Atualizado em 30/04/2024 por Sylvia Leite
Armar presépios em casa no período do Natal, encontrá-los em espaços públicos ou em cartões de boas festas, é algo tão natural para os católicos do mundo inteiro que muitos deles talvez imaginem que essa tradição sempre existiu e que faz parte da própria religião. Mas o presépio como conhecemos hoje tem sua origem atribuída a São Francisco de Assis e, portando, teria surgido Itália, mais de 12 séculos após o início da Era Cristã.
A intenção do santo, que na época era apenas um líder religioso, teria sido didática. Seu desejo seria possibilitar aos devotos, especialmente os camponeses, a compreensão do significado do Natal. A inspiração para o gesto ocorrido durante sua viagem a Belém, na Palestina, onde visitou a Gruta da Natividade – local onde teria ocorrido o nascimento de Jesus Cristo.
A maioria das fontes religiosas afirma que o presépio de São Francisco tinha apenas um boi e um jumento vivos e, ao centro, a manjedoura – onde os devotos podiam imaginar, ou perceber em experiência mística, a presença do Menino Jesus. Mas há quem afirme que esse presépio tinha imagens, tanto do menino como de seus pais – Maria e José – modelados em argila.
Seja qual for a verdade histórica, um detalhe parece consensual: frei Francisco queria que as pessoas percebessem a pobreza e a humildade do lugar de nascimento de Jesus e, por isso, criou o ambiente mais
simples possível. Além disso, a apresentação do presépio foi feita durante uma missa rezada sobre a manjedoura. Isso teria ocorrido em 1.223, apenas três anos antes de sua morte. A partir daquele momento, igrejas, catedrais e mosteiros passaram a montar presépios no Natal e logo foram seguidos por reis e nobres. No século 18, o hábito popularizou-se em toda a Europa e ganhou o mundo, consolidando-se como uma tradição do período Natalino.
Presépio vivo
O lugar escolhido para a montagem do primeiro presépio foi a comuna de Greccio, localizada na província de Rieti, na região do Lácio. São Francisco nasceu e viveu em Assis, na província de Perugia que, por sua vez, pertence à Umbria. Embora sejam regiões vizinhas, sempre houve uma dúvida sobre os motivos dessa escolha e a resposta mais aceita até hoje é que o Frei Francisco pode ter sido a convidado a rezar a missa de Natal em Greccio e decidido colocar em prática a inspiração que teve na Palestina. Um dos motivos que sustenta
essa hipótese é o fato de ter sido ajudado nos preparativos por um nobre local.
Como lugar de nascimento do presépio, a vila de Greccio abriga hoje a mais famosa encenação viva da Natividade, ou Auto de Natal. As apresentações costumam começar no dia 24 de dezembro e podem se estender, em dias salteados, até 6 de janeiro. Além da coincidência geográfica, o Presépio Vivo de Greccio tem como diferencial o fato de incluir a reconstituição dos fatos que levaram São Francisco a idealizar e realizar a cena simbólica do nascimento de Cristo.
Mas se o de Greccio é o mais famoso, o de Matera é o maior da Itália. São cerca de 300 figurantes que se apresentam em variadas locações – em um trajeto que pode variar de 1 a 5 km – , na área histórica da cidade, os famosos Sassos, onde lojas, restaurantes e hotéis são escavados na pedra, ocupando locais de antigas moradias*. Assim como antigas moradias*.
Assim como em Greccio, o teatro vivo de Matera também tem apresentações em dezembro e início de janeiro.
De Verona ao Vaticano
Existem inúmeros outros presépios vivos, mas esse, evidentemente, não é o único tipo de representação da Natividade. Na própria Itália, há iniciativas de diferentes formatos. Uma das mais conhecidas é a coleção de presépios da Arena de Verona, na – uma espécie de mini coliseu que, nas últimas décadas, abriu seu subsolo para a exposição de presépios vindos de várias partes da Itália. O que chama mais a atenção, além da perfeição das peças, é o fato da cena do nascimento ser representada de acordo com a paisagem e a cultura de cada local, por meio de cenas do cotidiano. Isso, claro, do lado de dentro, porque do lado de fora nada sobressai mais que a Estrela de Belém esculpida em ferro pelo arquiteto Rinaldo Olivieri, com seus 70 metros de altura.
