Atualizado em 30/04/2024 por Sylvia Leite
Sempre que chega o dia 31 de dezembro, e os meios de comunicação começam a noticiar festas de virada do ano em várias partes do planeta, nós, que vivemos em cidades do mundo ocidental, temos a impressão de que essa passagem de ciclo é comum a todos os povos. E essa é a mais pura verdade. Ainda que de formas diversas, as mais variadas sociedades utilizam calendários e marcam a passagem dos ciclos com comemorações. Ocorre que nem todos os povos utilizam o calendário cristão e, portanto, muitas festas de ano novo acontecem em outras datas. É o caso dos judeus, dos muçulmanos, dos hindus, dos chineses e dos mapuches, apenas para exemplificar alguns. E além da diferença de data, o Ano Novo pode variar na forma de comemoração, na origem da festa e em sua simbologia.
Obviamente, em todas as culturas, a data em que se comemora o Ano Novo está diretamente relacionada com o fim de um ciclo e o começo de outro e, portanto, tem um sentido de renovação. O que varia são as razões astronômicas, históricas ou religiosas que determinam a data da virada, assim como os simbolismos associados a essa passagem.
Na Mesopotâmia, por exemplo, cerca de quatro mil anos antes de Cristo, a comemoração marcava o fim do inverno e o começo da primavera, quando se iniciava um novo período de plantio. Nesse dia, que caía entre os dias 22 e 23 de março do calendário atual, as pessoas celebravam a mudança e pediam que o novo ciclo viesse com fartura.
O Ano Novo ocidental
A virada do ano em primeiro de janeiro, como ocorre hoje, foi fixada entre os anos 45 e 46 antes de Cristo, como parte do Calendário Juliano, que recebeu esse nome por ter sido introduzido pelo imperador romano Julio César. Há quem afirme que a determinação da data é aleatória, mas cai cerca de oito dias depois do Solstício de Inverno, que marca o início da estação. Além disso, Janeiro é o mês devotado ao Deus Jano (em latim Janus), que, com suas duas faces, simboliza o passado e o futuro, o fim e o começo.
Mas com a queda do Império Romano e a ascensão do Cristianismo, a virada do ano passou a ser comemorada em 25 de março. Isso porque, devido a sua relação com o deus Jano, o dia primeiro de janeiro era considerado pelos cristãos uma data pagã. Além disso, em 25 de março se comemora a Anunciação, pois foi nesse dia que o anjo Gabriel apareceu a Maria e comunicou que ela seria a mãe de Jesus.
O Ano Novo só voltou a ser comemorado em primeiro de janeiro com a criação do Calendário Gregoriano – batizado assim por ter sido decretado pelo papa Gregório XIII, que na verdade foi uma reformulação do anterior, o calendário Juliano. A Inglaterra não aceitou a nova data e seguiu comemorando a passagem do ano em 25 de março até 1752.
Nos países que celebram a entrada de um novo ciclo em primeiro de janeiro, esse é um dia marcado pela renovação e pela esperança de um ano melhor que o anterior. As pessoas fazem declaram intenções e fazem promessas de mudança. Entre as tradições do Ano Novo estão os hábitos de vestir roupas brancas, comer lentilhas e sementes de romã, além de outros tantos que podem variar de país para país. Comum à maioria é a queima de fogos e o brinde com espumantes.
Rosh Hashaná
Já para os judeus, o Ano Novo, ou Rosh Hashaná, é o dia em que Deus criou a humanidade, e por isso, marca o início de um período de introspecção, reflexão e orações que dura dez dias e prepara os fiéis para o Yom Kiipur, ou dia do Perdão. Durante esse período, os que seguem à risca os rituais do Judaísmo fazem um balanço de seus pensamentos e ações durante o ano e pedem perdão àqueles que ofenderam nesse período.
No dia do Yom Kiipur, que também é feriado para os judeus estejam onde estiverem, os fiéis pedem, finalmente, o perdão de Deus, em forma de Justiça, Misericórdia e Amparo. Nesse dia, os judeus fazem um jejum de 24 horas e, ao quebrá-lo, comem carneiro, peixe (especialmente a cabeça) e frutas com mel acreditando que esses alimentos podem fezê-los mudar positivamente de ponto de vista, além de trazer um ano mais doce para todos.
O Rosh Hashaná, é celebrado no primeiro dia do primeiro mês (Tishrei) do calendário judaico, data que pode cair entre a segunda quinzena de setembro e a primeira de outubro no calendário cristão ou gregoriano. A variação das datas ocorre pelo fato do calendário gregoriano ser solar e o judaico ser lunar, isto é: está baseado nos ciclos da lua.
