Atualizado em 01/05/2024 por Sylvia Leite
O prédio tem aparência inglesa. Lembra o Palácio de Westminster e a Elizabeth Tower com seu famoso Big Ben. Não poderia ser diferente. A Estação da Luz e sua torre do relógio foram construídas pela São Paulo Railway Company, empresa inglesa que praticamente detinha o monopólio do transporte de carga do interior de São Paulo para o Porto de Santos. São ingleses também a estrutura de ferro, trazida de Londres e até o projeto, atribuído ao arquiteto Charles Henry Driver. Mas a Estação da Luz tornou-se emblemática de um momento histórico bem brasileiro: o Ciclo do Café.
Pelos trilhos da São Paulo Railway Company passava praticamente toda a produção cafeeira do estado destinada à exportação a partir do Porto de Santos. Pela mesma linha chegavam à capital os fazendeiros que viviam no interior, a nobreza e os visitantes estrangeiros. A Estação da Luz tornou-se a porta de entrada de São Paulo.
Durante mais de quatro décadas1, a Estação da Luz foi ponto de embarque e desembarque do Trem Santa Cruz, que fazia a ligação entre Rio de Janeiro e São Paulo. Na década de 1990, depois de uma interrupção de três anos, a viagem de 9 horas de duração foi reestabelecida com o famoso Trem de Prata – que pelo requinte e conforto, e por viajar durante a noite, foi apelidado de trem-hotel.
Mais de cem anos depois de construído, o prédio de estilo Eclético já não tem essas funções, transferidas principalmente para os aeroportos, mas seu movimento é infinitamente maior do que naqueles tempos áureos. Basta dizer que circulam diariamente por suas plataformas cerca de 450 mil pessoas usuárias de diferentes linhas de trem e de metrô.
A Estação da Luz abriga, ainda, o museu que guarda a memória da nossa língua, o que torna o prédio de aparência inglesa ainda mais brasileiro.
O Museu da Língua Portuguesa
A relação do Museu da Língua Portuguesa com a Estação da Luz vai muito além da simples ocupação do prédio. A estação da Luz foi, entre o fim do século 19 e o começo do século 20, a porta de chegada e ponto de passagem dos imigrantes que chegavam ao Brasil pelo Porto de Santos. Assim como a estação, o museu é um ponto de conexões, confluências e influências.
A proposta do museu já traz em si uma relação conceitual com a estação mais famosa de São Paulo: a valorização da diversidade. Por meio de recursos visuais e interativos, os visitantes têm acesso à história do Português no mundo e conhecem a contribuição de cada povo constituinte de nossa nação – como indígenas, africanos, italianos, japoneses, árabes, entre outros – , na construção do Português falado no Brasil.
E tudo isso é selado com uma conexão material. Dentro do Museu da Língua Portuguesa há painéis interativos que contam a história da estação e das reformas realizadas no prédio para abrigar suas instalações no espaço antes ocupado pela antiga sede administrativa da estação. Essa obra, aliás, rendeu um Prêmio Pritzker a seus autores: o arquiteto Paulo Mendes da Rocha e de seu filho, Pedro Mendes da Rocha.
O fato de o Museu da Língua Portuguesa estar localizado em São Paulo é considerado duplamente simbólico: primeiro, pelo fato da cidade abrigar a maior população de falantes da língua portuguesa do mundo e segundo por essa população ser uma das mais cosmopolitas -o que a coloca em sintonia com o objetivo de diversidade do museu.
O rico entorno da Estação da Luz
A Estação da Luz, construída entre os anos de 1895 e 1901 2, integra um conjunto arquitetônico formado pelo parque Jardim da Luz, com o prédio do Liceu de Artes e Ofícios (hoje ocupado pela Pinacteca do Estado) e o Quartel da Luz.
Construídos no mesmo período, os prédios e o parque eram considerados um referencial urbano de São Paulo e faziam parte do dia a dia de seus moradores. O Jardim da Luz foi o primeiro parque da cidade e o relógio instalado na torre da estação era usado como referência para os paulistanos acertaram as horas.
Em 1919, cerca de duas décadas depois do início de suas operações, a Estação da Luz ganhou mais uma vizinha que também se tornaria patrimônio histórico: a Vila dos Ingleses. São 28 sobrados em estilo Vitoriano, com influência do estilo Colonial Brasileiro construídos para abrigar os engenheiros que trabalharam na estrada de ferro Santos-Jundiaí.
