Atualizado em 30/04/2024 por Sylvia Leite
Você sabia que o famoso Cristo Redentor, do Rio de Janeiro, tem um coração? Na verdade, tem dois: um externo, quase imperceptível, e outro interno. A informação, claro, surpreende a todos. Acostumados a admirar sua forma externa minimalista, jamais imaginaríamos encontrar semelhantes detalhes, especialmente em seu interior composto apenas de escadas, por onde é feita a manutenção, e pelas vigas que sustentam o monumento. A surpresa é ainda maior quando sabemos que o coração interno é oco e lá dentro está guardado um pergaminho com as árvores genealógicas das famílias dos engenheiros que trabalharam no projeto, como demonstração de fé e gratidão 1. Mais que isso: por meio desses dois corações, todo o Brasil foi entregue à proteção do Sagrado Coração de Jesus, durante a cerimônia de inauguração do monumento.
Como, ao longo dos anos, o Cristo Redentor tornou-se o principal ícone do Rio de Janeiro, e sua imagem passou a ser associada – seja pelo turismo, seja pelas diversas modalidades da arte – às belezas da ‘cidade maravilhosa’, e até mesmo do Brasil, nem sempre lembramos o seu sentido religioso. Mas o Cristo Redentor é um santuário que recebe visitantes do mundo inteiro e aos seus pés existe uma capela devotada a Nossa Senhora Aparecida – a padroeira do Brasil.
O Cristo Redentor e sua inspiração religiosa
Quem idealizou o monumento foi o padre lazarista francês Pierre-Marie Boss, que chegou a levar a sugestão à princesa Isabel, mas apesar de todo empenho, morreu sem saber se um dia seu sonho seria realizado. Ele também registrou seu desejo em um poema, inserido no prólogo da edição brasileira do livro “Imitação de Cristo”*, em 1903:
Ó Corcovado: lá se ergue o gigante de pedra, alcantilado, altaneiro e triste, como interrogando o horizonte imenso: – ‘Quando virá? Há quantos séculos espero. Sim, aqui está o pedestal único no mundo. Quando virá a estátua, como eu colossal – imagem de quem me fez?
A ideia só seria retomada em 1921, por iniciativa de um religioso que esteve à frente de tudo: dom Sebastião Leme, então arcebispo do Rio de Janeiro. Mas foram os moradores da cidade que se mobilizaram para que o projeto se concretizasse.
Uma obra viabilizada pelos brasileiros
Mais de 20 mil mulheres firmaram um abaixo-assinado pedindo ao presidente Epitácio Pessoa que autorizasse a construção do monumento. O dinheiro para a obra veio de doações, mas o esforço dos profissionais engajados no projeto não foi menor que o dos voluntários. O engenheiro mestre de obras, Heitor Levy, por exemplo, morou no corcovado durante os cinco anos que o monumento levou para ser erguido.
Todos os detalhes foram cuidadosamente planejados. A escolha pelo concreto armado barateou a construção e garantiu sua perenidade. Temia-se que, se fosse feito com estrutura metálica, pudesse ser desmontado em caso de guerra. O revestimento foi feito com pastilhas triangulares de pedra sabão, seguindo a linha geométrica da estátua concebida em estilo Art Decó.
Como está no alto de um morro, o monumento ganhou uma estrutura capaz de resistir a ventos muito fortes, inclusive a furacões da intensidade do Katrina, que causou muita destruição nos Estados Unidos, em 2005. Sua coroa de espinhos funciona como um para-raios.
A equipe, de cerca de mil pessoas, era liderada principalmente por brasileiros, comandados por Heitor da Silva Costa – autor do projeto e construtor. Além dele e de Heitor Levy, como engenheiro mestre de obras, tinha o pintor e gravurista Carlos Oswald, responsável pelos desenhos e Pedro Fernandes Vianna da Silva que atuou como fiscal.
