Goa: uma cidade indiana com pitadas de Portugal e do Brasil

Tempo de Leitura: 6 minutos

Atualizado em 29/04/2024 por Sylvia Leite

Igreja católica em Goa - Foto de Mittal Patel em Pixabay - BLOG LUGARES DE MEMÓRIAQuem diria que em plena Índia – onde é normal vacas andarem pela rua, homens usarem turbantes e pessoas serem transportadas em riquixás -, seria possível encontrar igrejas católicas1, casas em estilo colonial e lugares com nomes tão familiares como Rua Conde de Redondo, bairro São Tomé ou Casa Couto? E que, para completar o estranhamento, você ainda poderia ouvir do motorista do táxi que o avô dele fala português? Assim é Goa – o menor estado do país em território e o quarto menor em população, localizado em sua costa Oeste.

A influência portuguesa em todo o estado e, especialmente, na capital Panaji (Pangim em português), é fruto de um domínio de aproximadamente 450 anos e vai muito além da arquitetura e de moradores Rua Conde de Redondo em Goa na Índia - Foto de Joshua Miranda - BLOG LUGARES DE MEMORIA Goa - Foto de Joshua Miranda por Pixabay - BLOG LUGARES DE MEMORIA mais antigos que preservam o idioma – menos de cinco por cento da população. O português está presente no sobrenome de muitas famílias, em cartazes de lojas e até na celebração das missas, pois apesar da religião predominante ser o Hinduísmo – cerca de 30% -, ainda há um grande número de católicos na região – aproximadamente 8% -, o que faz do Cristianismo a segunda maior religião do estado, na frente do Islamismo e do Janismo que já foram predominantes em determinados momentos históricos.

Nossa sensação de familiaridade com Goa pode se intensificar ainda mais em alguns pontos, como os restaurantes com cardápios em Português, ou igrejas consagradas a Santa Catarina ou a Nossa Senhora da Imaculada Conceição. O que não conseguimos reconhecer como nosso e nem como indiano pode ser creditado à longa história do lugar, que começa antes de Cristo e agrega muitas outras influências, tanto culturais como religiosas.Músicos hindus de rua - Foto de Vivek Chugh em Pixabay - BLOG LUGARES DE MEMÓRIA

Uma história milenar

Não se sabe exatamente quando Goa surgiu, mas algumas pinturas rupestres encontradas na região são consideradas os vestígios mais antigos de vida humana na Índia, o que pode indicar que esse pequeno estado deu inicio à povoação do país.

No século 3 Antes de Cristo, Goa pertencia ao Império Mauria – um dos maiores do mundo na Idade do Ferro – e, nesse período, que durou cerca de 200 anos, viveu sob duas orientações religiosas distintas e sucessivas: o Jainismo e o Budismo. Nos séculos seguintes houve uma sucessão de mudanças de poder, com consequente introdução de outras Templo hindu - Foto de Sylvia Leite - BLOG LUGARES DE MEMÓRIAreligiões como Islamismo e Hinduismo.

O período Ocidental só teve inicio em 1510, quando os portugueses tomaram Goa do sultanato de Delhi, que havia anexado a região dois séculos antes, e instalaram ali a sede do Estado da Índia Portuguesa, formada por Goa, Daman e Diu, Dadra e Nagar Haveli . Quando o restante do país tornou-se independente, em 1947, passou a reivindicar a posse desses territórios, mas a retomada só aconteceu em 1961, em uma ação do exército indiano que ficou conhecida como Operação Vijay (que significa “Vitória”).

Luminária no DiwLali - Foto de Sylvia Leite - BLOG LUGARES DE MEMÓRIADurante a maior parte do domínio português em Goa – e nesses outros territórios – o restante da Índia vivia sob o poder do império Britânico e essa talvez seja pelo menos uma das razões pelas quais o temperamento do Goes difere em muitos aspectos dos outros indianos. Um reflexo disso pode ser observado no rol de festas populares, que incluem Natal, Páscoa e Carnaval.

O Diwali em Goa

Se alguns aspectos de Goa nos dão a impressão de que estamos em Portugal, ou até mesmo no Brasil, há momentos em que o lugar assume inteiramente a sua condição de estado indiano, onde a maioria da população é adepta do Hinduísmo. Uma dessas ocasiões ocorre entre outubro e novembro, quando se realiza uma festa conhecida como Festival das Luzes ou Diwali (que significa fila de luzes).

