Ipiabas: uma vila escondida no Vale do Café

Tempo de Leitura: 5 minutos

Atualizado em 08/05/2024 por Sylvia Leite

Portal de Ipiabas -Foto Luiz Antônio Zappa - BLOG LUGARES DE MEMÓRIACercada por cidades históricas e localizada bem ao lado de Conservatória – a famosa cidade da seresta – Ipiabas pode parecer, à primeira vista, apenas um lugar de passagem onde é possível viver momentos agradáveis em meio a um cenário natural. Seus atuais frequentadores foram atraídos tanto por essa característica como pelos vários eventos musicais e esportivos que a pequena vila passou a sediar. Mas é no Ciclo do Café que se concentra a riqueza cultural desse distrito de Barra do Piraí, no interior do Rio de Janeiro.

A Ipiabas histórica

Igreja de Ipiabas - Foto Luiz Antônio Zappa - BLOG LUGARES DE MEMORIAAté onde se sabe, os primeiros habitantes da região foram os Coroados – tribo formada a partir da assimilação dos Coropós pelos Goitacases de Campos. Os Coroados, por sua vez, dividiam-se em dois grupos: os Purús, que habitavam Valença, e os Araris, instalados em Rio Bonito (atual Conservatória) e em Ipiabas.

Desse período, tem-se poucas notícias. Os registros históricos da região só vão ter início no final do século 18, quando os colonizadores portugueses chegam à região em decorrência das sesmarias – a distribuição, pelo Estado, de terras destinadas à produção agrícola.

A localidade surgiu na primeira metade do século 19, impulsionada por fazendas de café e por uma zona eclesiástica – curato – da Igreja Católica – denominada Nossa Senhora da Piedade das Ipiabas o qual restou a igreja de mesmo nome erguida em 1870. Na época, pertencia a Valença, passando a Barra do Piraí somente um século depois. Não há informação disponível sobre as razões que determinaram a escolha do nome, mas sabe-se que, emEstação de Ipiabas -Foto de João Carlos Paulino aiva- BLOG LUGARES DE MEMORIA Tupi-Guarani, Ipiabas significa sardinha, ou aquele que tem a pele manchada.

Durante o Ciclo do Café, Ipiabas teve grande desenvolvimento, e foi marcada, como toda a região, pela escravidão e pelo desmatamento. Além de reunir grandes fazendas, sua vila era considerada um importante entreposto na rota do café. No casarão que hoje abriga o centro cultural, funcionava uma espécie de quartel conhecido como A Remonta – onde a Guarda Imperial descansava e fazia a troca de animais durante as viagens.

Ipiabas tinha também, uma das estações de embarque e desembarque mais movimentadas da Rede Mineira de Viação, que fazia o transporte de café do Sul de Minas para o Rio de Janeiro e de passageiros de Ipiabas para Barra do Piraí. O prédio resiste até hoje, e está à espera de uma já programada restauração.

Um túnel construído por escravos

Tunel Velho de Ipiabas - Foto Luiz Antônio Zappa - BLOG LUGARES DE MEMÓRIAUm dos monumentos mais significativos de Ipiabas é o chamado Túnel Velho, feito a pedido da Rede Mineira, para viabilizar a passagem dos trenspor uma rocha, hoje conhecida como Pedra do Gavião, que em seu ponto máximo chega a 250 metros de altura. Assim como outros túneis históricos do Estado do Rio, o Túnel Velho de Ipiabas foi aberto por escravos no século 19, mais precisamente em 1883, e permanece intacto, embora não esteja tombado.

Desde a desativação da Rede Mineira, em 1964, o túnel perdeu sua função original, e também os trilhos, mas não deixou de ser utilizado. Por baixo de seu arco passam hoje turistas e curiosos atraídos pela história de Ibiabas e pelas fazendas históricas, algumas delas abertas à visitação. O túnel também recebe a visita de moradores e frequentadores antigos que o elegeram como local de reflexão ou ponto de parada nos passeios pelas redondezas.

