Parque Savóia: uma vila italiana em São Paulo

Tempo de Leitura: 5 minutos

Atualizado em 20/10/2023 por Sylvia Leite

Fachada do Parque Savoia - Foto de Sylvia Leite - BLOG LUGARES DE MEMORIAEntrar no Parque Savóia, no bairro de Campus Elísios, é como mergulhar na São Paulo do início do século 20, quando se vivia o ápice da imigração italiana. Já na entrada, quatro inscrições em Latim introduzem o visitante no espírito romano do lugar. Entre elas encontra-se um Salmo e uma frase do jurista Ulpianus. A influência italiana está presente, também, nos elementos decorativos de inspiração florentina – caso dos brasões com o Lírio de Florença nas fachadas das casas – que se misturam a colunas, gárgulas e ornamentos de influência grega, compondo um conjunto Eclético, que era o estilo predominante na época. O nome Savoia não é menos revelador. O proprietário da Vila, o engenheiro mecânico polonês Salvador Markiwicz, era casado com uma italiana de Turim – uma comuna da Itália que já foi parte da Casa de Savoia.

Frase de Ulpianus no alto da parede - Foto de Sylvia Leite - BLOG LUGARES DE MEMORIAA vila foi construída em 1939, quando São Paulo passava por uma expansão industrial e urbana, necessitando de novas moradias. Naquele momento, dezenas de vilas residenciais, ou talvez centenas, surgiram na cidade. Mas ao contrário da maioria, que pertencia às fábricas recém inauguradas e destinava-se a alojar seus operários, o Parque Savóia foi planejado para abrigar a família do proprietário e complementar sua renda com os alugueis dos imóveis excedentes.1

São 14 sobrados projetados pelo engenheiro Arnaldo Maia Lello, o mesmo autor do famoso Cine Theatro Paramount, hoje Teatro Renault. As casas são dispostas ao longo de duas ruas perpendiculares. A do fundo, marcada por um canteiro central com árvores frondosas, abriga também uma fonte com azulejos pintados e um caramanchão. Na fachada, há uma torre com dois alpendres e vista para a rua Vitorino Carmilo.

Rua do Parque Savoia - Foto Sylvia Leite - BLOG LUGARES DE MEMORIADe residências a escritórios

O uso residencial do Parque Savóia foi mantido por cerca de três décadas e a família viveu ali até a geração atual. O herdeiro e atual propietário da vila, Salvatore Iungano, conta que seus filhos mantêm até hoje a boa lembrança lugar e algumas amizades que fizeram com outros moradores. Mas, nos anos 1980, teve início um processo de degradação em decorrência da deterioração do bairro. Campos Elísios já havia sido um dos locais mais elegantes de São Paulo por abrigar a residência oficial do governador: o Palácio dos Campos Elísios. A mudança do palácio para a zona Sul e o surgimento da chamada Cracolândia – área ocupada pelo tráfico de drogas e pela prostituição –  alterou a configuração do bairro. A calçada da Vitorino Carmilo foi ocupada por moradores de rua e houve roubo nas casas do Parque Savóia.

A solução encontrada por Salvatore para preservar o imóvel foi restaurar a vila e passar a alugar as casas para fins comerciais. Hoje o Parque Savóia abriga predominantemente escritórios. A ideia inicial era alugar as casas somente Caramanchão - Foto de Sylvia Leite - BLOG LUGARES DE MEMORIApara escritórios de arquitetura, mas Salvatore acabou recebendo também produtoras artísticas e empresas de comunicação, como a Agência Pública.  Sua entrada, antes completamente aberta, está fechada por um portão de ferro, de modo que a visita ao local só é possível com a autorização do proprietário ou de algum inquilino.

Parque Savóia: patrimônio histórico

A importância histórica do Parque Savóia foi reconhecida pelo Conselho de Defesa do Patrimônio Histórico, Arqueológico, Artístico e Turístico de São Paulo (Condephaat) em 2012. O tombamento foi aprovado, segundo o Condephaat, tanto por suas “qualidades arquitetônicas,  qualifidade do material de construção e sua perfeita integração ao ambiente urbano”, como pela “permanência das características de sua concepção original”.

