Atualizado em 10/11/2024 por Sylvia Leite
Quem nunca foi à Turquia, tende a imaginar o Grand Bazaar – em turco, Büyük Çarşı 1– como um lugar deslumbrante, onde se pode comprar, por um preço viável, todas aquelas maravilhas do Oriente, incluindo jóias, pashminas, tapetes, luminárias e especiarias. A imagem é correta, mas está longe de definir a complexidade desse centro comercial. Ao percorrer seus corredores labirínticos, descobrimos que as compras são apenas uma parte do universo desse lendário mercado de Istambul. O Grand Bazaar é, na verdade – como ocorre com outros antigos mercados mundo afora -, uma espécie de síntese da cidade – aquele lugar que reúne histórias, revela costumes e traça o perfil de um povo.
A construção antiga, com cúpulas e arcos decorados, dialoga com a multiplicidade de formas, cores e brilhos de seus inúmeros produtos. Há de tudo no Grand Bazaar, mas o seu forte para os visitantes externos são as jóias, as peças de cerâmica, as luminárias e as pashminas – um tipo de xale feito com lã especial. Em muitas lojas, os vendedores servem chá – uma tradição na cidade- , ou oferecem as deliciosas balas de goma, conhecidas na Turquia como lokum. O agrado é feito também com suco de romã – outra preciosidade da culinária local.
E se engana quem pensa que o Grand Bazaar é um local exclusivamente turístico. Embora tenha passado por mudanças no decorrer de sua longa história, o mercado nunca deixou de atender às necessidades dos moradores. Nele há também cafés, restaurantes, bancos, um posto de saúde, um posto de correios, um posto policial e até pequenas mesquitas. Há, ainda, as barbearias que, segundo o site oficial do mercado, estão entre os lugares mais frequentados, tanto por moradores como por turistas. Além disso, o Grand Bazaar continua sendo referência para negócios locais envolvendo jóias, metais e pedras preciosas.
A trajetória do Grand Bazaar
Considerado um dos maiores e mais antigos do Mundo, o Grand Bazaar guarda uma longa história, que envolve mudanças, destruições e reconstruções. Foram mais de dez incêndios e três terremotos, depois dos quais o mercado se reerguia praticamente nos mesmos moldes.
Acredita-se que já nos tempos de Constantinopla havia um importante mercado na cidade – só não se sabe aonde funcionava nem o quanto influenciou o bazar turco. O Grand Bazaar tem como data de fundação o ano de 1461, no início do califado Otomano2. A construção inicial abrangia dois bedestens – ou espaços para uso comercial – que tinham como principal objetivo levantar fundos para a construção e manutenção da Mesquita de Santa Sofia.
Nos primeiros séculos, o Grande Bazaar foi a porta de entrada da cidade e reunia tanto lojas como a pequena indústria, composta por oficinas e ateliês. Funcionava, ainda, como um centro de distribuição de tudo que entrava em Istambul e como um lugar seguro para o depósito de valores e de estoques não apenas dos proprietários das lojas, mas do próprio estado e de todas as pessoas que tinham posses, pois os joalheiros eram tratados como uma espécie de guardiões. Quando as duas construções tornaram-se pequenas, surgiram lojas e ateliês ao redor dos bedestens. Inicialmente eram ruas ao ar livre, mas depois foram cobertas, aumentando enormemente a área total do mercado.
A partir do século 19, houve mudanças nessa configuração que culminaram com a substituição, na década de 1960, de parte das oficinas e ateliês por pequenas lojas voltadas para o turismo. Ao longo do tempo, mudou também a estrutura física das lojas, antes inteiramente abertas e separadas apenas por cortinas e agora mais protegidas – muitas inteiramente fechadas com portas e vitrines de vidro. Além disso, ganha cada vez mais espaço no Grand Bazaar, o comércio de produtos falsificados o que além de ser prática ilegal, contrasta com seu perfil de mercado tradicional. As mudanças, no entanto – mesmo essas que constituem uma enorme descaracterização -, não foram capazes de mudar a imagem desse mercado centenário.
Talvez isso ocorra em parte por causa da tradição cultural da cidade, que apesar de toda modernização que por que passou nas últimas décadas, parece seguir intocável, pelo menos na cidade velha. Mas é possível, também, que parte da força cultural do Grand Bazaar venha de sua própria arquitetura e localização.
Os enormes arcos decorados e os corredores labirínticos já seriam suficientes para garantir ao mercado uma aura de história e tradição, mas, além disso, é possível encontrar, em seu emaranhado, recantos como as fontes de mármore e os quiosques de café (fotos) – antes utilizados para fazer refeições porque não havia restaurantes. Há, ainda poços, pequenas mesquitas e pátios como o Zincirli Hanı – que hoje está cercado por oficinas de joalheria, mas funcionou muito tempo como ‘caravançerai’ – uma espécie de hospedaria que servia também para guardar produtos dos mercadores -, e até ruínas de um prédio bizantino (foto).
Para perceber tudo isso, é importante percorrer com calma toda a extensão do mercado e não esquecer de atentar aos mínimos detalhes, como os nomes das ruas, que eram batizadas de acordo com a atividade dos lojistas e artesãos, muitas das quais já não se encontram no mercado. É o caso dos Fabricantes de Capacetes e dos Negociantes de Livros. Esses últimos continuam por perto, no pequeno bazar Sahaflar Çarsisi, que fica ao ar livre, perto do portão Beyazit.