Ano Novo Muçulmano
O Ano Novo muçulmano é celebrado com orações e meditação. Assim como no judaico, a comemoração tem duração de dez dias, mas diferencia-se em seu significado simbólico por rememorar um evento histórico: o dia em que o profeta Muhammad, e seus seguidores, migraram de Meca para Yathrib – cidade que depois passou a ser chamada de Medina.
Pelo calendário gregoriano, isso ocorreu em 16 de julho de 622, já para os muçulmanos, esse evento – que foi batizado com o nome de Hégira – marca o início de calendário islâmico e pode ser considerado, também, o ponto de partida da própria religião.
Embora Muhammad tenha recebido as primeiras revelações cerca de 13 anos antes, nesse período, ele e seus seguidores foram perseguidos, torturados e houve até mortes. De acordo com os muçulmanos, a saída de Meca não foi uma fuga pois houve resistência durante os anos de perseguição. A migração teria ocorrido por ordem divina e com o fim de dar a Muhammad e seus seguidores, a possibilidade de praticar e disseminar livremente a sua fé.
O Ano Novo islâmico é celebrado no primeiro dia do mês de Muharram, que é considerado sagrado para os muçulmanos, e tem caráter apenas religioso.
Diwali ou Festa das Luzes
Na Índia, parte da população comemora o Ano Novo no dia primeiro de janeiro, seguindo o calendário gregoriano, mas há um Ano Novo indiano que é denominado Diwali ou Festa das Luzes e tem como simbolismo a vitória do bem sobre o mal. Durante cinco dias, as pessoas comemoram e agradecem os benefícios alcançados no ano que se encerra acendendo luzes em suas casas. É comum, também, a troca de presentes entre parentes e amigos.
O Diwali não está ligado exclusivamente a nenhuma religião. É comemorado por hindus, sikhis e janistas, com significados diversos para cada uma dessas religiões. A narrativa mais difundida, no entanto, vem da tradição hindu e envolve os acontecimentos centrais do épico Ramaiana, isto é, a volta do rei Rama ao seu reino, Ayodhya, depois de passar 14 anos exilado na floresta onde combateu e venceu Ravana – governante de Lanca, que possuia dez cabeças, era considerado o rei dos demônios e havia raptado sua esposa Sita.
De acordo com essa versão hindu, a festa do Diwali surgiu em comemoração a esse retorno e foi batizado inicialmente como Deepavali, palavra que significa fileira de luzes em alusão às velas e lâmpadas acendidas em comemoração ao retorno de Rama. Com o tempo, a palavra Deepavali teria se transformado em Diwali.
Ano Novo Chinês
Assim como os calendários islâmico e judaico, o chinês também é lunar e, por isso, a data do Ano Novo das nações que o adotam – inclusive a China, claro – muda a cada ano em nosso calendário, podendo cair ente o fim de janeiro e o começo de fevereiro. Em comum com o que conhecemos no Ocidente, o Ano Novo oriental tem apenas o simbolismo de renovação, que é comum a todos, e a queima de fogos, mas enquanto no Ocidente os fogos produzem um espetáculo visual e encantam por sua beleza, na China, e nos outros países que adotam esse calendário, os fogos provocam pequenas explosões que têm o propósito de afastar os espíritos malignos.
Os chineses, e demais países que compartilham esse calendário, também costumam trocar pequenos presentes -especialmente doces – com parentes e amigos na ocasião da virada. E além dessa troca, há também os chamados ‘envelopes vermelhos’. São doações em dinheiro que os adultos fazem às crianças da família e os idosos fazem aos jovens solteiros. Vermelho, para os chineses, é a cor da sorte e tem o poder de espantar as más influências, por isso é também a cor predominante na passagem de ano.
As comemorações do Ano Novo chinês duram cerca de um mês e incluem desfiles com atores fantasiados de personagens míticos, especialmente o dragão. Além dos países de origem, a festa é realizada também em todos os lugares onde há colônias chinesas. No Brasil, a maior comemoração é realizada em São Paulo, no barro da Liberdade.
We Tripantu
Aqui na América Latina, mais precisamente no centro-sul do Chile e no sudoeste da Argentina, o povo Mapuche comemora seu Ano Novo, ou We Tripantu, no solstício de inverno – fenômeno astronômico que, em sua interpretação, marca o renascimento da vida.