A manutenção da vila, mesmo depois do tombamento, é feita exclusivamente pelo atual proprietário, que reclama da falta de apoio oficial para a manutenção do patrimônio histórico.

Chafariz com azulejos pintados - Foto de Sylvia Leite - BLOG LUGARES DE MEMÓRIAUma vila cinematográfica

A beleza e a importância histórica da vila fizeram dela um cenário cinematográfico. Filmes, novelas, séries e comerciais de Tv foram rodados em suas dependências. O mais famoso talvez seja o Castelo Rá-Tim-Bum – série infanto-juvenil com 90 capítulos, exibida pela TV Cultura na década de 1990. Mas o Parque Savóia abrigou também outras importantes produções como o curta-metragem Amigo Secreto (2004), dirigido por Marcio Salem, novelas das TVs Bandeirantes e Record, além de comerciais de perfumes e chocolates.

Recentemente, foram suspensas as gravações no local e não se sabe se voltarão a ser autorizdas. Segundo Salvatore Iungano, a decisão foi tomada para não incomodar os inquilinos nem atrapalhar seus negócios.

O espírito do Parque Savóia

Frase no portal de saída do Parque Savoia - Foto de Sylvia Leite - BLOG LUGARES DE MEMORIANão deve ter sido à toa que a charmosa vila italiana atraiu produtores televisivos e cinematográficos. Além de sua evidente beleza, o lugar exerce um fascínio pelas mensagens que veicula. Nas quatro inscrições citadas no início do texto, estão impressos valores filosóficos, além de princípios de convivência. A frase de autoria de Ulpianus, por exemplo, apresenta os preceitos do direito segundo aquele jurista romano: “viver honestamente, não prejudicar o outro, dar a cada um o que é seu”. E, na saída, inquilinos e visitantes deparam-se com uma quinta inscrição capaz de resumir, em duas palavras, o espírito que o proprietário quis dar à sua vila.  Angulus Ridet é um fragmento de verso do poeta Horácio, dirigido à cidade de Trento, mas, segundo o dicionário Priberan, “pode ser aplicado a qualquer lugar de que se gosta”. A tradução literal, ainda segundo o dicionário, é “Sorri-me este Cantinho”, mas há quem prefira uma versão mais livre e coloquial: Cantinho Feliz.1

Notas

  • 1 Há outras em São Paulo com a mesma característica do Parque Savóia. Caso da Vila Itororó

Parque Savóia – Campos Elísios – São Paulo – São Paulo – Brasil – América do Sul

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  • Sylvia Leite
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Linda Rivitti
Linda Rivitti
1 ano atrás

Sylvia, que demais!!! Nasci em SP e aqui vivo há 64 anos mas 
nunca tinha ouvido falar no Parque Savoia.
Adorei !!! Vontade de ir lá conhecer. Beijo.

Glicia Salmeron
Glicia Salmeron
1 ano atrás

Lugares como esse, que fazem parte da história e desenvolvimento da cidade de São Paulo, deveriam ter incentivo cultural, com acesso ao público. Fiquei curiosa, por conhecer. Mesmo que seja sem acessar ao interior da vila. Parabéns pela narrativa, sobretudo, como descreve os detalhes e seu significado, Silvia!

Joaquim Sobral
Joaquim Sobral
1 ano atrás

Não conhecia.
Como sempre é um prazer grande descobrir por você esse lugares improváveis.
Muito obrigado Sylvinha. ❤

salete jasmim
salete jasmim
1 ano atrás

Sylvinha, parabéns!
Nunca tinha ouvido falar desse lugar. Provavelmente quando for à SP irei conhecer. Matéria muito interessante. Beijo.

Sonia Pedrosa
1 ano atrás

Muito legal, Sylvinha! Eu que costumava explorar São Paulo nos finais de semana, tentando descobrir os segredos da cidade, não conhecia o parque Savoia. Seu texto me deixou curiosa. Quero muito conhecer.

Deyse
Deyse
1 ano atrás

Uau, que especial!! Eu já sabia que a comunidade de descendentes de italianos em Sao Paulo era grande, mas confesso que não conhecia a Vila Savóia. Adorei essa dica e já anotei ora conhecer.