco e ouro foram um presente recebido cerca de uma década antes de sua mudança para a cidade – quando esteve lá para fazer uma palestra – e desde aquela época não saem de suas orelhas a não ser quando está em cidades grandes e sente medo de ser roubada.
Um pouco de história
As primeiras joias de coco e ouro parecem ter surgido no século 19, quando Diamantina – hoje a principal cidade da região – ainda tinha o nome de Arraial do Tejuco e era subordinada à Vila do Príncipe, atual Serro. Não é difícil adivinhar os motivos de quem as idealizou: tanto o ouro como o coco – seja de Macaúba, de ou Bahia – são abundantes na região e têm propriedades favoráveis como facilidade de cortar e incrustar. Além disso, o coco é uma matéria prima barata, o que ajudava a reduzir o custo das joias, tornando-as acessíveis a um maior número de pessoas.
Não se sabe ao certo quem criou as joias de coco e ouro, mas registros jornalísticos nos ajudam a ter uma pista. Segundo o escritor mineiro Carlos Herculano Lopes, em artigo publicado no Jornal Estado de Minas, isso provavelmente ocorreu em 1870. O autor dessa mistura de materiais teria sido um parente seu, o ourives Ezequiel Lopes, considerado na época uma pessoa excêntrica por cultivar hábitos incomuns.
A ideia de produzir joias de coco e ouro também costuma ser atribuída a Antônio de Pádua Oliveira – um mineiro de Brumadinho que se tornou aprendiz de ourives aos 10 anos de idade. Durante o dia, trabalhava com ouro na oficina do mestre Prudêncio Andrade, e à noite produzia cuités – espécie de de tigelas – de coco para trocar com tropeiros por fubá, farinha ou outros alimentos.
A junção dos dois materiais teria ocorrido quando um comerciante de origem francesa viu um cuité esquecido por Antoninho na oficina onde trabalhava e pediu que fosse acrescentado a ele um aro de ouro. Depois dessa visita, Antoninho começou a produzir cuités e até taças de coco e ouro, chegando, finalmente aos enfeites como pentes, brincos e colares.
A preservação das joias de coco e ouro
Ao que tudo indica, sendo ou não o inventor das joias de coco e ouro, Antoninho foi seu maior divulgador em decorrência do sucesso que obteve com elas dentro e fora de Minas Gerais. Em 1908, por exemplo, conquistou o Grande Prêmio e a Medalha de Ouro da Exposição do Centenário da Abertura dos Portos realizada no Rio de Janeiro. Entre as peças premiadas estava uma taça com imagens talhadas da Primeira Missa, do Grito do Ipiranga e das Armas da República.
Para completar, Antoninho também ajudou a manter a tradição dessas joias até nossos dias. A oficina que fundou em 1888, quando tinha apenas 23 anos, sempre se dedicou à produção de joias de coco e ouro e é hoje a joalheria mais antiga do Brasil. A atual logomarca da loja é a imagem de um pente de coco e ouro feito por ele em 1889 e seu acervo guarda ainda algumas peças dos primeiros tempos como taças e cuités.
Provavelmente graças a essa resistência, Diamantina chegou ao século 21 com outras treze joalherias que além de trabalhar com as pedras – também características da região -, dedicam-se à técnica de coco e ouro. Além da clientela local e dos turistas que circulam pela cidade, essas empresas atendem pedidos do Brasil inteiro.
Mas se em Diamantina, a produção de joias de coco e ouro sobreviveu e se expandiu, em cidade menores do Jequitinhonha restam apenas alguns ourives trabalhando em pequenas oficinas. Domingos Figueiroa, mais conhecido como seu Mingo, é um deles. Instalado em uma sala na cidade de Francisco Badaró, ele exerce o ofício há cerca de 60 anos a atende principalmente à população local.
Seu Mingo aprendeu com um amigo do pai e já tentou fazer um sucessor – ensinando ao filho e a outro rapaz da região – mas os dois se mudaram para cidades maiores e, pelo menos até o momento, não apareceu mais ninguém que se interessasse pelo ofício.2
Notas
- 1 O Grupo dos Tamborzeiros faz parte do Cortejo da Festa de Nossa Senhora do Rosário dos Homens Pretos, um dos eventos mais tradicionais de Minas Gerais
- 2 Leia, aqui no blog, matérias sobre outras tradições ou lugares do Vale do Jequitinhonha: Diamantina / Vila do Biribiri / Chapada do Norte / Bonecas do Jequitinhonha / Curralinho
Joias de coco e ouro – Vale do Jequitinhonha – Minas Gerais – Brasil – América do Sul
Fotos
- Sylvia Leite
Referências
- Joalheria Pádua, a joalheria em três séculos - livro de Maria Cristina de Pádua Coelho Hugo e Paulo Celio de Almeida Hugo
Participação especial
- Marisa Mattua Portela da marca de joias Marisa Portella
Que interessante, Sylvinha, nunca tinha ouvido falar nessas joias de coco e ouro.
Eu também não conhecia as joias de coco e ouro. Fiquei tão encantada com a história que acabei comprando uns brinquinhos feitos por seu Mingo.
Que resgate histórico incrível! Fiquei desejando uma peça dessas.
Obrigada por estar sempre nos apresentando curiosidades muito importantes na construção de nossa cultura.
Muito interessantes essas joias de coco e ouro, né?
Se o desejo for grande e não puder esperar, da pra conseguir na internet, mas o gostoso é comprar lá, de preferência em uma pequena oficina.
Matéria linda, pouca gente conhece a história das joias de coco. São encantadoras e um trabalho precioso. Obrigada Sylvia por nós trazer este conhecimento !
Eu que agradeço, Marisa, pela leitura, pelo comentário generoso e por sua companhia nessa linda viagem ao Vale do Jequitinhonha e na descoberta dessas joias.
Este Vale é muito especial!! Valeu!!
É especial mesmo,Ude. E essas joias de coco e ouro são muito interessantes.
Nossa que diferente essas joias de coco e ouro, nunca tinha ouvido falar, nem sabia que existiam, mas o trabalho é muito bonito mesmo.
Pois é, Ana Paula, o Brasil está repleto de belezas e tradições que muita gente não conhece. As joias de coco e ouro estǎo entre elas.