Como era quase obrigatório na época, os franceses também fizeram sua parte. Albert Caquot encarregou-se dos cálculos estruturais e Paul Landowski esculpiu os moldes das mãos e da cabeça, que foram trazidas ara o Brasil em pedaços. Landovski fez também uma maquete de quatro metros de altura a partir da qual se construiu o monumento final.
Os herdeiros deste último lutam na justiça pelos direitos da imagem do monumento, mas provavelmente não terão sucesso porque, segundo documentos levantados pelo GLOBO, o Cristo Redentor foi construído com base na concepção de Heitor Silva Costa que, por sua vez, cedeu seus direitos à Comissão do Monumento e à Ordem Arquidiocesana do Cristo Redentor e à Mitra Episcopal do Rio. Na cessão incluem-se também os direitos relativos à colaboração de Landovski.
Tem italiano também nessa lista. Não exatamente na construção, mas na cerimônia de inauguração. Conta-se que as luzes estátua teriam sido acesas, nesse dia, a partir de um impulso elétrico emitido em Roma, na Itália, captado por uma estação em Dorchester, na Inglaterra, e finalmente retransmitido para o Brasil. O sinal teria sido enviado pelo cientista Guglielmo Marconi – inventor do primeiro telégrafo sem fio – e recebido, no Rio de Janeiro por uma torre localizada em Jacarepaguá e só então enviada ao mecanismo que acionou as lâmpadas. Verdade ou não, esse episódio foi relembrado na festa de 90 anos da estátua, em outubro de 20021.
Da religião à ecologia
O Cristo Redentor é o primeiro santuário a céu aberto do mundo. É, também, a terceira maior escultura de Cristo no Ocidente e a quarta no mundo, com 30 metros de altura mais oito do pedestal. Perde somente para a de Cristo Rei de Świebodzi na Polônia, com 36 metros incuindo a coroa, e a de Cristo de la Concordia na Bolívia,com 34,20 metros e para a de Cristo de Vung Tàu, no Vietnã. É, ainda, lugar de culto e peregrinação e costuma impactar os visitantes, atraindo-os para a fé católica. O exemplo maior talvez seja o do próprio engenheiro mestre da obra, Heitor Levy, que era judeu e, na época em que estava trabalhando na construção do monumento, converteu-se ao catolicismo.
Mas o Cristo é também um lugar de ecologia. Para começar, está dentro da Floresta da Tijuca – uma unidade de conservação ambiental com quase 40 km² de extensão dentro da cidade do Rio de Janeiro. Tanto em sua construção como nas reformas, houve a preocupação em preservar o entorno e adaptar o monumento às condições locais. E, como está escrito no próprio site do monumento, suas linhas simples e proporções equilibradas, o fazem parecer ‘uma extensão do morro’.
O Cristo Redentor no cinema e na música
Vários diretores já filmaram o Cristo Redentor. Um dos títulos de maior destaque foi “Roberto Carlos em Ritmo de Aventura”, de 1968, em que o cantor aparece no braço da estátua. Entre os internacionais estão Velozes e Furiosos 5, de 2010, o penúltimo filme da saga Crepúsculo, Amanhecer – Parte 1, de 2011, e o filme de catástrofe “2012”, de 2009, em que a estátua é destruída. Este último provocou uma forte reação da Cúria do Rio de Janeiro, que é guardiã do monumento.
Na música, o Cristo também foi lembrado muitas vezes, mas as canções que permaneceram associadas à estátua foram “Corcovado” e “Samba do avião”, ambas no ritmo da Bossa Nova e compostas pelo maestro Tom Jobim. A primeira é uma canção de amor e o monumento faz parte do cenário romântico:
Um cantinho, um violão
Esse amor, uma canção
Pra fazer feliz
A quem se amaMuita calma pra pensar
E ter tempo pra sonhar
Da janela vê-se o Corcovado
O Redentor, que lindo…
A segunda também é uma declaração de amor, dessa vez ao Rio de Janeiro.