Uma década adiante (1930), foi a vez do atual prédio da Estação Júlio Prestes, inaugurado oito anos antes da obra ser totalmente concluída, servindo à Estrada de Ferro Sorocabana. Ao seu lado, já havia um prédio em estilo Eclético que passou a funcionar como escritório da ferrovia e, posteriormente, como sede do famoso e temido Departamento Estadual de Ordem Política e Social do Estado de São Paulo (DEOPS-SP), ícone da repressão durante o Regime Miltar.
Todas as construções resistiram ao tempo, mas algumas mudaram de função. Caso do prédio do Liceu, hoje ocupado pela Pinacoteca do Estado. Caso, também, do escritório da Sorocabana posteriormente usado pelo DEOPS, que foi transformado no Museu Memorial da Resistência em homenagem aos torturados ou mortos na luta pela democracia no Brasil.
Outros prédios tiveram parte de suas instalações adaptadas a novas funcionalidades. Isso ocorreu não apenas com a Estação da Luz, que acolheu em seu prédio o Museu da Língua Portuguesa, mas também com a Estação Júlio Prestes , que além de continuar com a função original, abriga a Secretaria da Cultura de São Paulo e a casa de concertos da Orquestra Sinfônica do Estado de São Paulo (Osesp), denominada Sala São Paulo.
Depois de dois incêndios
Grande parte da Estação da Luz já não é original. Isso porque o prédio passou por dois incêndios: um em 1946 e outro em 2015 – este último iniciado no Museu da Língua Portuguesa. No primeiro, dois bombeiros ficaram feridos e quase tudo foi destruído. Já o segundo atingiu mais a parte do prédio onde se encontra o museu, que estava fechado para manutenção. Mesmo assim, o incêndio provocou a morte de um bombeiro civil que trabalhava no prédio.
Mesmo depois de dois incêndios, e com mais de um século de existência, o prédio da Estação da Luz conserva o projeto inicial e parte do material trazido da Inglaterra. Conserva, também, seu perfil de diversidade, já que é ponto de conexão entre linhas de trens e de metrô, além de receber turistas e moradores interessados na história da Língua Portuguesa.
E é importante lembrar, ainda, que se antes a estação fazia parte de um conjunto arquitetônico que acabou se tornando histórico, hoje ela integra também um conjunto cultural que além do seu Museu da Língua Portugesa, incui o Museu Memorial da Resistência a Pinacoteca do Estado e a Sala São Paulo. O museu da Língua e a Sala São Paulo poderão ser um dia interligadas caso seja executado o projeto, aprovado pelo foi aprovado pelo – Conselho de Defesa do Patrimônio Histórico – Condephaat em 2016, para construção de um túnel entre a Estação Júlio Prestes e a Estação da Luz. 34
Notas
- 1 Nesse período, houve época em que as chegadas e saídas do Trem Santa Cruz foram realizadas na Estação Roosevelt (atual Estação Brás)
- 2 O atual prédio da Estação da Luz foi antecidado por dois outros construídos, respectivamente, em 1865 e 1870
- 3 Leia, aqui no blog, matérias sobre outras estações pelo mundo afora: Estação Júlio Prestes / Estação de São Bento
- 4 Leia, também, matérias sobre outros lugares especiais de São Paulo: Minhocão / Theatro Municipal / Estação Júlio Prestes e Sala São Paulo / Bixiga / Teatro Oficina / Galeria do Rock / Vila Itororó / Liberdade / Beco do Batman / Cemitério da Consolação / Parque Augusta / Capela de Santa Catarina / Pavilhão da Bienal / Parque Savóia
Estação da Luz – Centro- São Paulo – outras matéria São Paulo- Brasil – América do Sul
Fotos
- (1) Governo do Estado de São Paulo em Wikimedia, CC BY 2.0
- (2,3,4,5,6,7) Sylvia Leite
Referências
- Site Oficial da Estação da Luz
- Site oficial do Museu da Língua Portuguesa
- Site oficial do Parque da Luz
Sempre é uma delícia te ler. Mas quando falas de São Paulo, acrescenta-se aí, o amor que tens pela cidade. Então a leitura fica ainda mais gostosa.
Tenho que agradecer.
Eu que agradeço, Joaquim. Pela leitura e pelo comentário generoso. Beijo
Quabdo conheci a Estação da Luz nos anos 70 era um local de muita movimentação de passageiros de trens suburbanos e totalmente descuidado.
Décadas depois foi uma grande surpresa reencontrar a Estação da Luz deslumbrante.
Excelente matéria, Sylvinha!
Bjs
Pois é, teve esse período, mas agora a Estação da Luz voltou a ser linda e continua com movimentação de passageiros dos trens suburbanos, urbanos, e de turistas que vão visitá-la e conhecer o Museu da Língua Portuguesa. Os passageiros merecem uma estação bonita e bem cuidada. Nós merecemos. Obrigada pelo comentário.