Hipódromo de Constantinopla: história milenar em Istambul

Tempo de Leitura: 6 minutos

Atualizado em 01/05/2024 por Sylvia Leite

Hipódromo ou praça Praça Sultanahmet Meydanı em Istambul - Foto de hasangoc-1843880 em Pixabay- BLOG LUGARES DE MEMORIAQuem avista a praça conhecida pelos turcos como Hipódromo, em Istambul – ou passeia por seus jardins – antes de conhecer a história do lugar, talvez não entenda por que uma praça tão comum está em todas as listas de pontos turísticos da cidade, nem por que é conhecida por esse nome se não há sinal algum de que seja ou tenha sido um local destinado a corridas de cavalos.

A explicação é simples: sob os despretensiosos jardins dessa praça, aparentemente sem grandes atrativos, está soterrado o Hipódromo de Constantinopla – uma espécie de ginásio gigante que concentrava toda a vida social, cultural e esportiva da cidade, incluindo corridas de carros tracionados por dois ou quatro cavalos (bigas ou quadribigas). Mais que isso: sua memória continua materializada em monumentos verticais que resistiram ao soterramento e parecem romper o piso, projetando-se para cima: os obeliscos de Teodósio e de Constantino e a Coluna Serpentina.

O Hipódromo de Constantinopla foi criado no início do século 3, ano 203, pelo imperador Septímio Severo, quando a cidade ainda se chamava Bizâncio. Um século depois, em 324, depois de transferir para lá a sede do Império Romano, Constantino, o Grande, ampliou suas instalações, que passaram a comportar cerca de 100 mil espectadores.

A pista tinha forma de U e havia, em sua extremidade Leste, um palco destinado aoReconstituição do Hipódromo - Desenho Guia de Constantinopla - BLOG LUGARES DE MEMÓRIA Imperador e seus convidados ao qual só se tinha acesso a partir de um corredor privado que o ligava ao Grande Palácio, então localizado onde hoje se encontra o Museu dos Mosaicos do Grande Palácio. Nessa altura, a cidade havia sido rebatizada como Nova Roma, mas era conhecida por todos como Constantinopla.

Para se ter ideia da importância de Constantinopla em sua época, vale lembrar que a cidade viria a ser considerada, entre os séculos 5 e 13, a maior e mais rica da Europa. Tornou-se famosa por suas obras arquitetônicas, entre as quais destacavam-se as Desenho e foto da Coluna Serpentina - Desenho de sutor desconhecido e foto de Mikhail Malykh em wikimedia - BLOG LUGARES DE MEMORIAMuralhas, a Catedral de Santa Sofia, o Palácio Imperial, a Torre de Gálata e o Hipódromo. E além da bela Arquitetura, esses locais foram decorados com obras de arte trazidas de toda parte.

As ruínas do Hipódromo de Constantinopla

Entre as obras transportadas para o Hipódromo de Constantinopla estão a coluna serpentina e o obelisco de Teodósio citados no início da matéria. A primeira talvez seja, entre os três monumentos que restam do período romano, o que reúne maior significado histórico. Erguida em 479 Antes de Cristo, a Coluna Serpentina é uma das oferendas mais famosas da Antiguidade. Foi erguida em Delfos pelos gregos em agradecimento ao deus Apolo pela vitória sobre os persas na Batalha de Plataea.

A coluna  teria sido fundida com o cobre das espadas tomadas dos soldados persas durante os confrontos. Quando chegou ao Hipódromo de Constantinopla, era terminada por três cabeças de serpentes que sustentavam um globo de ouro. A bola teria sido roubada durante a Quarta Cruzada (1202-1204) e as cabeças de serpentes teriam sido arrancadas por um nobre polonês bêbado no fnal do Obelisco de Teodosio e sua base - Foto do obelisco 31774 em Pixabay - foto da base Radomil talk em Wikimedia - BLOG LUGARES DE MEMÓRIA

Século 17, cerca de 400 anos depois. Uma das cabeças desapareceu, outra encontra-se no British Museum, em Londres, e a terceira pode ser vista no Museu de Istambul.

Ainda mais antiga que a Coluna Serpentina é o Obelisco de Teodósio. Foi construído pelo faraó Tutamés III entre os séculos 5 e 4 antes de Cristo, diante do famoso Templo de Carnaque ou Templo de Karnak – o principal centro religioso de Tebas –  onde hoje está localizada a cidade egípcia de Luxor.

O obelisco foi primeiro transportado pelo rio Nilo, de Tebas à Alexandria, para comemorar os vinte anos de trono de Constantino, no ano 357. Junto com ele, foi levado o Obelisco Lateranense, este último, para ser instalado do Circus Maximus ou Corco Máximo de Roma. O obelisco de Teodósio tem o nome do sucessor de Constantino, que continuou seu esforço de embelezamento de Constantinopla e, cerca de três décadas depois, mandou transportá-lo até a cidade para ser instalado no Hipódromo.

Foto e detalhe do Obelisco de Constantino - Foto e detalhe de Gryffindor em Wikimedia- dominio público - BLOG LUGARES DE MEMÓRIAOrginalmente, o que conhecemos hoje como Obelisco de Teodósio tinha 30 metros de altura, mas sua parte inferior foi destruída restando menos de 19 metros. Acredita-se que o estrago tenha ocorrido durante o transporte do Egito para a Alexandria. Ao instalar o obelisco em Constantinopla, Teodósio mandou esculpir um pedestal onde ele próprio é representado premiando vencedores de corridas de bigas e seu poder é exaltado por  inscrições em Latim.

