Brodowski: a eterna casa de Candido Portinari

Tempo de Leitura: 7 minutos

Atualizado em 29/04/2024 por Sylvia Leite

Museu Casa de Portinari em Brodowski - Foto de Sylvia Leite - BLOG LUGARES DE MEMÓRIAA cidade tem pouco mais de 20 mil habitantes e, aparentemente, quase não difere de suas vizinhas. Mas é ali, na pequena Brodowski, que se concentra praticamente toda história de Cândido Portinari, o pintor brasileiro que alcançou maior projeção internacional.

Embora tenha saído de casa aos 15 anos para estudar pintura no Rio de Janeiro, e vivido na França e no Uruguai (neste último, exilado), Candinho – como era chamado pelos mais íntimos – nunca desgrudou de sua terra natal. Foi nela que ensaiou os primeiros traços e foi em torno dela, e do que presenciou ali, que girou quase toda sua obra, cuja temática oscila especialmente entre o cenário rural do interior, os temas históricos e a religião católica, adotada também por sua família.

Maquete do Museu Casa de Portinari em Brodowski - Foto de Sylvia Leite - BLOG LUGARES DE MEMÓRIADesde o final da década de 1960, a casa onde viveu sua infância, junto com as pinturas murais que fez nas paredes depois de adulto, está tombada pelas instituições de patrimônio histórico e artístico. No local funciona o Museu Casa de Portinari – um acervo de afrescos, têmperas e desenhos, além de objetos pessoais, utensílios domésticos e elementos arquitetônicos ou decorativos que revelam o universo do artista.

A vida em Brodowski

Cândido Portinari nasceu na fazenda Santa Rosa, onde seu pai, imigrante italiano, trabalhava na lavoura de café, masFoto da família exposta no Museu Casa de Portinari - Foto de Sylvia Leite - BLOG LUGARES DE MEMÓRIALUGARES DE MEMÓRIA- Matéria Brodowski - Foto Sylvia Leite quase toda sua infância se passou na casa que virou museu. Por volta dos seis anos, o artista já desenhava: “eu fazia uma maçã, dentro da maçã fazia uma mesa e em cima da mesa punha outra maçã. Pintei isso não sei quantas vezes”, contou ao amigo e biógrafo Antonio Callado.

Quando ainda estava no grupo escolar, Portinari teve sua primeira experiência profissional. Foi como ajudante de um grupo de artistas que chegaram a Brodowski para decorar a igreja com a técnica de spolvero. Logo depois, conheceu um ‘frentista’ – chamado assim porque esculpia anjos em frente à igreja – e, trabalhando com ele, recebeu seu primeiro pagamento: um patacão de dois mil réis.

Fotografia e objetos no Museu Casa de Portinari - Foto de Sylvia Leite - BLOG LUGARES DE MEMÓRIAEsse ambiente religioso acabou levando o artista à temática sacra, uma das mais presentes em sua obra, apesar do seu confessado ateísmo. Além de estar no centro de suas primeiras experiências artísticas, a religião fazia parte do dia a dia da família, especialmente da avó paterna, Pellegrina, para quem, mais tarde, ele construiu e pintou uma capela no jardim da casa.

De Brodowski para o mundo

Um de seus trabalhos mais famosos foi feito para uma igreja: a de São Francisco de Assis, na Pampulha. São 14 telas que descrevem a Via Crúcis. Portinari também é autor da pintura do altar-mor e do painel externo, feito em azulejos, que conta a história do santo.

Traje usado por Portinari - Foto de Sylvia Leite - BLOG LUGARES DE MEMÓRIAMas foram os temas rurais, especialmente os de cunho social ou histórico, que o tornaram famoso no mundo inteiro. Ele pintou os meninos de Brodowski, porque foi um deles. Pintou os lavradores de café, nos quais se incluía seu pai e pintou também os retirantes porque não se conformava com as injustiças sociais. Chegou a ser candidato a deputado pelo partido comunista e conta-se que comemorou a própria derrota porque durante a campanha se deu conta de que não queria parar de pintar para ser político. Um pouco por essa filiação ao comunismo, e outro tanto por causa da maneira como retratou São Francisco ao lado de um cachorro, a obra de Portinari na Pampulha não foi aceita pelo arcebispo da época e passou anos sem ser utilizada para celebrações.

Entre as conquistas que marcaram sua carreira estão a menção honrosa para a tela Café, em uma exposição internacional do Carnegie Institute, de Pittsburgh, nos Estados Unidos (1935), a medalha de ouro do II Congresso Mundial de Partidários da Paz, realizado em Varsóvia (Polônia), pelo painel Tiradentes (1950) Quarto mobiliado no Museu Casa de Portinari - Foto de Sylvia Leite - BLOG LUGARES DE MEMÓRIAe a medalha de ouro concedida pelo Internacional Fine-Arts Council, de Nova York, como o melhor pintor do ano (1955).

Outro significativo momento de sua carreira foi a produção da obra Guerra e Paz, encomendada pelo governo brasileiro para a sede das Nações Unidas, em Nova Iorque. Assim como as pinturas da Pampulha, esses enormes painéis são conhecidos de muitos. Se não ao vivo, pelo menos nas reproduções, que estão em livros, folhetos, sites e blogs. Mas talvez não seja tão grande o número de pessoas os que já tiveram acesso, em Brodowski, às pinturas murais preservadas na antiga residência da família e ao universo familiar no qual Portinari forjou sua arte.

O Museu Casa de PortinariJardim no Museu Casa de Portinari - Foto de Sylvia Leite - BLOG LUGARES DE MEMÓRIA

O que primeiro se vê ao chegar ao local são os jardins, que eram cultivados por sua mãe, dona Domingas, e hoje conservam elementos da época em que os Portinari viviam ali – caso dos canteiros projetados pelo artista que formam a palavra Dio (Deus em Italiano).

