Ano Novo: um marco comum a todos os povos

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Atualizado em 01/03/2022 por Sylvia Leite

Queima de fogos no Reveillon do Rio de Janeiro - Foto de Gabriel Monteiro_Secom_Agência Brasil - BLOG LUGARES DE MEMORIASempre que chega o dia 31 de dezembro, e os meios de comunicação começam a noticiar festas de virada do ano em várias partes do planeta, nós, que vivemos em cidades do mundo ocidental, temos a impressão de que essa passagem de ciclo é comum a todos os povos. E  essa é a mais pura verdade. Ainda que de formas diversas, as mais variadas sociedades utilizam calendários e marcam a passagem dos ciclos com comemorações. Ocorre que nem todos os povos utilizam o calendário cristão e, portanto, muitas festas de ano novo acontecem em outras datas. É o caso dos judeus, dos muçulmanos, dos hindus, dos chineses e dos mapuches, apenas para exemplificar alguns. E além da diferença de data, o Ano Novo pode variar na forma de comemoração, na origem da festa e em sua simbologia.Fogos no Reveillon do Rio - White_bright_fireworks - Domínio Público - BLOG LUGARES DE MEMÓRIA

Obviamente, em todas as culturas, a data em que se comemora o Ano Novo está diretamente relacionada com o fim de um ciclo e o começo de outro e, portanto, tem um sentido de renovação. O que varia são as razões astronômicas, históricas ou religiosas que determinam a data da virada, assim como os simbolismos associados a essa passagem.

Na Mesopotâmia, por exemplo, cerca de quatro mil anos antes de Cristo, a comemoração marcava o fim do inverno e o começo da primavera, quando se iniciava um novo período de plantio. Nesse dia, que caía entre os dias 22 e 23 de março do calendário atual, as pessoas celebravam a mudança e pediam que o novo ciclo viesse com fartura.

Escultura do deus Jano - Foto de Fubar Obusco - BLOG LUGARES DE MEMORIAO Ano Novo ocidental

A virada do ano em primeiro de janeiro, como ocorre hoje, foi fixada entre os anos 45 e 46 antes de Cristo, como parte do Calendário Juliano, que recebeu esse nome por ter sido introduzido pelo imperador romano Julio César. Há quem afirme que a determinação da data é aleatória, mas cai cerca de oito dias depois do Solstício de Inverno, que marca o início da estação. Além disso, Janeiro é o mês devotado ao Deus Jano (em latim Janus), que, com suas duas faces, simboliza o passado e o futuro, o fim e o começo.

Mas com a queda do Império Romano e a ascensão do Cristianismo, a virada do ano passou a ser comemorada em 25 de março. Isso porque, devido a sua relação com o deus Jano, o dia primeiro de janeiro era consideradoImagem do Para Gregírio - Gravura de Esaias van Hulsen - domínio Público - BLOG LUGARES DE MEMÓRIA pelos cristãos uma data pagã. Além disso, em 25 de março se comemora a Anunciação, pois foi nesse dia que o anjo Gabriel apareceu a Maria e comunicou que ela seria a mãe de Jesus.

O Ano Novo só voltou a ser comemorado em primeiro de janeiro com a criação do Calendário Gregoriano – batizado assim por ter sido decretado pelo papa Gregório XIII, que na verdade foi uma reformulação do anterior, o calendário Juliano. A Inglaterra não aceitou a nova data e seguiu comemorando a passagem do ano em 25 de março até 1752.

Nos países que celebram a entrada de um novo ciclo em primeiro de janeiro, esse é um dia marcado pela renovação e pela esperança de um ano melhor que o anterior. As pessoas fazem declaram intenções e fazem promessas de mudança. Entre as tradições do Ano Novo estão os hábitos de vestir roupas brancas, comer lentilhas e sementes de romã, além de outros tantos que podem variar de país para país. Comum à maioria é a queima de fogos e o brinde com espumantes.

Rosh HashanáRosh_Hashanah ou Ano Novo Judaico - Pintura de Arthur_Szyk em Wikimedia - BLOG LUGARES DE MEMORIA

Já para os judeus, o Ano Novo, ou Rosh Hashaná, é o dia em que Deus criou a humanidade, e por isso, marca o início de um período de introspecção, reflexão e orações que dura dez dias e prepara os fiéis para o Yom Kiipur, ou dia do Perdão. Durante esse período, os que seguem à risca os rituais do Judaísmo fazem um balanço de seus pensamentos e ações durante o ano e pedem perdão àqueles que ofenderam nesse período.

