Atualizado em 29/04/2024 por Sylvia Leite
Imagine se você colocasse na porta de casa uma placa com o nome de sua música favorita. Agora sonhe mais um pouquinho e pense como seria se nas noites de sexta e sábado os violeiros da cidade viessem cantar essa música para você. Pode parecer coisa de literatura, mas em Conservatória, no interior do Rio de Janeiro, isso faz parte da rotina.
Quando chega o fim de semana, os músicos se reúnem para fazer seresta, que é a cantoria em ambiente fechado, entre 9h e 10h30 da noite. A partir das 11h a festa é na rua, em pleno sereno, e por isso se chama serenata. Os violeiros circulam a pé e param diante das janelas para tocar as músicas sugeridas em cada plaquinha. Não dá para atender todo mundo porque são mais de 400 placas. Quase toda casa do centro tem a sua.
História e histórias
A tradição vem de longe. Os primeiros músicos chegaram ao local no século 19, durante o ciclo do café. Eram professores de piano e violino e estavam ali para garantir a formação musical das famílias de fazendeiros. À noite, quando havia lua, eles se reuniam na praça da matriz para tocar e cantar.
As serenatas de porta em porta só iriam surgir no século seguinte. No começo eram feitas em frente a um casarão. Depois os músicos começaram a se deslocar pelas ruas e cantavam até altas horas em homenagem a amigos e namoradas.
Conta-se que nessa época houve um fato curioso: o fazendeiro Antônio Castelo Branco, de um povoado vizinho, transportou um piano por cerca de 20 km em cima de um caminhão para fazer uma serenata romântica. O destino era a casa de uma jovem de Conservatória conhecida como Lindoca com quem o fazendeiro desejava se casar. A estratégia deu certo e o pedido de casamento ao som de piano tornou-se, por muito tempo, o principal assunto da cidade.
Em toda casa uma canção
A ideia das plaquinhas veio dos irmãos José Borges e Joubert, que embora fossem do Rio de Janeiro, frequentaram Conservatória durante muitos anos e hoje são lembrados como seresteiros históricos, ao lado de seu antecessor Emérito Silva (Merito) e tantos outros, talvez menos famosos mas igualmente importantes.
A proposta era imortalizar os compositores gravando seus nomes junto aos nomes de suas músicas em placas que seriam colocadas nas principais esquinas de Conservatória. A aceitação foi tão grande que as placas passaram das esquinas para as casas.
O projeto era coordenado pelo Museu da Seresta e da Serenata criado pelos irmãos violeiros. Quem desejava ter uma placa na porta de casa precisava cumprir algumas etapas. Primeiro, escolher a música. Em seguida, verificar se ela não estava em nenhuma outra placa. A outra condição é que a música escolhida fizesse parte do cancioneiro popular.
Atualmente, a seresta é comandada por Edgard Cariêlo Vilela, o Edgard Seresteiro, que promete retomar o projeto das plaquinhas para que mais moradores tenham o privilégio de ter uma música de sua escolha tocada na porta de casa. Assim como nos velhos tempos, cada plaquinha deverá ser inaugurada ao som de voz e violão.
Conservatória de olho no futuro
Na época de José Borges e Joubert muitos temiam que com sua morte a tradição das serestas e das serenatas desaparecesse, mas os dois irmãos já partiram há algum tempo e o que se viu foi um crescimento da programação.
Além das serestas e serenatas, agora são feitas também as solenatas, chamadas assim porque saem em plena luz do dia, geralmente no domingo de manhã, quando os visitantes se despedem do fim de semana.
A fama de cidade musical fez com que Conservatória fosse ganhando, ao longo dos anos, novas manifestações. Uma delas é o carnaval antigo, realizado no mês de outubro, com músicas que já não são mais tocadas em outros lugares. Outra é o chorinho, que atrai multidões, especialmente nos sábados à tarde.
A cidade abriga também alguns museus dedicados a compositores como Sílvio Caldas e Vicente Celestino. Tem ainda um teatro que busca resgatar a memória da musica popular brasileira por meio da história de seus cantores.
Por trás de toda essa efervescência, esconde-se um trabalho silencioso, idealizado pela cantora Juliana Maia, que poderá garantir não apenas a sobrevivência das serenatas, mas a sustentação do perfil musical de Conservatória por uma nova geração de músicos. É um grupo de amigos incentivadores da cultura que proporciona aulas gratuitas de violão e violino para crianças e adolescentes da cidade. 1
Notas
- 1 Leia, aqui no blog, matérias sobre outras cidades do Vale do Café: Ipiabas / Vassouras /
- 2 Leia, também, sobre outras cidades históricas do Brasil: Paracatu / São Bartolomeu / São Cristóvão / Laranjeiras
Conservatória – Valença – Rio de Janeiro – Brasil – América do Sul
Fotos
- (1) Shellah Avellar
- (2,3,4) Juliana Maia
- (5,6) Divulgação
Para saber mais
- Os detalhes do que fazer e várias outras informações sobre Conservatória podem ser encontrados no blog Viajei Bonito
Maravilha!