Sobre o terceiro monumento remanescente do Hipódromo de Constantinopla, conhecido como Obelisco de Constantino, Obelisco de Wallad, ou, ainda, Obelisco de Alvenaria, sabe-se muito menos. Acredita-se que pode ter sido construído por Teodósio para espelhar o monumento que leva seu nome, seguindo o modelo de outros hipódromos, como o Circus Maximus, de Roma, onde havia dois obeliscos.

Seu nome vem do restauro feito no século 10 pelo imperador Constatino VII. Na ocasião, o obelisco foi revestido com placas de bronze dourado que retratavam as vitórias de Basílio I, avô do imperador. Isso fez o monumento ser conhecido no mundo árabe medieval como  ‘torre de latão’, mas, assim como a bola da Coluna Serpentina, essas placas também foram arrancadas e provavelmente derretidas durante a Quarta Cruzada.Retrato pintado do Hipódromo e d Mesquita Azul - Por Jean Baptiste van Mour em Wikimedia - domínio público - BLOG LUGARES DE MEMÓRIA

A praça além do Hipódromo

Tanto a Coluna Serpentina como os dois obeliscos estão posicionados sobre uma linha reta que corresponde a uma espécie de canteiro central que dividia as duas pistas de corrida dos hipódromos, inclusive o de Constantinopla, e era denominada Spina.

Essa linha marca também uma espécie de caminho central da atual Praça Sultanahmet Meydanı (Praça Sultão Ahmet) – nome oficial do conjunto de jardins que encobrem o antigo hipódromo. Faz parte, ainda, do conjunto histórico da praça, a Fonte Alemã. É um monumento bem mais recente, construído em 1900 pelo governo da Alemanha para marcar a visita do imperador Guilherme III à cidade, ocorrida 12 anos antes.

Essa praça, assim como o antigo hipódromo, está localizada no centro histórico de Istambul, na parte europeia da cidade, e oferece uma das melhores vistas para a famosa Mesquita Azul. Poderia ter se tornado um sitio arqueológico, caso tivesse havido escavações sistemáticas, porque acredita-se que há cerca de dois metros do chão ainda se encontram inúmeras peças do antigo Hipódromo.

Parte desse patrimônio foi trazidoà luz em duas ocasiões: primeiro, nos anos 1980, quando algumas casas foram demolidas, deixando à mostra uma parte das subestruturas de seuÁrvore podada com pombos e sua casinha - Foto de Sylvia Leite - BLOG LUGARES DE MEMÓRIA sphendone (nome dado às extremidades curvas do hipódromo). A outra foi em 1993, quando houve uma nova demolição – desta vez para a instalação de serviços públicos. Nessa ocasião, ficaram visíveis algumas colunas e várias filas de cadeiras que foram retirados e distribuídos entre alguns museus de Istambul.

Sendo assim, é interessante complementar a visita ao Hipódromo de Constantinopla, ou praça Sultanahmet Meydanı, com um giro pelos principais museus da cidade a fim de conhecer uma das cabeças da serpente e as peças arqueológicas retiradas do subsolo na década de 1990.

No Museu Arqueológico de Istambul é possivel conhecer, também, as bases de duas das sete estátuas em homenagem a Porphyrius, um lendário cocheiro do século 6, que, como a coluna e os dois obeliscos, ornamentava o Spina do Hipódromo.  Mas antes de deixar a praça é recomendável parar para assistir um espetáculo a parte: os pombos que, diferente do que se vê em tantos outros lugares, não se reúnem no chão, mas no topo de árvores podadas onde estão instaladas as suas casas.1

Notas

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Para saber mais

##items####Descubra quais são as 18 principais atividades para fazer na Turquia apontadas pelo blog Fora da Zona de Conforto######################################

Hipódromo de Constantinopola / Praça Sultanahmet Meydanı – Istambul – Turquia – Europa

Texto

Fotos

##items####(1) hasangoc-1843880 em Pixabay ####(2) Guia de Istambul####(3) Desenho de autor desconhecido e foto de Mikhail Malykh em Wikimedia - CC BY 3.0 ####(4) Foto do obelisco: 31774 em Pixabay - foto da base Radomil talk em Wikimedia - CC BY-SA 3.0 ####(5) Foto e detalhe de Gryffindor em Wikimedia- dominio público ####(6) The Grand Vizier Crossing the Atmeydanı, de Jean Baptiste Vanmou ####(7) Sylvia Leite######################################################
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Aída Campos
Aída Campos
3 anos atrás

Sylvinha, um texto maravilhoso, gostoso de ler e uma pesquisa primorosa. Parabéns!

Cristiane
Cristiane
3 anos atrás

Muito interessante!! Temos tantos lugares desconhecidos, com suas histórias milenares, e é muito bom poder fazer essa viagem no tempo e no espaço.

Tennyvania de O. Andrade
Tennyvania de O. Andrade
3 anos atrás

Muito bom lê seu blog

Val Cantanhede
Val Cantanhede
3 anos atrás

Quanta beleza e diversidade cultural do Hipódromo!
Ótimo texto, Sylvinha!
Abraços

Joaquim Sobral
Joaquim Sobral
3 anos atrás

Excelente texto. Essa cidade me exerce uma atração incrível. Estou sempre aprendendo contigo. Muito obrigado Sylvinha.

William
William
3 anos atrás

É sempre um prazer ler seus textos bem construídos e repletos de informação de qualidade, obrigado.

Sonia Pedrosa
3 anos atrás

Istambul é uma cidade inesgotável, há sempre o que ver, o que descobrir. Maravilha de teto, Sylvinha, adorei saber sobre o hipódromo!