No dia do Yom Kiipur, que também é feriado para os judeus estejam onde estiverem, os fiéis pedem, finalmente, o perdão de Deus, em forma de Justiça, Misericórdia e Amparo. Nesse dia, os judeus fazem um jejum de 24 horas e, aoDoces do Ano Novo judaico - Foto de ri_ya em Pixabay - BLOG LUGARES DE MEMORIA quebrá-lo, comem carneiro, peixe (especialmente a cabeça) e frutas com mel acreditando que esses alimentos podem fezê-los mudar positivamente de ponto de vista, além de trazer um ano mais doce para todos.

O Rosh Hashaná, é celebrado no primeiro dia do primeiro mês (Tishrei) do calendário judaico, data que pode cair entre a segunda quinzena de setembro e a primeira de outubro no calendário cristão ou gregoriano. A variação das datas ocorre pelo fato do calendário gregoriano ser solar e o judaico ser lunar, isto é: está baseado nos ciclos da lua.

Muçulmano rezando no Ano Novo Islâmico - Foto de konevi em Pixabay - BLOG LUGARESDE MEMORIAAno Novo Muçulmano

O Ano Novo muçulmano é celebrado com orações e meditação. Assim como no judaico, a comemoração tem duração de dez dias, mas diferencia-se em seu significado simbólico por rememorar um evento histórico: o dia em que o profeta Muhammad, e seus seguidores, migraram de Meca para Yathrib – cidade que depois passou a ser chamada de  Medi

 

 

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Pelo calendário gregoriano, isso ocorreu em 16 de julho de 622, já para os muçulmanos, esse evento – que foi batizado com o nome de Hégira – marca o início de calendário islâmico e pode ser considerado, também, o ponto de partida da própria religião.Cupula de mesquita - Foto dekonevi em Pixabay - BLOG LUGARES DE MEMORIA

Embora Muhammad tenha recebido as primeiras revelações cerca de 13 anos antes, nesse período, ele e seus seguidores foram perseguidos, torturados e houve até mortes. De acordo com os muçulmanos, a saída de Meca não foi uma fuga pois houve resistência durante os anos de perseguição. A migração teria ocorrido por ordem divina e com o fim de dar a  Muhammad e seus seguidores, a possibilidade de praticar e disseminar livremente a sua fé.

O Ano Novo islâmico é celebrado no primeiro dia do mês de Muharram, que é considerado sagrado para os muçulmanos, e tem caráter apenas religioso.

Menina com velas celebra o Diwali - Foto de lotusdigitals6 em Pixabay - BLOG LUGARES DE MEMORIADiwali ou Festa das Luzes

Na Índia, parte da população comemora o Ano Novo no dia primeiro de janeiro, seguindo o calendário gregoriano, mas há um Ano Novo indiano que é denominado Diwali ou Festa das Luzes e tem como simbolismo a vitória do bem sobre o mal. Durante cinco dias, as pessoas comemoram e agradecem os benefícios alcançados no ano que se encerra acendendo luzes em suas casas. É comum, também, a troca de presentes entre parentes e amigos.

O Diwali não está ligado exclusivamente a nenhuma religião. É comemorado por hindus, sikhis e janistas, com significados diversos para cada uma dessas religiões. A narrativaVelas em comemoração do Diwali - Foto depiyush_sagar em Pixabay - BLOG LUGARES DE MEMORIA mais difundida, no entanto, vem da tradição hindu e envolve os acontecimentos centrais do épico Ramaiana, isto é, a volta do rei Rama ao seu reino, Ayodhya, depois de passar 14 anos exilado na floresta onde combateu e venceu Ravana – governante de Lanca, que possuia dez cabeças, era considerado o rei dos demônios e havia raptado sua esposa Sita.

De acordo com essa versão hindu, a festa do Diwali surgiu em comemoração a esse retorno e foi batizado inicialmente como Deepavali, palavra que significa fileira de luzes em alusão às velas e lâmpadas acendidas em comemoração ao retorno de Rama. Com o tempo, a palavra Deepavali teria se transformado em Diwali.

