Atualizado em 05/06/2024 por Sylvia Leite
Pouco se fala sobre isso, mas se prestarmos atenção, veremos que a famosa Ponte Vecchio, um dos símbolos da cidade italiana de Florença, conhecida no mundo inteiro por sua singularidade, nada mais é que uma desordenada combinação de estilos. Ao pesquisarmos um pouco, veremos que ela é composta por pelo menos dois projetos arquitetônicos e inúmeros ‘puxadinhos’. A razão dessa charmosa mistura estética parece estar nas diversas utilizações que se fez da ponte ao longo da história, incluindo sua ocupação por estabelecimentos comerciais tão distintos como açougues e joalherias.
Até onde se sabe, a Ponte Vecchio original foi erguida em madeira, na Roma Antiga, provavelmente no século 1 Antes de Cristo. Depois de inundações, e consequentes reconstruções, sobre as quais pouco se sabe, a ponte chegou à sua estrutura atual em 1345. Foi construída em pedra, com três arcos de sustentação, a partir de um projeto arquitetônico de autoria indefinida. A dúvida gira em torno de dois arquitetos: Neri di Fioravanti, a quem se atribui os projetos de algumas igrejas italianas, e Taddeo Gaddi, mais conhecido como pintor. Há quem diga que os dois trabalharam juntos e coube a Gaddi o papel de mestre construtor.
Seja de quem for a autoria, o projeto já trazia originalidade. Foi provavelmente o primeiro no Ocidente a usar arcos rebaixados – um recurso arquitetônico que amplia a largura dos vãos e facilita o fluxo do rio, impedindo que a água e os detritos trazidos por ela se acumulem na ponte e pressionem sua estrutura, causando danos ou mesmo destruição.
Os charmosos ‘puxadinhos’
Quase cem anos depois (1442) de construída em sua versão definitiva, a Ponte Vecchio transformou-se no mercado de carnes e de peixes da cidade e isso fez nascer seu segundo fator de singularidade: os ‘puxadinhos’ sobre o Rio Arno.
A mudança dos açougues para a ponte foi determinada pelas autoridades sanitárias a fim de livrar as zonas residenciais do mau cheiro e do rastro deixado pelos açougueiros ao transportar ossos, espinhas e restos de carnes até o rio Arno, onde eram descartados. E foram os açougueiros e peixeiros que construíram, de forma desordenada, e ao modo dos famosos puxadinhos brasileiros, as estruturas que se projetam sobre o rio e dão um interessante volume às paredes da ponte.
Há quem diga que os açougueiros precisaram construir essas salas, para abrigar os ambientes de serviço, deixando à mostra no corredor da ponte apenas os produtos já prontos para venda. Outra versão afirma que os ‘puxadinhos’ começaram a ser feitos porque as lojas, que inicialmente pertenciam ao Município e eram alugadas, foram vendidas a seus ocupantes e eles se sentiram no direito de ampliar seus espaços, construindo inclusive quartos, terraços e até mesmo casas completas.
O Corredor Vasari
No século seguinte (1565), foi adicionado à ponte mais um elemento incomum: uma passagem elevada por cima das lojas, que faz parte de uma estrutura bem maior denominada Corredor Vasari ou Corridoio Vasariano, como se diz em Italiano. A passagem recebeu esse nome por ter sido projetada por Giorgio Vasari, mas seu verdadeiro dono era o governante da época, o Grão Duque Cosimo I de ‘Medici. O corredor liga o Palácio Pitti (ou Palazzo Pitti), residência da família Médici na época, ao Palácio Vecchio (Palazzo Vecchio) e à atual Galeria Uffizi, onde funcionavam, respectivamente, a sede do poder local e seus escritórios administrativos.
O propósito de Cosimo era poder se locomover entre os três pontos de forma privada, e, segundo se conta em Florença, ele não visava apenas obter conforto e privacidade, mas também proteção pois se sentia inseguro por não não contar com o apoio de uma parte significativa da população, entre outras razões, por ter substituído a República de Florença.
A obra foi concluída no tempo record de menos de seis meses. A razão da pressa teria sido, principalmente, o casamento de Johanna da Áustria. Cosimo queria impressionar os austríacos com seu corredor elevado, além de garantir a segurança de todos ao transitar pelo centro da cidade. A obra não só impressionou os convidados reais, como seguiu impressionando a todos nos séculos seguintes.
Pode ter sido obra sua, também, a transformação da Ponte Vecchio em um mercado de ouro e de jóias que permanece até hoje, exercendo fascínio sobre os visitantes por reunir de antiguidades aos designs mais modernos e inovadores. Mas isso custou a expulsão dos açougues e peixarias que já ocupavam a ponte há mais de um século.
