Atualizado em 02/05/2024 por Sylvia Leite
Hoje em dia, o célebre Réveillon de Copacabana é uma festa de projeção internacional, oficialmente organizada pela Riotur – empresa da Prefeitura do Rio de Janeiro – e considerada um dos eventos mais importantes do calendário turístico da Cidade Maravilhosa, comparável apenas ao famosíssimo Carnaval. Mas nem sempre foi assim. A tradição de comemorar a virada do ano na areia de Copacabana tem uma longa história que começou com grupos religiosos de matriz africana, com o propósito de dissolver o preconceito contra os cultos afros.
Embora os rituais de virada de ano sejam comuns entre os adeptos das chamadas religiões afro, não havia, até a década de 1950, uma concentração dessas práticas em Copacabana. Segundo recordou, em entrevista ao G1, o historiador e babalaô Ivanir dos Santos, tudo começou quando o sacerdote da religião Omoloko, Tancredo da Silva Pinto – conhecido nos círculos religiosos como Tata Ti Inkice – começou a convocar todos os grupos a comparecerem à praia na virada ano para a realização de uma grande Gira – palavra usada para nomear tanto uma sessão de Umbanda.
O propósito de Tancredo era atrair a população para assistir os rituais e interagir com os devotos. Dessa forma, moradores e turistas poderiam conhecer um pouco dessas tradições e livrar-se do preconceito que vinha crescendo no país e no Rio de Janeiro. A ideia da Gira foi o ponto de partida para o Réveillon de Copacabana, mas não pode ser considerada a primeira nem a única iniciativa do sacerdote na defesa desses grupos. Antes disso, ele havia criado a Federação Umbandista de Cultos Afro-Brasileiros e ao longo do tempo foi organizando festas semelhantes em outros Estados como as de Ialoxá e Cruzandê em Minas Gerais, Xangô , em Pernambuco, entre outras.
Na medida em que ia se repetindo, o ritual que deu origem ao Réveillon de Copacabana, que atraia cada vez mais pessoas. Era comum as famílias passarem a virada em casa e depois irem à praia para participar da festa afro. Vinha gente também de outras cidades para assistir a Gira, fazer oferendas a Yemanjá e se consultar com caboclos e pretos-velhos. E como os praticantes das religiões afro usavam roupas e flores brancas, o público seguiu a tradição e o costume se alastrou pelo país.
Certamente não se pode atribuir o uso de roupas brancas exclusivamente à influência dos rituais afros, até porque há outros países em que o branco é considerado a cor ideal para a virada de ano por simbolizar paz e renovação. Sabe-se, no entanto, que a tradição se consolidou por aqui entre as décadas de 1970 e 1980, justamente quando os rituais afros do Réveillon de Copacabana tornaram-se mais conhecidos.
Queima de fogos no Réveillon de Copacabana
As primeiras queimas de fogos foram iniciativas individuais de moradores ou de comerciantes e eram feitas sem qualquer planejamento ou norma de segurança. Ao que tudo indica, a primeira queima coletiva foi organizada pelo proprietário da churrascaria By Marius, que, em 1978, convenceu outros comerciantes a custear o foguetório. No ano seguinte, o antigo Hotel Le Meridien – atual Iberostar Copacabana – iniciou a famosa cascata que descia pelos seus 39 andares e era responsável pela apoteose final da queima.
Em 1981, foi a vez do tradicional Copacabana Pálace. O empresário Ricardo Amaral havia arrendado os salões do hotel e, portanto, caberia a ele organizar o reveillon. Foi aí que veio a ideia de fazer uma grande queima em frente ao empreendimento. Segundo o próprio empresário, o projeto era tão grandioso que comeria metade do seu lucro. Foi preciso convencer Mariazinha Guinle, dona do hotel, a assumir metade do custo a fim de viabilizar a queima. Depois disso, vieram outros hotéis e o sucesso foi tão grande que o Réveillon de Copacabana acabou se transformando em festa oficial da cidade.
Atualmente, a queima de fogos é milimetricamente planejada ao longo de 90 dias e envolve uma equipe de 1 mil e 500 pessoas. O espetáculo dura 16 minutos e demanda 24 toneladas de fogos lançados a partir de 11 balsas. Os fogos atraem milhares de pessoas e transformaram o Réveillon de Copacabana no maior evento de virada do ano do mundo.
O maior show do mundo
E se o assunto é grandiosidade, não podemos falar apenas de fogos. Desde que a Prefeitura do Rio resolveu promover shows a fim de evitar que, após a queima, milhares de pessoas saíssem do local ao mesmo tempo, a multidão só fez aumentar. O ápice desse crescimento ocorreu na virada de 1994 para 1995 quando 3,5 milhões de pessoas participaram da contagem regressiva em Copacabana, atraídas pelo show de Rod Stewart.
O evento entrou para o Guiness Book – Livro dos Recordes – como o maior show do mundo e até hoje não perdeu essa condição. Entre as celebridades que já se apresentaram no palco do Réveillon de Copacabana estão Tim Maia, Jorge Benjor, Gilberto Gil, Caetano Veloso, Gal Costa, Chico Buarque, Zeca Baleiro, Lenine. E embora esses outros shows não tenham alcançado o mesmo sucesso de público da apresentação de Rod Stewart, os números também não são pequenos. Na virada de 2002 para 2003, por exemplo, as apresentações de Iza, Zeca Pagodinho, Alexandre Pires e a bateria da Acadêmicos do Grande Rio reuniu cerca de 2 milhões de pessoas.