Ah…Conservatória… maravilhosa! Ótimo registro, Sylvinha!
Beijo!
Morei do ladinho, em Ipiabas. Adorava passear pelas ruas e sonhar em ter uma casa com uma plaquinha de música na frente. Boba, né?
Que interessante! Ótimo registro!
Mais uma vez surpreendendo, amiga. Com essa linguagem impecável, e essas temáticas pitorescas, vamos fazendo da leitura breve uma nutrição.
um sonho maravilhoso, sem dúvida!
Que legal a tradição ter continuado. Lindo lugar e linda história!
Impressionante, não é?
Obrigada, Pablo. Assim você me faz chorar rsrsr Beijo.
Legal, né? beijo
Beijo.
Legal. Nunca tinha ouvido falar. A semelhança com "conservatório" (musical) será mera coincidência ? 🙂
É difícil de acreditar que exista um lugar como esse! Que a tradição continue viva!
É verdade, Carlos. Eu sempre fiquei muito impressionada com isso. E as plaquinhas nas casas são 'demais', não é?
Eu sempre pensei que sim, que esse nome tivesse alguma relação com conservatório de música. Conheço a cidade há mais de 30 anos. Mas agora que fui fazer a matéria vi que não. A palavra Conservatória, nesse caso, tem o sentido de cartório de registro porque lá eram feitos os registros pessoais dos integrantes de uma tribo indígena.
Encantada com essa reportagem sobre essa cidade musical, pode ser até chamada assim. Não tinha conhecimento dela. Parabéns prima, você sabe fazer muito bem o seu trabalho e passar todas essas maravilhas para termos mais conhecimento das coisas e lugares bons e bonitos do nosso Brasil. Obrigada.
Eu que agradeço pelo seu comentário e pela sua constância aqui no blog. Beijão, querida!
Adorei, Sylvinha!!
Excelente expressão da delícia que é estar em Conservatória, com toda essa sua peculiaridade. E, como bem colocado pelo amigo a cima, uma nutrição para quem lê, pois mesmo frequentadora assídua, desconhecia essas curiosidades adoráveis sobre as plaquinhas e o pedido com piano.
Ainda mais encantada pelo lugar!!
Obrigada, e parabéns
Janaína Zappa
Obrigada, Jana. Bom ouvir isso de quem vive ao lado e conhece bem Conservatória. Obrigada pelo comentário. Beijão
Essa postagem reforçou a vontade de conhecer Conservatória, cidade tão famosa por sua musicalidade. Parabéns
Valeu, Neilton! Você vai gostar. É linda! beijo
Pois ja estou sonhando em morar uma casinha assim…
Obrigada, Bebel. Você vai gostar.
Faça isso e me convide para passar um fim de semana rsrsr
Sem palavras que contenham tudo o que essa postagem expressa! Maravilha é pouco. vou fazer umas plaquinhas pro meu portão… bjs
Faça mesmo, Hilda. Acho que vou fazer uma para a minha também. Uma não, cinco hehehe
Linda história! Já tinha ouvido falar em Conservatória, mas não conhecia a sua história, muito interessante..Amei e gostaria muito de conhecê_la.. Parabéns!
Obrigada pelo comentário. Da próxima vez deixe seu nome. Adoro saber com quem estou falando rsrs. Abração!
Olá Sylvia,muito obrigado por revelar estas “jóias” da cultura do Brasil,apeasr de ser luso-moçambicano e da minha cultura ser maioritariamente portuguesa, não posso esconder a minha admiração pela cultura brasileira, desde há muitos anos,logo que comecei a ler revistas brasileiras,como O Cruzeiro e a sua secção “O Amigo da Onça” do famoso Péricles,passando por livros famosos como “os Capitães da Areia/Jorge Amado(que vi pessaolmente em Lisboa de passagem numa sessão de autógrafos na década de 60 do século passado..),e da música de Catano Veloso ,Roberto Carlos,Renata Miranda e tantos outros, que nos unem por termos em comum a mesma língua,já universal, o português !!
Continue a divulgar o Brasil tradicional como tem feito brilhantemente neste blog/sítio.Um beijo africano
PS-Junto a minha foto quando tinha cerca de 68 anos.
Obrigada, Manuel. Espero que continue lendo as matérias do blog. Caso deseje receber avisos de novas matérias, se inscreva na versão para computador ou envie seu numero de telefone com DD e DDI ( caso esteja fora do Brasil) para o email [email protected]
Seu artigo me ajudou muito, tem mais algum conteúdo relacionado? Obrigado!