O Capitão Mata-Gente

Além de arquitetura histórica, Ipiabas guarda lendas e a mais conhecida delas é inspirada em uma história real, que tem como protagonista o empresário e fazendeiro Antônio Gonçalves de Morais. Não não se sabe, ao certo, onde termina o fato e começa a lenda. Conta-se que tudo começou quando um feitor da fazenda “Salto Pequeno”, de sua propriedade, foi morto por 20 escravos revoltados com os maus tratos que sofriam.Construção historica em Ipiabas - Foto Luiz Antônio Zappa - BLOG LUGARES DE MEMÓRIA

Para pagar pelo crime, os escravos deveriam ser enforcados. Mas se isso acontecesse, o fazendeiro teria um grande prejuízo, pois precisaria comprar mais negros para substituir a mão de obra perdida. Ele decidiu, então, ordenar aos escravos que jogassem o corpo do feitor no açude preso a uma pedra, para que não fosse encontrado. Como a polícia foi avisada, o corpo teve que ser retirado do açude e levado para um novo esconderijo, desta vez em uma bacia de cal virgem.

Mesmo com o corpo desaparecido, o fazendeiro foi processado e se livrou da cadeia com um pagamento de 60 contos de réis. A partir daí, outras histórias começaram a ser reveladas e Antônio Gonçalves de Morais ganhou o apelido de Capitão Mata-Gente. Segundo corria a boca miúda, ele pagava todas as mercadorias que comprava a caixeiros viajantes e depois os abordava na estrada para pegar o dinheiro de volta. Os que resistiam eram mortos e seus corpos iam parar no açude.

Os fiscais do governo, segundo a lenda, também eram vítimas do Capitão Mata-Gente, que foi o primeiro dono da fazenda Prosperidade, hoje aberta à visitação. Conta-se que embaixo de um alçapão, localizado em uma de suas salas, passava um córrego onde eram jogados os corpos dos fiscais que insistiam na cobrança de impostos.

O Vale do Café

Ipiabas integra hoje o destino turístico conhecido como Vale do Café, que reúne 15 municípios do Vale do Paraíba. É também um dos locais de realização do Festival Vale do Café – evento criado pela harpista Turíbio Santos, que realiza anualmente concertos musicais nas fazendas históricas, shows em praças públicas e oficinas de música para crianças. Conta, ainda, com uma programação musical e esportiva organizada por comerciantes locais.1

Notas

Ipiabas – Barra do Piraí – Rio de Janeiro – Brasil – América do Sul

Texto

Participação especial:

  • Luiz Zappa (Zappa Bar e Restaurante)

Fotos

  • (1, 2,4,5) Luiz Antônio Zappa
  • (3) João Carlos Paulino Paiva

Referências

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    Shellah Avellar
    3 anos atrás

    Sou suspeita para falar de Ipiabas, porque foi o meu refúgio e de outros arteiros que lá derramavam seus talentos. Alguns "até demais"…e que lá deixaram escorrer sons, poesias e outras modinhas.Embora a história de sua arquitetura possam deixar fixadas a recordação física…quando por lá eu passo,ecoam os acordes de violões, cavaquinhos,flautas,gaitas e folhas de fico.Muitos "causos" , risadas e muita camaradagem a céu aberto nas quatro estações que marcaram este coração barrense..Fica aqui o meu abraço para a jornalista Sylvia Leite ,que caminha por aí com olhos abertos pelos cantos do planeta.Até a próxima parada.

    Fatima Casa Nova
    3 anos atrás

    Muito bom!

    Val Cantanhede
    3 anos atrás

    A história da dita "civilização" é sempre marcada pelo genocídio das nações indígenas e dos africanos escravizados.
    A dívida social com esses povos é imensa e apoiar a luta para resgatá-la é o que deve nos mover nesses tempos em que o genocídio se explicita nessa pandemia.
    Sylvinha, estamos com saudades dos nossos encontros e diálogos.
    Abraços de Afonso e meu.
    Val Cantanhede

    romualdorsf@msn.com
    3 anos atrás

    passei minha adolescência, brincando carnaval no antigo clube de Ipiabas, marchinhas, bandas… muitas recordações. E até hoje sempre estou presente neste lugar maravilhoso e aconchegante…

    Mario
    3 anos atrás

    Acredito que merece uma visita. Nossa história não diverge muito de outros países colonizados e com envio de nossas riquezas para os dominadores.

    sonia pedrosa cury
    3 anos atrás

    Belo registro, Sylvinha!Parabéns!
    sonia pedrosa

    Mario
    3 anos atrás

    Acredito que merece uma visita. Nossa história não diverge muito de outros países colonizados e com envio de nossas riquezas para os dominadores.

    Hebe Carvalho
    2 anos atrás

    Que bacana esse seu post Sylvia, não conheço ainda Ipiabas. Achei realmente um local muitas histórias. Já quero conhecer essa vila escondida no vale do café.