Os impressionantes números
O Grand Bazaar ocupa hoje uma área superior a 110 mil metros quadrados – o que corresponde a quase nove vezes o tamanho do mercadão de São Paulo. Desse total, cerca de 45 mil metros quadrados correspondem à sua área interna.
Ao longo de 64 ruas, que mais parecem labirintos, o Grand Bazaar reúne cerca de quatro mil lojas (há quem fale em cinco mil) e conta com cerca de 20 mil funcionários (algumas fontes calculam em até 26 mil). Mas os números mais impressionantes dizem respeito ao seu movimento, calculado, a depender da fonte, entre 100 mil e 400 mil visitantes a cada dia. Apesar do desencontro de informações, um dado pode nos dar a dimensão desses números: em 2014, o Grande Bazaar foi considerado, pela revista “Travel + Leisure”, a atração turística mais visitada do mundo, com mais de 91 milhões (91.250.000) de visitantes por ano.
A tradição da pechincha
Quem vai ao Grand Bazaar, deve se preparar para as negociações. Em muitas cidades islâmicas, essa é uma regra em qualquer ponto de venda, especialmente nos famosos ‘souks’, ou mercados. Em Istambul, embora a cidade seja islâmica, é diferente: a tradição de barganhar está concentrada especialmente no Grand Bazaar. Fora dele, muitos mercados não adotam essa prática e algumas lojas chegam a colocar cartazes anunciando que não negociam preços.
No Grand Bazaar, no entanto, não negociar significa perder dinheiro porque uma boa ‘pechincha’ pode fazer um preço cair para até cerca de 10 por cento do valor original. É claro que isso seria um desconto máximo que não acontece a toda hora, mas as negociações mais corriqueiras podem levar a descontos de 20 a 40 por cento em média.
Outra curiosidade em relação a preços, diz respeito ao horário da compra. É que segundo uma certa tradição, fazer a primeira venda logo no início do dia traz sorte para os negócios – por isso alguns vendedores dão mais descontos nesse horário e chegam, em alguns casos, a comemorar a venda com pequenos rituais.3
Notas
- 1 Na Turquia, o Grand Bazaar é mais conhecido pelo nome Kapalıçarşı que significa Mercado coberto
- 2 A cidade de Constantinopla foi tomada pelos turcos em 1453, quando se iniciou o Império Otomano. Antes disso, abrigou, sucessivamente, as capitais dos impérios Romano, Bizantino e Latino
- 3 Leia, aqui no blog, matérias sobre outros lugares especiais da turquia: Pamukkale / Troia / Hipódromo de Constantinopla / Éfeso / Pérgamo / Santa Sofia /Pequena Sofia / Konya / Ikonium / Capadócia
Grand Bazaar – Eminönü – Istambul – Turquia – Europa e Ásia
Fotos
- (1) Espiritu protector em Wikimedia
- (2) Martin Falbisone em Wikimedia - CC BY-SA 4.0
- (3) Jean Pascal Sèbah em Wikimedia - Domínio Público
- (4) Sylvia Leite
- (5/6) Gryffindor em Wikimedia Foto 1 fonte e Foto 2 Quiosque- Domínio Público
- ‘(7)
- (8) OsvaldoGago (autor provável) em Wikimedia - CC BY-SA 3.0
- (9) Diego Delso em Wikimedia - CC BY-SA 4.0
Referências
- Site oficial do Grand Bazaar
Que maravilha de matéria!!! Retornei direto a sensacoes Vividas por esta terra tão especial… Obrigada Sylvia!!!
Realmente, o Grande Bazaar é um ícone de Istambul e da Turquia, guarda muita história e é uma referência. Ótimo registro, Sylvinha, como sempre!
Sim, Soninha. O Grand Bazar é um ícone da cidade e do país.
Fantástico! Vou querer conhecer cada cantinho.
Ah! Tem que ser assim mesmo. Explorar tudo e descobrir os segredos escondidos em cada pedacinho do Grand Bazaar.
Já estive lá. É fantástico. A experiência é como vc descreveu. Um dia voltarei lá.
Eu também quero muito voltar. Ao Grand Bazaar é a muitos outros lugares especiais da Turquia.
No meu roteiro permanente de desejos!!! Linda matéria!
Você vai gostar!! O Gand Bazpaar é fascinante.
Sylvia, essa matéria sobre o Gran Bazaar, me trouxe lindas lembranças de quando estive lá em 1998. Naquela viagem, passei um dia todo no Gran Bazaar e foi muito pouco, mas maravilhoso.
Bom saber que a matéria sobre o Grand Bazaar te trouxe boas lembranças. Senti o mesmo enquanto escrevia.
Continuo sempre viajando com você.
Obrigado moça.
Eu que agradeço pela leitura constante e pelos comentários generosos.
Parabéns, pelo excelente relato desse mercado e da história. O mercado é um espaço de muitas riquezas da cultura de um povo. Você descreve muito bem esse cenário no texto.
Obrigada, por compartilhar!
Eu que agradeço, Gilca, volte sempre!