Atualizado em 01/05/2024 por Sylvia Leite
Quem avista a praça conhecida pelos turcos como Hipódromo, em Istambul – ou passeia por seus jardins – antes de conhecer a história do lugar, talvez não entenda por que uma praça tão comum está em todas as listas de pontos turísticos da cidade, nem por que é conhecida por esse nome se não há sinal algum de que seja ou tenha sido um local destinado a corridas de cavalos.
A explicação é simples: sob os despretensiosos jardins dessa praça, aparentemente sem grandes atrativos, está soterrado o Hipódromo de Constantinopla – uma espécie de ginásio gigante que concentrava toda a vida social, cultural e esportiva da cidade, incluindo corridas de carros tracionados por dois ou quatro cavalos (bigas ou quadribigas). Mais que isso: sua memória continua materializada em monumentos verticais que resistiram ao soterramento e parecem romper o piso, projetando-se para cima: os obeliscos de Teodósio e de Constantino e a Coluna Serpentina.
O Hipódromo de Constantinopla foi criado no início do século 3, ano 203, pelo imperador Septímio Severo, quando a cidade ainda se chamava Bizâncio. Um século depois, em 324, depois de transferir para lá a sede do Império Romano, Constantino, o Grande, ampliou suas instalações, que passaram a comportar cerca de 100 mil espectadores.
A pista tinha forma de U e havia, em sua extremidade Leste, um palco destinado ao Imperador e seus convidados ao qual só se tinha acesso a partir de um corredor privado que o ligava ao Grande Palácio, então localizado onde hoje se encontra o Museu dos Mosaicos do Grande Palácio. Nessa altura, a cidade havia sido rebatizada como Nova Roma, mas era conhecida por todos como Constantinopla.
Para se ter ideia da importância de Constantinopla em sua época, vale lembrar que a cidade viria a ser considerada, entre os séculos 5 e 13, a maior e mais rica da Europa. Tornou-se famosa por suas obras arquitetônicas, entre as quais destacavam-se as Muralhas, a Catedral de Santa Sofia, o Palácio Imperial, a Torre de Gálata e o Hipódromo. E além da bela Arquitetura, esses locais foram decorados com obras de arte trazidas de toda parte.
As ruínas do Hipódromo de Constantinopla
Entre as obras transportadas para o Hipódromo de Constantinopla estão a coluna serpentina e o obelisco de Teodósio citados no início da matéria. A primeira talvez seja, entre os três monumentos que restam do período romano, o que reúne maior significado histórico. Erguida em 479 Antes de Cristo, a Coluna Serpentina é uma das oferendas mais famosas da Antiguidade. Foi erguida em Delfos pelos gregos em agradecimento ao deus Apolo pela vitória sobre os persas na Batalha de Plataea.
A coluna teria sido fundida com o cobre das espadas tomadas dos soldados persas durante os confrontos. Quando chegou ao Hipódromo de Constantinopla, era terminada por três cabeças de serpentes que sustentavam um globo de ouro. A bola teria sido roubada durante a Quarta Cruzada (1202-1204) e as cabeças de serpentes teriam sido arrancadas por um nobre polonês bêbado no fnal do
Século 17, cerca de 400 anos depois. Uma das cabeças desapareceu, outra encontra-se no British Museum, em Londres, e a terceira pode ser vista no Museu de Istambul.
Ainda mais antiga que a Coluna Serpentina é o Obelisco de Teodósio. Foi construído pelo faraó Tutamés III entre os séculos 5 e 4 antes de Cristo, diante do famoso Templo de Carnaque ou Templo de Karnak – o principal centro religioso de Tebas – onde hoje está localizada a cidade egípcia de Luxor.
O obelisco foi primeiro transportado pelo rio Nilo, de Tebas à Alexandria, para comemorar os vinte anos de trono de Constantino, no ano 357. Junto com ele, foi levado o Obelisco Lateranense, este último, para ser instalado do Circus Maximus ou Corco Máximo de Roma. O obelisco de Teodósio tem o nome do sucessor de Constantino, que continuou seu esforço de embelezamento de Constantinopla e, cerca de três décadas depois, mandou transportá-lo até a cidade para ser instalado no Hipódromo.
Orginalmente, o que conhecemos hoje como Obelisco de Teodósio tinha 30 metros de altura, mas sua parte inferior foi destruída restando menos de 19 metros. Acredita-se que o estrago tenha ocorrido durante o transporte do Egito para a Alexandria. Ao instalar o obelisco em Constantinopla, Teodósio mandou esculpir um pedestal onde ele próprio é representado premiando vencedores de corridas de bigas e seu poder é exaltado por inscrições em Latim.
Sobre o terceiro monumento remanescente do Hipódromo de Constantinopla, conhecido como Obelisco de Constantino, Obelisco de Wallad, ou, ainda, Obelisco de Alvenaria, sabe-se muito menos. Acredita-se que pode ter sido construído por Teodósio para espelhar o monumento que leva seu nome, seguindo o modelo de outros hipódromos, como o Circus Maximus, de Roma, onde havia dois obeliscos.