Por trás de tudo, a fama de Copacabana
Os fogos e os mega shows já davam munição suficiente para a explosão do Réveillon de Copacabana e seu reconhecimento como uma das maiores, senão a maior festa de virada do ano em todo o mundo. Mas respaldando tudo isso, estava a já consolidada fama do bairro e de sua icônica calçada com traçados em forma de ondas, inspirada nos desenhos da Praça do Rocio, de Lisboa, e reinventados pelo paisagista Roberto Burle Marx.
É também nesse bairro que se encontra o secular Copacabana Palace – tradicional hotel brasileiro, conhecido mundialmente por ter sido tema do musical Flying Down to Rio, em que Fred Astaire e Ginger Rogers dançaram juntos pela primeira vez.
Além disso, Copacabana já havia alcançado visibilidade interacional como um dos principais cenários da Bossa Nova. Esse movimento musical, que mesclava o samba carioca com o Jazz estadunidense e acabou se consolidando como gênero, teve origem nos encontros informais de artistas em suas próprias residências e em casas noturnas da Zona Sul, especialmente em Copacabana e Ipanema.
A todas esses elementos certamente se somou a imagem de alegria que sempre foi atribuída ao bairro carinhosamente chamado de Princesinha do Mar.
Tristeza no Réveillon de Copacabana
Mas nem tudo foi alegria na história do Réveillon de Copacabana. Em 1988, o naufrágio do Bateau Mouche na Baía de Guanabara, tirou o brilho da festa e ficou, por muitos anos na memória dos cariocas. A embarcação afundou na Baía de Guanabara, quando se dirigia a Copacabana, onde os passageiros assistiriam à queima de fogos. Havia 142 pessoas à bordo e 55 deles morreram.
Outro acidente, ocorrido em 2001, na hora do lançamento dos fogos, provocou queimaduras em 49 pessoas e uma delas morreu em consequência dos ferimentos. Depois disso, a queima foi retirada da areia e os fogos passaram a ser lançados a partir de balsas estacionadas na baía.
Os criadores da festa perderam espaço
Não se pode negar a beleza dos fogos, nem ignorar a grandiosidade dos megashows que, desde 1993, animam o Réveillon de Copacabana. Foram os fogos que tornaram a festa mundialmente conhecida e foi um show – o de Rod Stewart – que inseriu o evento no livro dos recordes. Mas embora poucos atentem para isso, a mudança de rumo da festa trouxe mais um fator de tristeza para a virada carioca: o afastamento de seus criadores, que hoje preferem realizar os rituais afros em outros locais ou em outros dias.
Um exemplo desse afastamento é o cortejo, surgido em 2002, que parte do Mercadão de Madureira e vai até a praia de Copacabana, no posto 4, onde é feito o ritual de oferendas a Yemanjá. O evento reúne grande parte dos grupos que antes se reuniam na virada, mas acontece no período da tarde e no dia 29 de dezembro. Batizado como Festa de Yemanjá do Mercadão de Madureira, o cortejo, apesar de ter sido criado há pouco mais de duas décadas, já foi declarado Patrimônio Cultural Carioca.1
Notas
- 1 Leia, aqui no blog, matérias sobre outras festas brasileiras: Carnaval da Bahia / Carnaval de Olinda
- 2 Leia, também, sobre lugares interessantes do Rio de Janeiro: Floresta da Tijuca / Urca / Museu de Imagens do Inconsciente /Castelo Mourisco / Cristo Redentor/ Museu do manhã / Casa da Gávea
Réveillon de Copacabana – Copacabana – Rio de Janeiro – Rio de Janeiro – Brasil – América do Sul
Fotos
- (1) Porto Bay Hotels & Resorts em Wikimedia - Flickr: Copacabana Beach / CC BY 2.0
- (2) Site Templo Pantera Negra
- (3) Secom/RJ
- (4) Gorri em Wikimedia / CC BY-SA 3.0
- (5) Donatas Dabravolskas em Wikimedia/ CC BY-SA 4.0
Referências
- G1
- Agência Brasil
- Site Templo Pantera Negra
Excelente.
Parabéns!
Obrigada, Carlos, pela leitura e pelo comrntário.
Excelente a riqueza de conhecimento essa matéria. Super gostei
Que bom que gostou,Maria de Fátima. Obrigada pelo comentário.
Assim como os criadores de religião com matriz africana , eu passei a considerar o espetáculo, em função da queima de fogos e os barulhos associados, uma violência contra 5 grupos de criaturas que sofrem especialmente e podem ter traumas até letais. São os autistas, crianças pequenas, idosos, acamados e principalmente animais domésticos como cães e gatos. Tudo poderia acontecer se houvesse a retirada dos fogos com estampido. O sofrimento de tantos não compensa o prazer dos demais.
Augusta
Taí uma questão importante que precisaria ser levada em conta. Por que não produzir fogos sem barulho?
Parabéns Sílvia por valorizar as origens e os desenvolvimentos históricos, é importante registrá-los em nossas memórias.
Obrigada, Sonale.
Realmente, Sylvinha, lembro de que quando eu era pequena, nos anos 60, a gnente ia para Copacabana no Réveillon e o que se via eram as festas dos terreiros de candomblé. Era lindo. As músicas, as oferendas… isso já tinha sumido da minha memória….
Pois é. Os fogos são bonitos e impressionam, tanto que fizeram a fama internacional da festa, mas o verdadeiro Reveillon de Copacabana era feito pelos terreiros.