Imagem do demônio Narasur a ser queimada no Diwali de Goa - Foto de Syvia Leite -BLOG LUGARES DE MEMÓRIAO propósito da celebração, que acontece anualmente em todo o país, na noite mais escura do outono, é comemorar a vitória do bem sobre o mal, da luz sobre as trevas e da sabedoria sobre a ignorância. E seu caráter é semelhante às celebrações do ano novo no Ocidente, por marcar o fim de um ciclo e o início de outro.

É o momento de pedir à deusa Lakshmi, da riqueza, que traga saúde e prosperidade para todos, e de comemorar a destruição do demônio Narasur pelo deus Krishna2 para que as pessoas e as cidades fiquem livres das más influências.

Embora as referências citadas sejam todas hinduístas, adeptos de praticamente todas as religiões participam do ritual, cada grupo à sua maneira, com narrativas próprias, mas guardando pelo menos um ponto em comum – o uso de luzes por toda parte.Restaurante em Goa - Foto de Sylvia Leite - BLOG LUGARES DE MEMÓRIA

Em Goa, além das luzes, o Diwali tem uma particularidade: na madrugada que antecede o dia mais importante da festa, imagens do demônio Narasur são destruídas em rituais que lembram a queima de Judas no Brasil.

A Goa moderna

Simultaneamente às antigas tradições indianas e portuguesas, Goa tem aspectos de modernidade que atraem viajantes do mundo inteiro e acabam reforçados por esse intercâmbio. A concentração de todo esse movimento está nas praias que nas décadas de 1970 e 1980 fizeram parte da rota dos mochileiros hippies. Muitas histórias se contam sobre o comportamento libertário dessa época.

Atualmente, uma grande parte dos visitantes de Goa é ligada aos esportes de aventura que envolvem carros e motos. Da era hippie restaram as festas, hoje animadas por um ritmo nascido naquela época – o Goa Trance.

Praia de surfistas com casas de madeira colorida - Foto de aakka aakka em Pixabay - BLOG LUGARES DE MEMÓRIADerivado do Trance europeu, mas enriquecido com elementos orientais e originários de diversas etnias, o ritmo Goes é considerado uma música de dança psicodélica por proporcionar maior harmonia com a natureza e estimular estados meditativos.

O turismo, com ajuda da mineração – ferro, bauxita, manganês, calcário, sílica e argilas -, faz desse pequeno território o estado mais rico da Índia, com o um PIB per capita duas vezes e meia maior que o do país como um todo. E, ainda assim, visitar Goa pode ser uma das experiências mais tranquilas que se pode ter em um destino à beira-mar, com direito a uma atmosfera mística e a coqueirais que lembram os do Brasil. 3

Notas

  • 1 As Igrejas católicas de Goa são listadas pela Unesco como Patrimônio Cultural da Humanidade.
  • 2 Esta é a narrativa dominante em Goa. Existem outras, dentro do próprio Hinduísmo, que envolvem distintos personagens, além das que são adotadas por adeptos de outras religiões.
  • 3 Leia, aqui no blog, outras matérias sobre a Índia: Raj Ghat, Gurudwara Bangla Sahib, Tilonia, Taj Mahal, Jantar Mantar , Tiloinia

Goa – Região Costeira do Conca – Índia -Ásia

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18 Comentários
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Nairson Socorro
5 anos atrás

Belo Texto Sylvia. Parabéns. Seu texto nos faz viajar, é uma verdadeira aula de cultura e conhecimento geral. Sucesso com seu blog.

Unknown
5 anos atrás

Vamos pedir a krishna que nos ajude um pouquinho, pois as mas influências estão sobrando na nossa terra…

sonia pedrosa cury
5 anos atrás

Que delícia, Sylvinha, viajar nas suas palavras…a gente chega a visualizar!!! Muito bom, parabéns

Val Cantanhede
5 anos atrás

Que delícia de texto, Sylvinha! Muito interessante e alvissareira essa diversidade cultural em Goa!
Abraços
Val Cantanhede

Sidney Menezes
5 anos atrás

Parabéns , mais um excelente passeio proporcionado.

Anônimo
Anônimo
5 anos atrás

Acho que já visitei Goa através do texto de Sylvia. Na Índia esse é o estado que mais me desperta curiosidade e agora muito mais. Augusta Leite Campos

Unknown
5 anos atrás

Bom dia.
Muito bom, acrescenta ao nosso conhecimento e aguça a nossa curiosidade.
PatabPar.

Unknown
5 anos atrás

Parece que é bem diferente do resto da Índia

Marcella
Marcella
1 ano atrás

Estive na Índia esse ano e, por mais que não tenha me apaixonado pelo país, considero voltar para conhecer Goa e outras praias. Deve ser bem curioso ver essas pitadas de português por lá 🙂