Seu nome vem do restauro feito no século 10 pelo imperador Constatino VII. Na ocasião, o obelisco foi revestido com placas de bronze dourado que retratavam as vitórias de Basílio I, avô do imperador. Isso fez o monumento ser conhecido no mundo árabe medieval como ‘torre de latão’, mas, assim como a bola da Coluna Serpentina, essas placas também foram arrancadas e provavelmente derretidas durante a Quarta Cruzada.
A praça além do Hipódromo
Tanto a Coluna Serpentina como os dois obeliscos estão posicionados sobre uma linha reta que corresponde a uma espécie de canteiro central que dividia as duas pistas de corrida dos hipódromos, inclusive o de Constantinopla, e era denominada Spina.
Essa linha marca também uma espécie de caminho central da atual Praça Sultanahmet Meydanı (Praça Sultão Ahmet) – nome oficial do conjunto de jardins que encobrem o antigo hipódromo. Faz parte, ainda, do conjunto histórico da praça, a Fonte Alemã. É um monumento bem mais recente, construído em 1900 pelo governo da Alemanha para marcar a visita do imperador Guilherme III à cidade, ocorrida 12 anos antes.
Essa praça, assim como o antigo hipódromo, está localizada no centro histórico de Istambul, na parte europeia da cidade, e oferece uma das melhores vistas para a famosa Mesquita Azul. Poderia ter se tornado um sitio arqueológico, caso tivesse havido escavações sistemáticas, porque acredita-se que há cerca de dois metros do chão ainda se encontram inúmeras peças do antigo Hipódromo.
Parte desse patrimônio foi trazidoà luz em duas ocasiões: primeiro, nos anos 1980, quando algumas casas foram demolidas, deixando à mostra uma parte das subestruturas de seu sphendone (nome dado às extremidades curvas do hipódromo). A outra foi em 1993, quando houve uma nova demolição – desta vez para a instalação de serviços públicos. Nessa ocasião, ficaram visíveis algumas colunas e várias filas de cadeiras que foram retirados e distribuídos entre alguns museus de Istambul.
Sendo assim, é interessante complementar a visita ao Hipódromo de Constantinopla, ou praça Sultanahmet Meydanı, com um giro pelos principais museus da cidade a fim de conhecer uma das cabeças da serpente e as peças arqueológicas retiradas do subsolo na década de 1990.
No Museu Arqueológico de Istambul é possivel conhecer, também, as bases de duas das sete estátuas em homenagem a Porphyrius, um lendário cocheiro do século 6, que, como a coluna e os dois obeliscos, ornamentava o Spina do Hipódromo. Mas antes de deixar a praça é recomendável parar para assistir um espetáculo a parte: os pombos que, diferente do que se vê em tantos outros lugares, não se reúnem no chão, mas no topo de árvores podadas onde estão instaladas as suas casas.1
Notas
- 1 Leia, aqui no blog, outras matérias sobre lugares especiais da Turquia: Pamukkale / Troia / Éfeso / Pérgamo / Santa Sofia /Pequena Sofia / Konya / Cisterna da Basílica / Ikonium / Capadócia
Para saber mais
- Descubra quais são as 18 principais atividades para fazer na Turquia apontadas pelo blog Fora da Zona de Conforto
Hipódromo de Constantinopola / Praça Sultanahmet Meydanı – Istambul – Turquia – Europa
Fotos
- (1) hasangoc-1843880 em Pixabay
- (2) Guia de Istambul
- (3) Desenho de autor desconhecido e foto de Mikhail Malykh em Wikimedia - CC BY 3.0
- (4) Foto do obelisco: 31774 em Pixabay - foto da base Radomil talk em Wikimedia - CC BY-SA 3.0
- (5) Foto e detalhe de Gryffindor em Wikimedia- dominio público
- (6) The Grand Vizier Crossing the Atmeydanı, de Jean Baptiste Vanmou
- (7) Sylvia Leite
Sylvinha, um texto maravilhoso, gostoso de ler e uma pesquisa primorosa. Parabéns!
Que bom que gostou, Aida. Volte sempre. Toda semana tem matéria nova por aqui.
Muito interessante!! Temos tantos lugares desconhecidos, com suas histórias milenares, e é muito bom poder fazer essa viagem no tempo e no espaço.
É bom mesmo. E pra mim duplamente; na hora que conheço e na hora que escrevo sobre rsrsr
Muito bom lê seu blog
Que bom que você gosta.Volte sempre. Toda semana tem matéria nova por aqui.
Quanta beleza e diversidade cultural do Hipódromo!
Ótimo texto, Sylvinha!
Abraços
É bem interessante mesmo, Val. Bom te ver por aqui. nj
Excelente texto. Essa cidade me exerce uma atração incrível. Estou sempre aprendendo contigo. Muito obrigado Sylvinha.
Eu que agradeço, Joaquim. Volte sempre!!
É sempre um prazer ler seus textos bem construídos e repletos de informação de qualidade, obrigado.
Obrigada, William. Bom saber que gosta. Conheço seu nível de exigência. Volte sempre.
Istambul é uma cidade inesgotável, há sempre o que ver, o que descobrir. Maravilha de teto, Sylvinha, adorei saber sobre o hipódromo!
Istambul é inegsgotável mesmo, Soninha. Eu voltaria muitas vezes e tenho certeza de que sempre teria o que descobrir. Obrigada pelo comentário.