Atualizado em 25/11/2024 por Sylvia Leite
A casa de madeira que abriga hoje o Museu do Catetinho é um monumento que reúne múltiplos significados. O fato de ter sido residência e local de despachos do presidente Juscelino Kubitscheck no Planalto Central, durante o período da construção de Brasília, é apenas o mais evidente. Erguido em apenas dez dias, sem ajuda oficial e com recursos de dez amigos do presidente, o Palácio de Tábuas, como foi inicialmente conhecido – parece ter sido a primeira manifestação concreta do slogan “50 anos em 5”, e o incentivo para sua materialização definitiva: a construção da nova capital em apenas 41 meses.1
Se pensarmos em termos funcionais, trata-se de um simples alojamento – ‘planejado sem conforto ou honras oficiais’, para que não houvesse um grande contraste entre a condição do presidente e a dos trabalhadores que estavam alojados em tendas ou barracos. Mas o Catetinho tem um projeto sofisticado, assinado por Oscar Niemeyer, e já incorpora elementos modernistas, como os pilotis, que apareceriam, mais tarde, nos prédios que ele projetou para o Plano Piloto. Além disso, é a única edificação, em décadas de carreira do arquiteto, toda em madeira.
O nome Catetinho é uma alusão bem humorada ao Palácio do Catete, no Rio de Janeiro – a então residência oficial da Presidência da República -, feita pelo violonista Dilermando Reis, que era amigo inseparável de JK e esteve quase tão presente quanto ele no palácio provisório. Como apaixonado por musica, o presidente Bossa Nova1 fez questão de levar ao acampamento de madeira os artistas que animavam jantares no palácio oficial, a fim de amenizar o que Dilermando chamou de “noites intermináveis, escuras como breu3” naquele período de “lutas e sacrifícios”.
Ao lado do Catetinho, foi erguida uma edificação semelhante, porém maior – e por isso apelidada de Catetão -, para abrigar a família do presidente e os convidados oficiais. A estrutura do palácio temporário incluía, ainda, uma pista de pouso, uma estação de rádio e uma nascente que abastecia as duas casas.
O Catetinho encerrou suas funções oficiais em 1958, com a conclusão do Palácio da Alvorada. No ano seguinte, JK e o ministro da Educação Clovis Salgado da Gama oficializaram o tombamento do catetinho que já parecia previsto desde a sua inauguração quando o presidente o confiou aos cuidados da Diretoria do Patrimônio Histórico Nacional (DPHAN). O Catetão, no entanto, não foi considerado de valor histórico e acabou desmontado e vendido.
Muito além de palácio
Como único abrigo existente no ainda inexplorado Planalto Central fora da vila dos operários, o Catetinho não podia dar-se ao luxo de servir apenas aos despachos e aos pernoites do presidente. Uma de suas funções era abrigar a diretoria e engenheiros da Novacap – a empresa criada por JK para construir Brasília. Durante dois anos, residiram ali os diretores Ernesto Silva, Iris Meinberg e Israel Pinheiro. Este último – que era presidente da companhia- mudou-se para o Catetinho com a esposa, Coracy e viveu ali até a inauguração de Brasília, onde permaneceu como seu primeiro prefeito.
Já o Catetão, abrigou o presidente Juscelino, a mulher Sara e a filha Márcia até a Inauguração do Palácio da Alvorada. E foi também no Catetão que JK recebeu autoridades estrangeiras. O primeiro deles foi o então presidente de Portugal, o general Higino Craveiro Lopes, que veio ao Brasil junto com sua esposa para visitar o canteiro de obras.
‘Causos’ curiosos e divertidos
Muitos foram os acontecimentos que ficaram registrados no folclore do Catetinho, mas o general Higino foi personagem central de um dos mais engraçados. Conta-se que numa certa madrugada – quando esteve hospedado em um dos palácios provisórios – ele bateu na porta do quarto do presidente Juscelino pedindo um penico. Como não havia nada aberto àquela hora na Cidade Livre – área criada durante a construção de Brasília para acolher os trabalhadores – um boêmio sugeriu que se procurasse o penico na zona. A ideia deu certo e o penico teria sido entregue ao dirigente português com a seguinte mensagem: “Está aqui. Tenho certeza de que será prazeroso o seu uso”.
As histórias acumularam-se ao longo dos dois anos de funcionamento do Catetinho. Conta-se que numa certa noite, a equipe, exausta, resolveu tomar um whisky, mas não havia gelo. O problema foi resolvido pela natureza, com uma tempestade de granizo. A história teria sido confirmada, tempos depois, pelo presidente Juscelino e pelo jornalista Murilo Melo Filho, da “Tribuna da Imprensa”, mas há divergências de datas entre as duas versões.