Fantasia de dragão no Ano Novo Chinês - Foto de Ime007 em Pixabay - BLOG LUGARES DE MEMORIAAno Novo Chinês

Assim como os calendários islâmico e judaico, o chinês também é lunar e, por isso, a data do Ano Novo das nações que o adotam – inclusive a China, claro –  muda a cada ano em nosso calendário, podendo cair ente o fim de janeiro e o começo de fevereiro. Em comum com o que conhecemos no Ocidente, o Ano Novo oriental tem apenas o simbolismo de renovação, que é comum a todos, e a queima de fogos, mas enquanto no Ocidente os fogos produzem um espetáculo visual e encantam por sua beleza, na China, e nos outros países que adotam esse calendário, os fogos provocam pequenas explosões que têm o propósito de afastar os espíritos malignos.Lanternas no Ano Novo Chinês - Foto de cokelifecreative - BLOG LUGARES DE MEMORIA

Os chineses, e demais países que compartilham esse calendário, também costumam trocar pequenos presentes -especialmente doces – com parentes e amigos na ocasião da virada. E além dessa troca, há também os chamados ‘envelopes vermelhos’. São doações em dinheiro que os adultos fazem às crianças da família e os idosos fazem aos jovens solteiros. Vermelho, para os chineses, é a cor da sorte e tem o poder de espantar as más influências, por isso é também a cor predominante na passagem de ano.

As comemorações do Ano Novo chinês duram cerca de um mês e incluem desfiles com atores fantasiados de personagens míticos, especialmente o dragão. Além dos países de origem, a festa é realizada também em todos os lugares onde há colônias chinesas. No Brasil, a maior comemoração é realizada em São Paulo, no barro da Liberdade.

Mulher Mapuche - Foto de Raul Urzua (REUS) em Wikimedia - BLOGLUGARES DE MEMORIAWe Tripantu

Aqui na América Latina, mais precisamente no centro-sul do Chile e no sudoeste da Argentina, o povo Mapuche comemora seu Ano Novo, ou We Tripantu, no solstício de inverno – fenômeno astronômico que, em sua interpretação, marca o renascimento da vida.

Nesse dia – que em nosso hemisfério cai entre 18 e 24 de junho do calendário gregoriano -, a Terra encontra-se em sua maior distância do Sol e ocorre a noite mais longa do ano. A partir daí, começa a reaproximação do Sol e as noites vão ficando menores. É, também, a partir do solstício, que se iniciam as chuvas, trazendo fertilidade e renovação.

A expressão mapuche We Tripantu pode ser traduzida como o Novo Nascer do Sol e seu povo comemora essa reaproximação com a Terra. As comunidades começam a preparar a celebração no dia anterior com orações, comidas e histórias que os velhos sábios contam às crianças para que elas aprendam a fazer o bem.

Bandeira Mapuche - por Huhsunqu - domínio publico - BLOG LUGARES DE MEMORIAAo amanhecer, os mapuches batem nos troncos das árvores frutíferas para despertar sua seiva e vão se banhar no rio pois acreditam que nesse dia suas águas estão purificadas. Depois do banho, cada um se isola para conversar com a natureza. O We Tripantu é voltado especialmente para as crianças, especialmente os recém-nascidos que costumam ser batizados nessa data: as meninas recebem seus nomes das avós maternas e os meninos recebem os nomes dos avôs paternos.  É também na comemoração de Ano Novo que a comunidade costuma furar as orelhas das bebês para que elas possam usar brincos.

Certamente existem outros povos que comemoram a passagem de ano de forma diferente da nossa, mas talvez tivéssemos que esperar mais alguns primeiros de janeiro para completar essa lista. O que importa aqui é mostrar que, pelo menos na Terra, culturas muito diferentes entre si compartilham o mesmo ambiente astronômico e se relacionam com ele de formas por um lado muito diversas e por outro bastante semelhantes. Talvez a maior coincidência seja o fato de reconhecerem e comemorarem os ciclos da Natureza, tomando-os como base para sua própria  renovação.1

Notas

Ano Novo – Cristão / Judaico / Muçulmano / Chinês / Hindu / Mapuche – Américas / Europa / Ásia

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  • Hilda Líberman (pesquisadora da cultura judaica)
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Ana Maria Araujo
Ana Maria Araujo
2 anos atrás

Muito interessante! Que cada povo, em seus diferentes momentos tenha seu Feliz Ano Novo!

Luana
Luana
2 anos atrás

Um ano novo é realmente um marco de celebração, seja o ano novo do calendário gregoriano ou de um calendário distinto! Feliz 2022!

Sonia Maria Pedrosa Silva Cury
2 anos atrás

Não importa a cultura, o novo ano é sempre saudado com alegria e esperança.

Angela Martins
Angela Martins
2 anos atrás

Adorei saber mais sobre o Ano Novo em outras culturas. Realmente um marco que merece ser celebrado.