O motivo da mudança foi o incômodo provocado aos Médici pelo cheiro de carne e de peixe quando eles cruzavam a ponte dentro do Corredor Vasari. Algumas fontes afirmam, no entanto, que essa substituição só ocorreu em 1596, determinada por Ferdinando I, o quarto filho de Cosino.
Outros fatos curiosos da Ponte Vecchio
Curiosidades não faltam na história da Ponte Vecchio. Uma das mais conhecidas é o surgimento do termo ‘bancarrota’. Conta-se que na época dos açougues e peixarias, quando um comerciante não conseguia pagar suas dívidas, os guardas quebravam suas instalações e dizia-se que ele teve seu ‘banco roto’, o que em Português acabou ficando banca rota ou bancarrota.
Mais uma história surpreendente: é possível que a beleza e singularidade da Ponte Vecchio a tenha livrado da destruição durante a Segunda Guerra Mundial, quando as tropas nazistas bombardearam todas as outras pontes da cidade. Acredita-se que a ordem de poupá-la tenha vindo do próprio Adolph Hitler, que teria visitado o Corredor Vasari algum tempo antes, a convite do dirigente fascista Benito Mussolini.
Outra curiosidade é o hábito de pendurar cadeados na ponte, especialmente nas grades que cercam a estátua de Benvenuto Cellini – um artista que foi considerado o ourives mais importante de Florença. O hábito é inspirado na crença do amor eterno. Acredita-se que, ao fixar os cadeados, os casais adquirem a garantia de que permanecerão unidos para sempre. Ao longo dos séculos, essa tradição trouxe problemas à administração municipal, que precisava fazer a retirada permanente dos cadeados. A fim de minimizar o problema, foi criada uma multa pesada para quem for pego fixando cadeados em qualquer parte da Ponte Vecchio.
A estátua de Benvenuto Cellini foi feita em bronze pelo escultor florentino Raffaello Romanelli, que se tornou conhecido no mundo inteiro pela autoria de bustos de pessoas famosas. O monumento está localizado na parte central da ponte, no único trecho em que não há lojas e os visitantes podem admirar o Rio Arno.1
Notas
- 1 Leia, aqui no blog, matérias sobre outros lugares especiais da Itália: Pontes de Veneza / Panteão / Murano / Assis / Fontana di Trevi /
Para saber mais
- Conheça o Palácio Vecchio, citado nesta matéria, em postagem do blog Família que Viaja Junto
Ponte Vecchio – Rio Arno – Florença – Toscana – Itália – Europa
Fotos
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- (5) Centro Vasco de Arquitectura
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Que
Eita, Val, sua mensagem não entrou completa. Mas valeu a intenção. bj
Ah, eu adoro Florença, e a Ponte Vecchio é realmente muito charmosa. Parabéns pelo post e obrigada por compartilhar.
Eu que agradeço, Elizabeth. Pela leitura e pelo comentário. Volte sempre!
Realmente a Ponte Vecchio é mesmo uma charmosa mistura de estilo e memórias. Sem contar que um lugar obrigatório na linda Florença. Fiquei encantada com cada cantinho e com a vista desse lugar.
É uma ponte encantadora mesmo. Diferente de todas as outras.
Muito legal, Sylvinha! ótimo registro!
Valeu, Soninha!!bj
Que maravilha conhecer a história, "poder viajar". Grata!
Eu que agradeço. Pela leitura e pelo comentário. Da próxima vez me diga seu nome.
Que interessante essas curiosidades sobre a ponte Vecchio. Não conhecia a origem do termo bancarrota.
Legal descobrir essas coisas, né? Que bom que gostou.
Quanta informação é curiosidade bacana sobre a Ponte Vecchio. Confesso que não sabia detalhes sobre dela. Realmente uma charmosa mistura de estilos e memórias.
Que bom que gostou, Deyse. Volte sempre. Informação é o que não falta por aqui.
Sempre como excelentes matérias.
Valeu, Maggio. Obrigada pelo comentário.
Belo conteúdo!
Obrigada, Marcus, volte sempre! Toda semana tem matéria nova por aqui.
Adorei saber essas curiosidades sobre a Ponte Vecchio! Essa parte do corredor secreto eu já tinha lido no livro o Banco di Médici, que conta a história da família.
É gostoso saber a história e os segredos de cada lugar, não é, Alexandra? Todas as matérias aqui do blo têm essa pegada. Volte sempre.