Atualizado em 06/05/2024 por Sylvia Leite
Entrar em Óbidos à noite, fora dos períodos festivos, é como cruzar um portal do tempo presente para a Idade Média. Vielas vazias, escuras e silenciosas dispostas entre as muralhas, abrigam casas enfeitadas com flores naturais, tendo como pano de fundo um castelo construído pelos romanos e fortificado pelos árabes. Os tons são pastéis e a atmosfera é de sonho.
No dia seguinte, a realidade começa a surgir no colorido das flores e no interior das casas que, agora sabemos, são em sua maioria lojas, pousadas e restaurantes. O vazio da noite é substituído pelo ir e vir de turistas.
Para recuperar a atmosfera medieval, é preciso ir até as muralhas e perambular por elas como se fôssemos guardas reais ou mesmo como turistas, admirando suas sombras. Sem esquecer, claro, de olha para baixo, onde se aglomeram as tradicionais casas caiadas.
Embora pequena, Óbidos está repleta de lugares que podem prolongar a sensação experimentada nas muralhas como igrejas, museus, um aqueduto e uma capela encravada no portão principal da cidade, forrada de azulejos que exibem cenas da paixão de Cristo.
Esse clima medieval preservado ao longo dos séculos proporciona à cidade a sua principal fonte de renda: o turismo. A outra vem do licor de Ginja ou Ginjinha, feito com uma espécie de cereja selvagem abundante na região e servido tradicionalmente com uma fruta curtida no fundo do copo. Para aumentar o atrativo turístico, passaram a ser usados copinhos de chocolate.
Óbidos: um lugar com muitas histórias e múltiplas origens
Há divergências sobre as origens de Óbidos, mas de acordo com a maioria das fontes, a vila teria sido criada com o nome de Eburobrittium, em 380 a.C e pertencido sucessivamente a celtas, fenícios, romanos, visigodos e árabes até ser tomada desses últimos pelo rei Dom Afonso Henriques de Portugal, em meados do século 12, quando finalmente recebeu o nome que mantém até hoje.
Sobre esse episódio, corre uma lenda, conhecida como Lenda do Lidador ou Lenda da Porta da Traição, segundo a qual os cristãos portugueses teriam conquistado a cidade com a ajuda de uma jovem donzela que morava no castelo dos mouros, mas não tinha certeza de sua origem.
Segundo a narrativa, a jovem sonhou três noites seguidas com um homem de olhar doce que lhe indicava a estratégia a ser seguida pelos cristãos e pedia que ela levasse a informação a rei Dom Afonso. O plano era atacar de madrugada pela porta da frente a fim de concentrar a defesa na entrada da cidade e enviar o Lidador (espécie de chefe da batalha) junto com dez soldados para a porta dos fundos, que seria aberta pela jovem. A mensagem foi transmitida, o esquema executado e a jovem desapareceu para sempre. A partir desse dia, a porta traseira da cidade, com sua construção forrada de azulejos, ficou conhecida como a Porta da Traição.
Logo após a conquista, a Vila de Óbidos teria sido doada aos Templários e incluída por eles em um pentágono de defesa criado na região de Leiria, mas as informações sobre esses fatos são incompletas, contraditórias e a Vila de Óbidos nem sempre é incluída nos relatos sobre a presença dos Templários em Portugal.
No século seguinte à conquista pelos portugueses, o rei Dom Dinis ofereceu Óbidos de presente de casamento à sua esposa Dona Isabel. A partir daí, a cidade passou a pertencer à Casa das Rainhas e durante mais de 500 fez parte de seus dotes. Talvez seja essa a razão de uma vila tão pequena possuir tantas igrejas e outros importantes monumentos e de ter sido tão bem preservada ao longo do tempo.
De vila histórica a vila literária
Na falta de rainhas, a preservação de Óbidos depende hoje dos turistas e, para conquistá-los cada vez mais, a cidade tem recorrido a vários artifícios, como a Feira ou Mercado Medieval, que revive cenas da época de sua conquista pelos portugueses; um festival de chocolate e uma temporada anual de ópera, entre outros eventos.
A iniciativa mais recente teve entre seus exemplos inspiradores a brasileira Flip – Festa Literária Internacional de Paraty, que anualmente transforma a cidade, no litoral do Rio de Janeiro, em um reduto literário.
Batizada como Folio – Festival Literário Internacional de Óbidos, a festa portuguesa tem como sustentação um extenso projeto de incentivo à leitura e à produção literária, com potencial para a criação de novas memórias a serem preservadas. Na retaguarda, teve o apoio da Unesco, que incluiu a vila na Rede de Cidades Criativas.
Desde o seu início, o projeto Óbidos Vila Literária já proporcionou a abertura de residências artísticas, da Casa José Saramago, dedicada ao Nobel português de Literatura e de várias livrarias, entre as quais se destaca a de Santiago, instalada dentro de uma antiga igreja.1
Notas
- 1 Leia, aqui no blog, outras matérias sobre lugares, monumentos e/ou tradições de Portugal: Guimarães / Ponte 25 de abril / Azulejos Portugueses / Capela dos Ossos / Santuário de Fátima/ Palácio da Pena / Belém / Estação de São Bento
Óbidos – Leiria – Portugal – Europa
Fotos
- Sylvia Leite
Referências
- Site do projeto Óbidos Vila Literária
- Site da Sociedade Vila Literária de Óbidos
- Site da Fundação José Sarmago
Uma dádiva!!
Quero acreditar que a Lenda é verdadeira e o inconsciente se manifestou através do sonho. Esse sonho é muito arquetipico e lendas semelhantes sao comuns a varias conquistas.Parabéns Sylvia pela pesquisa. Augusta Leite.
Quero acreditar que a Lenda é verdadeira e o inconsciente se manifestou através do sonho. Esse sonho é muito arquetipico e lendas semelhantes sao comuns a varias conquistas.Parabéns Sylvia pela pesquisa. Augusta Leite.
Maravilha, Sylvinha… que lenda…! Adoro!
Incrível. Pelo texto já dá a sensação de ler uma história medieval, mesmo.
Que bom! Essa era a intenção rsrs Beijo.
Também gosto rsrs. Beijo Valeu1
Obrigada, Gusta. Beijo.
Tudo é possível. E seja como for, é bom conhecer as lendas, não é? Beijo.
Obrigada pelo comentário. É um lugar incrível. Beijo
Óbidos é lindo como todo Portugal.
É verdade, Ocenilda. Obrigada pelo comentário.
Mais uma excelente pesquisa Silvinha.
Maravilha.
Obrigada, Sidney. Beijo
Muito bom, Sylvia, gostei muito!!
Obrigada, viajante!Quinta que vem tem mais.
Sylvia, que maravilha! Acabo de revisitar Óbidos, através desse texto-memória. Beijos e até breve.
Memórias… Agregam significados aos lugares tornando suas paisagens mais encantadoras e fascinantes.
Obrigada, Pat. Bom saber que o texto te estimulou.
Obrigada, Mah.
Me senti de novo em Óbidos, obrigado por me fazer recordar uma lugar tão bonito. Mais uma vez parabéns
Obrigada, Neilton. É um lugar lindo mesmo e dá vontade de voltar.
Eu quero muito conhecer Óbidos em breve, justamente por toda a trajetória histórica e bens culturais que carrega. Adorei conhecer um pouco por aqui. Obrigada!
Eu que agradeço, Deyse. Muito bom saber que a matéria te ajudou de alguma maneira.