Minha alma canta
Vejo o Rio de Janeiro
Estou morrendo de saudade
Rio seu mar, praias sem fim
Rio você foi feito pra mimCristo Redentor
Braços abertos sobre a GuanabaraEste samba é só porque
Rio eu gosto de você..
Mais que na música e no cinema, o Cristo Redentor é usado pela publicidade na realização de homenagens ou em apoio a campanhas preventivas na área da saúde. Para cada uma, delas, o monumento é iluminado com uma ou mais cores: rosa para a prevenção do câncer de mama, vermelha para a prevenção da Aids, azul para a prevenção do diabetes, verde e vermelha contra a hepatite c.
Em 2018, uma inovação: pela primeira vez, o Cristo foi vestido. Isso ocorreu em uma campanha para alertar a população sobre a Urticária Crônica Espontânea (UCE). A moda pegou e a partir daí o uso de roupas passou a fazer parte de outros projetos. Em 2020, por exemplo, o Cristo vestiu um jaleco em homenagem aos profissionais de saúde que estavam salvando vidas na pandemia da covid-19. No mesmo ano, a estátua recebeu projeções em apoio à campanha “Mesa sem fome” que arrecadou alimentos e material de higiene em vários pontos do Estado do Rio.
Uma das sete novas maravilhas do mundo
Depois de tudo isso, não se podia esperar menos que a eleição do Cristo Redentor como uma das Sete Maravilhas do Mundo Moderno ao lado de Petra, Coliseu, Taj Mahal, Chichén Itzá, Machu Picchu e da Grande Muralha da China.
O concurso foi realizado pela fundação suíça New Open World, ao longo dos anos de 2005 e 2006. A disputa envolveu 200 monumentos que precisaram ultrapassar três etapas: a primeira e a última por voto popular à distância e a segunda por uma equipe de arquitetos que levaram em conta os critérios de beleza, complexidade, valor histórico, relevância cultural e significado arquitetônico.
A eleição não contou com o apoio da Unesco pelo fato de não contribuir para a preservação dos lugares eleitos e por ter limitado os votos àqueles que tinham acesso a telefone e internet . Por outro lado, representa a opinião de mais de 100 milhões de pessoas do mundo inteiro.
Notas
- 1 Na verdade há várias versões sobre esse pergaminho. a primeira e mais divulgada, afirma que a homenagem foi feita apenas ao engenheiro e ao mestre de obras, mas de acordo com outros registros, os homenageados teriam sido todos os trabalhadores que participaram, de alguma maneira, da construção da estátua. Já Eloy Homero de Pinho D’Ecanio, neto do engenheiro Heitor Levy, nos informou em comentário postado aqui no blog que apenas a árvore genealógica de sua família encontra-se no pergaminho.
- 2 Leia, aqui no blog, outras matérias sobre lugares especiais do Rio de Janeiro: Floresta da Tijuca / Urca / Museu de Imagens do Inconsciente / Castelo Mourisco / Museu do Amanhã / Casa da Gávea
Para saber mais
- Veja o que fazer no Rio de Janeiro caso você tenha apenas poucas horas na cidade, em postagem do blog Mulher Casada Viaja
- Caso tenha mais tempo, consulte a lista de Dez coisas para fazer no Rio de Janeiro, do blog Turismo de Primeira
Cristo Redentor – Floresta da Tijuca – Rio de Janeiro – Rio de Janeiro – Brasil – América do Sul
Fotos
- (1) Alex Petrenko em Wikimedia, CC BY-SA 3.0
- (2, 4 e 5) Divulgação - autores não identificados
- (3) danilarrifotografia0 em Pixabay
- (6) Gustavo Facci da Argentina - Flickr em Wikimedia - CC BY-SA 2.0
- (7) Chensiyuan em Wikimedia CC BY-SA 4.0
Referências
Livros
- Redentor, do jornalista Rodrigo Alvarez
- Cristo Redentor, da Luiz Camilo
- Art Déco de Alfredo O. G. Gallas e Fernanda Disperati Gallas
Um dos monumentos mais lindos do mundo, com localização perfeita. simboliza o Rio e o Brasil de um modo geral, visita obrigatória para quem vai ao Rio pela primeira vez. Se eu não me engano, na inauguração, a iluminação foi acionada de Roma. Muito bom resgatar a história da construção. Parabéns, Sylvinha!