Nesse dia – que em nosso hemisfério cai entre 18 e 24 de junho do calendário gregoriano -, a Terra encontra-se em sua maior distância do Sol e ocorre a noite mais longa do ano. A partir daí, começa a reaproximação do Sol e as noites vão ficando menores. É, também, a partir do solstício, que se iniciam as chuvas, trazendo fertilidade e renovação.
A expressão mapuche We Tripantu pode ser traduzida como o Novo Nascer do Sol e seu povo comemora essa reaproximação com a Terra. As comunidades começam a preparar a celebração no dia anterior com orações, comidas e histórias que os velhos sábios contam às crianças para que elas aprendam a fazer o bem.
Ao amanhecer, os mapuches batem nos troncos das árvores frutíferas para despertar sua seiva e vão se banhar no rio pois acreditam que nesse dia suas águas estão purificadas. Depois do banho, cada um se isola para conversar com a natureza. O We Tripantu é voltado especialmente para as crianças, especialmente os recém-nascidos que costumam ser batizados nessa data: as meninas recebem seus nomes das avós maternas e os meninos recebem os nomes dos avôs paternos. É também na comemoração de Ano Novo que a comunidade costuma furar as orelhas das bebês para que elas possam usar brincos.
Certamente existem outros povos que comemoram a passagem de ano de forma diferente da nossa, mas talvez tivéssemos que esperar mais alguns primeiros de janeiro para completar essa lista. O que importa aqui é mostrar que, pelo menos na Terra, culturas muito diferentes entre si compartilham o mesmo ambiente astronômico e se relacionam com ele de formas por um lado muito diversas e por outro bastante semelhantes. Talvez a maior coincidência seja o fato de reconhecerem e comemorarem os ciclos da Natureza, tomando-os como base para sua própria renovação.1
Notas
- 1 Leia, aqui no blog, outras matérias relacionadas às festas de fim de ano: Presépio / Queijo do Reino / Auto de Natal
- 2 Leia, também sobre tradições culturais: Bumba Meu Boi / Literatura de Cordel
Ano Novo – Cristão / Judaico / Muçulmano / Chinês / Hindu / Mapuche – Américas / Europa / Ásia
Fotos
- (1) Fogos no Ano Novo de Copacabana - Foto de Gabriel Monteiro / Secom na Agência Brasil
- (2) Fogos no Reveillon de Copacabana - Foto de Ranveig em Wikimedia - Domínio Público
- (3) Escultura do deus Jano - Por Fubar Obfusco - Domínio Público em Wikimedia
- (4) Papa Gregório - Gravura de Esaias van Hulsen em Wikimedia - Domínio público
- (5) Pintura de Artur Szyk em Wikimedia - CC BY-SA 4.0
- (6) Frutas com mel no Ano Novo judaico - Foto de users/ri_ya em Pixabay
- (7) Muçulmano reza em Ano Novo Islâmico - Konevi em Pixabay
- (8) Cúpula de mesquita - Konevi em Pixabay
- (9) Menina no Diwali - Foto de lotusdigitals6 em Pixabay
- (10) Velas no Diwali - Foto de piyush_sagar em Pixabay
- (11) Monstro chinês - Foto de lme007 em Pixabay
- (12) Lanternas chinesas - Foto de cokelifecreative em Pixabay
- (13) Mulher Mapucche - Foto de Raul Urzua (REUS) em Wilimedia - CC BY 2.0
- (14) Bandeira Mapuche - Por Huhsunqu - Domínio público
Referências
Consultoria
- Hilda Líberman (pesquisadora da cultura judaica)
Muito interessante! Que cada povo, em seus diferentes momentos tenha seu Feliz Ano Novo!
Que cada povo tenha seu feliz Ano Novo!!
Um ano novo é realmente um marco de celebração, seja o ano novo do calendário gregoriano ou de um calendário distinto! Feliz 2022!
Com certeza. Em qualquer cultura, celebrar o fim de um ciclo e o começo de outro é sempre uma oportunidade de renovação.
Não importa a cultura, o novo ano é sempre saudado com alegria e esperança.
Verdade, Soninha, é uma oportunidade de renovação.
Adorei saber mais sobre o Ano Novo em outras culturas. Realmente um marco que merece ser celebrado.
Pois é, Ângela, todas as culturas, ou pelo menos a maioria deles, celebram as mudanças de ciclo e essas datas costumam trazer promessas de renovação, o que é sempre alentador.