Atualizado em 01/05/2024 por Sylvia Leite
Entrar no Parque Savóia, no bairro de Campus Elísios, é como mergulhar na São Paulo da primeira metade do século 20, quando se vivia o ápice da imigração italiana. Já na entrada, quatro inscrições em Latim introduzem o visitante no espírito romano do lugar. Entre elas encontra-se um Salmo e uma frase do jurista Ulpianus. A influência italiana está presente, também, nos elementos decorativos de inspiração florentina – caso dos brasões com o Lírio de Florença nas fachadas das casas – que se misturam a colunas, gárgulas e ornamentos de influência grega, compondo um conjunto Eclético, que era o estilo predominante na época. O nome Savoia não é menos revelador. O proprietário da Vila, o engenheiro mecânico polonês Salvador Markiwicz, era casado com uma italiana de Turim – uma comuna da Itália que já foi parte da Casa de Savoia.
A vila foi construída em 1939, época em que São Paulo passava por uma expansão industrial e urbana, necessitando de novas moradias. Naquele momento, dezenas de vilas residenciais, ou talvez centenas, surgiram na cidade. Mas ao contrário da maioria, que pertencia às fábricas recém inauguradas e destinava-se a alojar seus operários, o Parque Savóia foi planejado para abrigar a família do proprietário e complementar sua renda com os alugueis dos imóveis excedentes.1
São 14 sobrados projetados pelo engenheiro Arnaldo Maia Lello, o mesmo autor do famoso Cine Theatro Paramount, hoje Teatro Renault. As casas são dispostas ao longo de duas ruas perpendiculares. A do fundo, marcada por um canteiro central com árvores frondosas, abriga também uma fonte com azulejos pintados e um caramanchão. Na fachada, há uma torre com dois alpendres e vista para a rua Vitorino Carmilo.
De residências a escritórios
O uso residencial do Parque Savóia foi mantido por mais de três décadas e a família viveu ali até a geração atual. O herdeiro e atual propietário da vila, Salvatore Iungano, conta que seus filhos mantêm até hoje a boa lembrança lugar e algumas amizades que fizeram com outros moradores. Mas, nos anos 1980, teve início um processo de degradação em decorrência da deterioração do bairro. Campos Elísios já havia sido um dos locais mais elegantes de São Paulo por abrigar a residência oficial do governador: o Palácio dos Campos Elísios. A mudança do palácio para a zona Sul e o surgimento da chamada Cracolândia – área ocupada pelo tráfico de drogas e pela prostituição – alterou a configuração do bairro. A calçada da Vitorino Carmilo foi ocupada por moradores de rua e houve roubo nas casas do Parque Savóia.
A solução encontrada por Salvatore para preservar o imóvel foi restaurar a vila e passar a alugar as casas para fins comerciais. Hoje o Parque Savóia abriga predominantemente escritórios. A ideia inicial era alugar as casas somente para escritórios de arquitetura, mas Salvatore acabou recebendo também produtoras artísticas e empresas de comunicação, como a Agência Pública. Sua entrada, antes completamente aberta, está fechada por um portão de ferro, de modo que a visita ao local só é possível com a autorização do proprietário ou de algum inquilino.
Parque Savóia: patrimônio histórico
A importância histórica do Parque Savóia foi reconhecida pelo Conselho de Defesa do Patrimônio Histórico, Arqueológico, Artístico e Turístico de São Paulo (Condephaat) em 2012. O tombamento foi aprovado, segundo o Condephaat, tanto por suas “qualidades arquitetônicas, qualifidade do material de construção e sua perfeita integração ao ambiente urbano”, como pela “permanência das características de sua concepção original”.
A manutenção da vila, mesmo depois do tombamento, é feita exclusivamente pelo atual proprietário, que reclama da falta de apoio oficial para a preservação do patrimônio histórico.