Sim, Soninha, existe esse relato, mas não há comprovação. Foi bom você falar. Vou incluir isso na matéria. Vantagem da internet rsrs. Na televisão e nos impressos não dá pra fazer isso.
Muito legal Silvinha. Tive a felicidade poucos anos atrás, de está no Cristo em um dos seus aniversários. Com direito ao bolo, e se não me falha a memória, com uma orquestra canadense, que brindou a todos com belíssimas canções.
Bela experiência, Sidney. Eu nunca tive essa oportunidade de visitar o Cristo em um dia de festa. Deve ter sido muito bom.
Caracas Sylvia, já fui ao monumento do cristo redentor inúmeras vezes e nunca reparei no coração ! Que legal, adorei saber mais sobre a história, amo o Rio de Janeiro
Não dá pra ver mesmo. O de fora é muito pequeno e com a distância some. O de dentro não é acessível ao público. Mas é legal saber, né?
Eu acho que o Cristo Redentor é o único monumento que tem coração. Acho incrível o cuidado que tiveram com cada detalhe na construção desse monumento. É impossível ir ao Rio e não visitar esse monumento. Adorei o post
Deve ser mesmo, Luciane, o único monumento que tem coração. E pouca gente sabe disso.
Sua pesquisa não condiz com a verdade no coração do Cristo Redentor do Corcovado só existe uma família a de Heitor Levy por sua conversâo ao Cristianismo depois do acidennte descrito por ele num pergaminho como prova de sua fé. Ninguém se encontra dentro do coração Pedro Viana jamais foi colocado junto ao pergaminho da arvore genealogica que se encontra no coração do Cristo Redentor Sou bisneto de Heitor Levy Eloy D’Ecanio
Obrigada pela informação, Eloy. Como existem várias versões, é minha obrigação divulgá-las e, até que alguma delas se comprove, privilegiar a mais divulgada, mas já incluí sua informação em nota onde informo sobre sobre a existência de várias versões. Caso consiga me enviar uma comprovação, farei a devida alteração no texto principal. Mais uma vez obrigada.
O Cristo Redentor é um monumento maravilhoso, representativo da fé e da cultura brasileira, que tem coração. Estive por lá 2 vezes com meu pai, agora preciso levar minha filha.
Leve sim. Eu lembro que estive lá pela primeira vez aos 11 anos de idade e fiquei bem impressionada. Certamente ela irá gostar.
Muito interessante suas informações sobre o Cristo Redentor, quem vai ao Rio precisa fazer essa parada, quase obrigatória.
Verdade, Ana. Quem vai ao Rio precisa conhecer o Cristo Redentor.
Confesso que visitei o Cristo duas vezes e nunca percebi o coração. Muito interessante conhecer a história completa aqui no seu post. Obrigada pelas informações. Visitar o Cristo é uma experiência emocionante!
Muita gente não percebe, Cintia, mas acho que o coração torna o Cristo Redentor ainda mais especial.
Gostei do seu poste, existe muitos artigos em seu blog relacionado a este que acebei de ler gostei de seu blog.
Que bom que gostou, Larissa. Volte sempre! Mas da próxima vez por favor não inclua links de spam, combinado?
O Cristo é um símbolo muito icônico do Brasil, não é mesmo? Não sabia dos detalhes nem da história de sua construção, achei tocante o detalhe do coração interno e a homenagem aos engenheiros.
É muito legal mesmo essa história do Cristo Redentor ter um
Coração.