Atualizado em 01/05/2024 por Sylvia Leite
Quem de vocês, leitores, já entrou em um museu de Tipografia? Pergunto isso porque mesmo sendo jornalista, o que me leva naturalmente a ter todo interesse pelo tema, eu nunca havia entrado. A razão é simples: o Museu Tipografia Pão de Santo Antônio, que visitei recentemente em Diamantina- Minas Gerais, é o único do gênero no Brasil, único também na América Latina e um dos quatro que existem em todo o mundo.
Como se tudo isso não bastasse, o museu foi instalado no local onde até a década de 1990 funcionava uma gráfica de jornal e preserva todo o seu patrimônio tipográfico e jornalístico. Mais que isso: o maquinário remanescente foi restaurado e encontra-se em perfeito estado de funcionamento, de modo que o visitante pode vivenciar todo esse patrimônio em movimento.
São impressoras, clichês, prelos, cavaletes, tipos móveis, gavetas componedores, que além de comporem o acervo do Museu Tipografia, funcionam em circunstâncias especiais que vão de publicações esporádicas a projetos educacionais. Isso sem falar na Hemeroteca com quase quatro mil exemplares dos dois jornais – Pão de Santo Antônio e Voz de Diamantina – que se sucederam e foram compostos e impressos no local durante quase todo o século 20, mais precisamente de 1906 a 1990.
Impressão tipográfica: um marco histórico
Embora seja focado na memória dos dois jornais que funcionaram no local e da associação que os mantinha, o Museu Tipografia foi concebido com horizontes mais alargados, o que o torna representativo da Tipografia como técnica histórica de impressão. Isso engloba tanto a memória material, representada por máquinas, móveis adaptados e ferramentas, como seu património imaterial composto pelas técnicas e saberes desse tipo de produção gráfica.
A Tipografia, para quem não sabe, foi um marco na história mundial pois permitiu que os textos circulassem de forma mais ágil e, consequentemente, com maior alcance. Mas, ao contrário da impressão atual, baseada em sofisticados processos tecnológicos, a Tipografia manteve uma característica artesanal ainda muito próxima do trabalho do copista que, antes do seu surgimento, reproduzia os textos à mão, com sua própria caligrafia.
O trabalho do tipógrafo consistia – ou consiste, pois ainda há quem utilize a técnica de forma artística – na composição de textos letra por letra e linha por linha. Os tipos eram guardados em gavetas de forma que, com a prática, o tipógrafo soubesse intuitivamente em que lugar encontrar cada um deles a fim de agilizar seu trabalho. Misturar os tipos significava inviabilizar o trabalho do tipógrafo pelo menos por um tempo e houve, na história, quem fizesse isso de propósito, especialmente em jornais e por razões políticas – prática autoritária que era conhecida como empastelamento.
O visitante do Museu Tipografia tem acesso a todo esse conhecimento, ao mesmo tempo que se informa sobre os dois jornais que foram impressos na gráfica por quase um século e sobre a instituição beneficente que lhes deu origem.
A história do Museu Tipografia
Tudo começou em 1901, quando foi criada a Pia União do Pão de Santo Antônio – uma irmandade religiosa masculina que tinha o objetivo de assistir pessoas abandonadas e ex-escravizados, especialmente idosos. O asilo, que hoje ocupa um quarteirão, foi inaugurado no ano seguinte com apenas uma pequena casa e abrigou inicialmente seis ex-escravizados. Era conhecido como Vila dos Idosos ou Cidade dos Pobres.
Cerca de quatro anos depois, em 1905, a doação uma misteriosa e peculiar imagem de Santo Antônio, que encontra-se até hoje na capela do asilo, fez com que o presidente da associação mudasse o nome do asilo que passou a ser chamado de Vila dos Idosos para Recolhimento dos Pobres do Pão de Santo Antônio.
A fim de ganhar sustentabilidade, a associação, que até então se mantinha por meio de doações, decidiu criar o jornal Pão de Santo Antônio, que acabou ganhando espaço na sociedade local, mas atritos com a Igreja Católica interromperam sua publicação em 1934. O jornal só voltou a circular dois anos depois, com um novo nome: Voz de Diamantina.
O jornal Pão de Santo Antônio já nasceu com estrutura própria, empregando jornalistas, tipógrafos, gravadores e impressores e essa estrutura passou a ser usada pelo Voz de Diamantina até 19901. A gráfica, hoje transformada em Museu Tipografia, está localizada dentro do prédio da entidade que também abriga o asilo e uma capela.2
Notas
- 1 Em 2001, o Voz de Diamantina foi reativado em 2001, nas comemorações do centenário da Associação Pão de Santo Antônio, e passou a ser impresso em gráficas rápidas o que se mantém até hoje
- 2 Leia, aqui no blog, matérias sobre outros lugares especiais do Vale do Jequitinhonha: Joias de coco e ouro / Curralinho / Gruta do Salitre / Vila do Biribiri / Chapada do Norte
- 3 Leia, também, sobre outros museus brasileiros: Museu de Imagens do Inconsciente / Museu da Gente Sergipana / Museu de Xingó / Museu Casa de Portinari / Casa do Rio Vermelho
Museu Pão de Santo Antônio – Diamantina – Vale do Jequitinhonha – Minas Gerais – Brasil – América do Sul
Fotos
- Sylvia Leite
Participação especial:
- Marisa Mattua Portela da marca de jóias Marisa Portella
Referências
- Site oficial do Museu Tipografia
- Site da Associação Pão de Santo Antônio
Agradecimentos
- Emanoel Ricardo Maria - Secretário e historiador do Museu Tipografia
Obrigado Sylvia pela notícia do Museu da Tipografia no seu país, parabéns aos que tiveram a iniciativa de o ter criado como referência histórica dessa arte milenar, que os meus antepassados(meu Avô Manuel Arnaldo da Silva, meu Pai Arnaldo da Silva, meu tio Manuel Augusto da Silva e de muitos moçambicanos, a partir de 1910, tão abnegadamente ajudaram a criar em Moçambique, através da Tipografia Minerva Central, aqui em Maputo, na então cidade de Lourenço Marques, ainda existente como Minerva Gráfica mas com equipamento totalmente moderno/computarizado.
Continue na sua pesquisa de factos históricos como o que nos presenteou, para bem das futuras gerações. Um abraço. Manuel Silva. Maputo. Moçambique.
Nossa, Manuel, que legal saber que esta matéria chegou até você em Maputo – Moçambique. Obrigada pela leitura e pelo comentário. Se puder, nos ajude a divulgar o blog Lugares de Memória em seu país. Grande abraço e parabéns pelos feitos de sua família na Tipografia Minerva Central.
Amo esse tipo de conteúdo que valoriza a história e a memória. Adorei seu texto sobre o Museu de Tipografia, memória gráfica e jornalística.
O Museu Tipografia é muito interessante mesmo. Obrigada pela leitura e pelo comentário.
Que bacana, não sabia da existência do museu de Tipografia. Fiquei curiosa para conhecer, ainda mais por ser aqui tão pertinho em Minas. Sylvia, você sempre com informações importantes e interessantes. Parabéns!
Obrigada, Hebe. Volte sempre! Você vai gostar do Museu Tipografia.
Ótimo regate, Sylvinha. Eu nunca visitei um museu da tipografia e foi bom saber que ele existe, aqui, pertinho da gente. Adoraria conhecer esse museu, com certeza.
Siiimm. o Museu Tipografia é muito especial. Vale a pena conhecer.