Famoso, também, é o Presépio do Vaticano. Na verdade, é melhor dizermos ‘os presépios do Vaticano’ porque, a cada ano, a Praça de São Pedro recebe um presépio diferente, em geral doado por artistas.
Entre Portugal e Brasil
da Itália, Portugal talvez seja o país com maior tradição de presépios ou, pelos menos, um dos países que abriga mais exemplares mundialmente famosos. A começar pelo santuário de Fátima que, assim como o Vaticano, recebe anualmente, no mês de dezembro, um presépio temporário que costuma permanecer até janeiro. Mas isso não é tudo. Desde 2017, o santuário abriga um presépio permanente esculpido em cedro pelo artista Paulo Neves.
Foi também em Portugal, na freguesia de São Paio de Oleiros, concelho de Santa Maria da Feira, distrito de Aveiro, que se localizou o Presépio da Cavalinho, considerado o maior do mundo em movimento. O presépio, criado em 2005 pela empresa Cavalinha, tinha mais de sete mil peças e chegou a receber, em seu último ano, 750 mil visitantes. Mas tudo foi destruído por um incêndio em menos de uma hora, em 2016.
E assim como a Itália, Portugal também tem presépio vivo e o mais famoso deles é o de Priscos, em Braga, considerado o maior da Europa. Na gruta onde se encontram os personagens de Maria, José e o Menino Jesus, são realizados quatro espetáculos simultâneos. Os cenários retratam trabalhadores da época – como camponeses, ferreiros, sapateiros, tecelãos -, além de fazer referência às culturas romana, judaica, egípcia, grega, assíria e babilônica.
O Brasil não fica de fora dessa tradição e talvez o presépio brasileiro mais conhecido seja o do
Pipiripau – que apresenta não apenas o nascimento, mas toda a vida de Jesus. São mais de três mil peças – feitas em materiais tão diversos como argila, papel machê ou conchas – , e animadas por um maquinário desenvolvido com material de sucata como barbantes, carretéis, polias que fazem o Menino Jesus mexer as pernas na manjedoura, e o Cristo adulto subir aos céu depois da ressurreição. Os acontecimentos da vida de Cristo são narrados em meio a cenas cotidianas de Minas Gerais.
O Presépio do Pipiripau começou a ser construído em 1906, pelo futuro mecânico Raimundo Machado Azevedo, que na época tinha apenas 12 anos. O presépio levou 82 anos para ficar pronto. Hoje é tombado pelo Instituto de Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan), e está aberto à visitação pública1, no Museu de História Natural da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG).
E o Brasil abriga também um importante presépio napolitano adquirido em 1949 pelo industrial e mecenas Francisco Matarazzo Sobrinho, o “Ciccilo”. O presépio reúne 1.600 peças de diferentes autores: desde artesãos desconhecidos até artistas eruditos e famosos em sua época. Atualmente, o Presépio Napolitano integra o acervo do Museu de Arte Sacra de São Paulo.
A diversidade de tamanhos e materiais
Mas não só de presépios famosos vive essa tradição natalina. No mundo inteiro, entre dezembro e janeiro, casas, escolas, empresas, parques e praças abrigam presépios pequenos ou grandes, dos mais diversos materiais.Existem os artesanais e em miniatura, como os que fazem os figureiros de Taubaté; os que são feitos com troncos de árvores como o do artista sergipano Véio; outros gigantes e perecíveis como o de areia, feito em 2007, em Las Palmas, na ilha de Gran Canária, na Espanha, por artistas de várias partes do mundo; ou até presépios sobre a água como o que o verdureiro Francesco Orazio criou em Veneza, com 60 figuras de madeira fixadas sobre estacas, cujos pés só ficam visíveis quando a maré está baixa.