Uma vila cinematográfica
A beleza e a importância histórica da vila fizeram dela um cenário cinematográfico. Filmes, novelas, séries e comerciais de Tv foram rodados em suas dependências. O mais famoso talvez seja o Castelo Rá-Tim-Bum – série infanto-juvenil com 90 capítulos, exibida pela TV Cultura na década de 1990. Mas o Parque Savóia abrigou também outras importantes produções como o curta-metragem Amigo Secreto (2004), dirigido por Marcio Salem, novelas das TVs Bandeirantes e Record, além de comerciais de perfumes e chocolates.
Recentemente, foram suspensas as gravações no local e não se sabe se voltarão a ser autorizadas. Segundo Salvatore Lungano, a decisão foi tomada para não incomodar os inquilinos nem atrapalhar seus negócios.
O espírito do Parque Savóia
Não deve ter sido à toa que a charmosa vila italiana atraiu produtores televisivos e cinematográficos. Além de sua evidente beleza, o lugar exerce um fascínio pelas mensagens que veicula. Nas quatro inscrições citadas no início do texto, estão impressos valores filosóficos, além de princípios de convivência. A frase de autoria de Ulpianus, por exemplo, apresenta os preceitos do direito segundo aquele jurista romano: “viver honestamente, não prejudicar o outro, dar a cada um o que é seu”. E, na saída, inquilinos e visitantes deparam-se com uma quinta inscrição capaz de resumir, em duas palavras, o espírito que o proprietário quis dar à sua vila. Angulus Ridet é um fragmento de verso do poeta Horácio, dirigido à cidade de Trento, mas, segundo o dicionário Priberan, “pode ser aplicado a qualquer lugar de que se gosta”. A tradução literal, ainda segundo o dicionário, é “Sorri-me este Cantinho”, mas há quem prefira uma versão mais livre e coloquial: Cantinho Feliz.1
Notas
- 1 Há outras em São Paulo com a mesma característica do Parque Savóia. Caso da Vila Itororó
Parque Savóia – Campos Elísios – São Paulo – São Paulo – Brasil – América do Sul
Fotos
- Sylvia Leite
Referências
Sylvia, que demais!!! Nasci em SP e aqui vivo há 64 anos mas
nunca tinha ouvido falar no Parque Savoia.
Adorei !!! Vontade de ir lá conhecer. Beijo.
Vá lá. Veja se você consegue contato com alguém que trabalhe lá porque não é aberto ao público. Se não conseguir, só a fachada já vale a pena.
Lugares como esse, que fazem parte da história e desenvolvimento da cidade de São Paulo, deveriam ter incentivo cultural, com acesso ao público. Fiquei curiosa, por conhecer. Mesmo que seja sem acessar ao interior da vila. Parabéns pela narrativa, sobretudo, como descreve os detalhes e seu significado, Silvia!
Obrigada, Glícia. Pela leitura e pelo comentário. Toda semana tem matéria nova por aqui. Acompanhe!
Não conhecia.
Como sempre é um prazer grande descobrir por você esse lugares improváveis.
Muito obrigado Sylvinha. ❤
Eu que agradeço. Pela leitura assídua e pelo comentário, Valeu!!!
Sylvinha, parabéns!
Nunca tinha ouvido falar desse lugar. Provavelmente quando for à SP irei conhecer. Matéria muito interessante. Beijo.
Vá mesmo, mas tente um contato antes porque a vila não é aerta ao público.
Muito legal, Sylvinha! Eu que costumava explorar São Paulo nos finais de semana, tentando descobrir os segredos da cidade, não conhecia o parque Savoia. Seu texto me deixou curiosa. Quero muito conhecer.
Vale a pena. Passei uma tarde lá e foi delicioso. Pena que não é aberto ao público. Quem quiser conhecer por dentro vai er que entrar em contato com alguém que tem escritório lá.
Uau, que especial!! Eu já sabia que a comunidade de descendentes de italianos em Sao Paulo era grande, mas confesso que não conhecia a Vila Savóia. Adorei essa dica e já anotei ora conhecer.
É um cantinho feliz hehehe