Há ainda o ‘causo’ de uma galinha preta que foi capturada e consumida pelos operários da obra do Catetinho. Dois anos depois, uma senhora da região teria denunciado o roubo ao engenheiro Atahualpa Schmitz, chefe dos operários, que se viu obrigado a pagar 20 cruzeiros pela galinha.
Mas as histórias mais significativas ficaram por conta dos músicos. Foi ao lado do Catetinho que Tom Jobim e Vinícius de Moraes compuseram parte da canção “Agua de Beber”, em alusão à pureza da nascente que fica ao lado do palácio. Os dois artistas estavam ali a convite do presidente para compor um hino em homenagem à cidade que recebeu o título de “Brasília: Sinfonia da Alvorada”. Segundo se conta, eles fizeram tudo ao ar livre depois de conseguirem arrastar o piano até a margem da fonte (foto) que foi depois batizada com o nome de Tom Jobim.
O Museu do Catetinho
Desde 1970, o catetinho funciona como museu e pelo menos a parte oficial de toda essa história passou a ser contada em seus diversos cômodos. São fotos, móveis e objetos que testemunham o esforço do presidente e de sua equipe para construir uma cidade em menos de quatro anos ou foram adquiridos para recriar ambientes.
O quarto do presidente e a sala de despachos foram reconstituídos com móveis e elementos decorativos da época. No cômodo dedicado à obra de Brasília, estão fotos e algumas ferramentas usadas pelos candangos – nome dado aos operários que trabalharam na construção da cidade.
O museu reúne, ainda, roupas, livros e outros artigos pessoais do presidente Juscelino e de sua Mulher, Sara Kubitscheck, além de objetos como malas antigas e lamparinas usadas durante a madrugada, quando a energia elétrica era desligada.
O papel da música naquele período fica claro em vários pontos do museu. Um dos quartos, inteiramente dedicado a esse tema, reúne fotos, um depoimento e outras lembranças do violonista Dilermando Reis. Há destaque, ainda, para os músicos Tom Jobim e Vinícius de Moraes, que compuseram o hino a Brasília. Outra memória das noites musicais está no bar do palácio temporário que até hoje guarda garrafas da cachaça Pirassununga 29 – famosa na região desde aquela época e ainda hoje produzida no interior de São Paulo.
Na cozinha encontram-se latas antigas de leite em pó, leite condensado, creme de leite e café solúvel. Há também talheres, louça, panelas e outros artefatos. Isso sem falar nas representações de bolos e guloseimas mineiras.
Os painéis informativos do museu não se limitam a narrar acontecimentos históricos. Além de conter depoimentos, prestam homenagens a pessoas que tiveram papel importante tanto na obra de Brasília como na manutenção do Catetinho. Caso dos engenheiros já citados e de pelo menos dois funcionários da casa: o zelador Luciano Pereira – primeiro funcionário público do Distrito federal -, que fez o armário de mantimentos do catetinho, e a cozinheira Dolores, idealizadora do fogão a lenha que ainda se encontra na cozinha do palácio temporário.4
Notas
- 1 A observação é do próprio J, que declarou: - Vi que, se um grupode amigos fora capaz de erigir, sem qualquer auxílio oficial e levado pelo idealismo, aquele Palácio de tábuas em 10 dias, o que eu não poderia fazer, então, sendo o presidente da República.
Catetinho – Brasília – Distrito Federal – Centro-Oeste -Brasil -América do Sul
Fotos
- (1,2,3,4,6,7) Sylvia Leite
- (5) José Cruz / Agência Brasil
Participação especial
- Edilberto Assumpção de Araújo
- Jane Alves
- Maria Marismene
- Regina Tinoco
Fui tantas vezes a Brasília e nunca visitei o Catetinho. Preciso corrigir esta falha. Ótimo texto, Sylvinha, como sempre, à altura da história.
Valeu, Soninha! Vale a pena mesmo visitar o Catetinho.
Curti esta publicação, Sylvinha: uma estrutura provisória que permanece por mais de 60 anos. Compartilhei com colegas engenheiros e arquitetos. Bjs.
Que bom que gostou e compartilhou! Volte sempre!!
Amei conhecer o Catetinho e deu até vontade de chamar Vinícius e Tom pra tomar uma dose da cachaça Pirassununga! Fiquei imaginando o piano ….. parabéns Sylvia, vc escreve com muita leveza e não cansa os seus leitores fiéis.
Seria perfeito tomar uma dose de Pirassununga, no Catetinho, com Vinícius e Tom. Eu incluiria JK rsrs Creio que era uma companhia muito interessante.