Algumas igrejas também costumam montar presépios, especialmente as franciscanas. Em Aracaju, a de São Judas Tadeu, mais conhecida como Igreja dos Capuchinhos, mantém há décadas um presépio dotado de algumas engrenagens que fazem as figuras se mexerem e de um sistema de iluminação que simula o anoitecer e o amanhecer. Em Fátima, Portugal, o centro “Evangelho da Vida”, dos Franciscanos Capuchinhos, tem um espaço dedicado a exposições temáticas e temporárias de presépios. A primeira delas, em 2020, reuniu mais de 1300 presépios criados em igrejas franciscanas do mundo.
A mensagem de humildade
A origem franciscana do presépio embora aceita por muitos, não é consensual porque alguns acreditam que, de alguma maneira, sempre houve presépios, levando-se em conta o desejo permanente dos cristãos de representar, ou pelo menos de aludir ao nascimento de Jesus. Nesse sentido, a Gruta da Natividade, que teria inspirado São Francisco a fazer o presépio em 1223, seria, na verdade, o primeiro e mais autêntico presépio, pois, como lugar de nascimento de Jesus, ela abrigaria não apenas o simbolismo, mas também a memória viva do acontecimento.
Sendo ou não o autor do presépio, São Francisco foi, sem dúvida o desencadeador do hábito de representar o nascimento do Menino Jesus e talvez a pessoa que mais tenha zelado pela mensagem de humildade que está contida na cena do presépio.2
Notas
- 1 Este e outros presépios tiveram sua exposição ou encenações suspensas em 2020 por causa da pandemia
- 2 Leia, aqui no blog, outras matérias relacionadas ao Ciclo Natalino: Auto de Natal / Ano Novo / Queijo do Reino
- 3 Leia, também, matérias sobre outras tradições culturais brasileiras: Ini ou Rede de Dormir / Literatura de Cordel / Bumba Meu Boi / Carnaval da Bahia
Aqui em casa sempre montamos présepio para o Natal! Trouxe até alguns diferentes para a minha mãe da Bolivia, do Chile e de mais algum lugar q não lembro !
As mães sempre ganham presépios, não é mesmo? rsrs Aquele em miniatura que eu mostrei na matéria, eu comprei para minha mãe quando visitei os figureiros de Taubaté. Aliás, preciso escrever sobre eles aqui no blog.
Uma das minhas memórias afetivas mais lindas… a preparação do presépio no mes de dezembro. Minha mãe levava tão a sério que plantava arroz em pequenos potes para o presépio ficar mais real… tinha um laguinho de espelho e a posição das peças era sempre a mesma…ano após ano. José, Maria, os três reis magos, o camponês olhando a estrela com um carneirinho nas costas, carneiros pastando, uma vaca, um jumento. Todo revestido de Papel
crepom verde e cor de areia…ficava lindíssimo!
Imagino, Thati. Eu também tenho boas lembranças relacionadas a presépios. Acho que muita gente da nossa geração teve essa vivência.
Artigo perfeito.
Silvia, amei o blog viajei com todos detalhes sobre os presépios, recordei muito o passado quando preparavamos nosso presépio que era muito simples mas era tradição .
Obrigada, Regina.Toda quinta tem matéria nova no blog e todo dia tem link, lá no facebook, para uma matéria publicada anteriormente. E você pode também navegar no blog para descobrir o que já foi postado. As matérias são atemporais. Você pode ler a qualquer momento.
Muito legal saber que a matéria acendeu boas memórias. Obrigada pelo comentário. Apesar de não ter assinado, seu que é seu, Gilca, porque o texto é o mesmo que você me enviou pelo whatsapp.
Sylvia ame seu post sobre o presépio. Aqui em casa montamos todos os anos.
Adorei saber mais sobre todos esses detalhes Mais uma vez arrasou.
Que bom que gostou, Hebe. Obrigada pela leitura e pelo comentário!
Que interessante saber sobre as origens do presépio. A gente geralmente monta em nossas casas antes do Natal e não sabe o quanto significa para a religião católica. Ótimo post!
Que bom que gostou, Victoria. Toda quinta tem matéria nova no blog. Acompanhe!