Lá dentro, hábitos e gostos continuam a ser revelados. Pequenos cômodos exibem desde as partes sociais até as mais íntimas, como quartos e banheiros, passando pelo escritório onde ainda se pode ver muitos dos seus instrumentos de trabalho.

Fotografias e recursos eletrônicos ajudam no resgate histórico da carreira e da vida familiar. Mostram que PortinariCadeira e apetrechos de pintura sobre mesa no Museu Casa de Portinari - Foto de Sylvia Leite - BLOG LUGARES DE MEMÓRIA foi o segundo de 12 filhos e que sempre recebeu apoio de todos em seu desejo de ser artista. Revelam a lógica de uma casa construída ao longo dos anos, sem qualquer planejamento, ampliando-se de acordo com as necessidades e as possibilidades da família.

Nas portas e janelas, um azul escuro nos remete à cor que ganhou fama nas telas do artista e ficou conhecida como “Azul Portinari”. As paredes exibem um total de vinte pinturas murais – dezessete do próprio Portinari e três de pintores amigos. Chamam grande atenção o perfil da avó materna Maria Torquato e a imagem de São Francisco.

Um dos afrescos foi descoberto recentemente, durante as obras de restauração da casa, que duraram cerca de dois anos e revelaram quinze camadas de tinta em suas paredes. É uma madona segurando um menino Jesus. Depois de um longo estudo, chegou-Quadro São Francisco no Museu Casa de Portinari - Foto de Sylvia Leite - BLOG LUGARES DE MEMÓRIAse à conclusão de que a autoria é mesmo de Portinari com a participação de um ajudante ainda não identificado.

O que mais impressiona, no entanto, é a Capela da Nonna presenteada à avó. É tão pequena que parece mesmo ter sido feita para uma só pessoa. Em compensação, toda a extensão de suas paredes está coberta por pinturas murais. São imagens de Jesus Cristo e dos santos preferidos de dona Pellegrina retratados com a aparência de amigos e familiares. São Pedro, por exemplo, teve como modelo Batista Portinari, o pai de do artista.

Entre Brodowski e Batatais Capela no Museu Casa de Portinari em Brodowski- Foto de Sylvia Leite - BLOG LUGARES DE MEMÓRIA

O Museu Casa de Portinari já seria motivo suficiente para a viagem, mas quem chaga até lá não pode perder a oportunidade de conhecer uma outra parte das cerca de 5 mil obras deixadas pelo artista. A primeira parada é a Capela de Santo Antônio, ainda em Brodowski, que exibe no altar uma enorme imagem do santo. O quadro foi doado por Portinari com a condição expressa, registrada no Termo de Doação, de que nunca saia da igreja.

Na vizinha Batatais, que fica a menos de 20 km do Museu Casa, encontram-se mais 23 obras. É o maior acervo sacro do artista no qual se inclui uma Via Crucis pintada especialmente para decorar a Igreja Matriz do Senhor Bom Jesus da Cana Verde e o painel “Jesus e seus apóstolos”, que decora o altar. Entre 2009 e 2013, as obras estiveram em risco de decomposição por desgaste natural, infiltrações e ataques de cupins, mas depois de uma batalha judicial e 10 meses de trabalho, as obras Painel de Portinari em Batatais- Foto de Sylvia Leite - BLOG LUGARES DE MEMÓRIAforam restauradas e devolvidas à igreja.

Da pintura à poesia

Portinari sabia que seu meio de expressão era a pintura. Quando um médico tentou encorajá-lo a iniciar outra atividade longe das tintas, a fim de não agravar a contaminação por chumbo que acabou lhe tirando a vida, ele respondeu que se não fosse pintor, seria pintor. Por outro lado, sempre se declarou apaixonado pela poesia.

Ao ser entrevistado por seu amigo e biógrafo Antonio Callado, explicou assim o fato de Chagall ter sido o pintor que mais o fascinou quando morou na França: “A poesia sempre me venceu e Chagall é um pintor poético. Quando vejo um tema poético realizado em pintura fico com inveja.”

De tanta paixão, acabaram saindo muitos versos. Alguns sobre as coisas, outros sobre ele mesmo:

Sou o fio d’água furtado
Pelas areias. Todas as coisas
Frágeis e pobres
Se parecem comigo.

Mas Portinari não estava mais aqui quando seus poemas foram editados pela Livraria José Olympio Editora, em 1964, com introdução de Antonio Callado, nota de Manoel Bandeira e um poema de Vinícius de Moraes.1

Notas

Museu Casa de Portinari – Brodowski – São Paulo

Texto

Fotos

  • Canteiros: Site do Museu
  • Todas as outras fotos: Sylvia Leite

Referências

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32 Comentários
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Margareth
5 anos atrás

Adoro esse blog!
Adorei a matéria! Vontade de ir pra Brodowski!

Jane Alves
5 anos atrás

Através de seu blog a gente toma intimidade com Porinari e seus lugares, quase como se fôssemos seus vizinhos, contemporâneos. E dá mesmo vontade de ir lá curtir, conferir. Parabéns, Sylvinha!

Val Cantanhede
5 anos atrás

Mais um texto gostoso de se ler, Sylvinha, com sabor de "quero mais". Muito bom conhecer peculiaridades da vida desse artista genial, que sempre valorizou suas origens humildes.

Virginia Finzetto
5 anos atrás

Que maravilha de roteiro. Este blog é minha agenda de viagens! Boralá.

Anônimo
Anônimo
5 anos atrás

Damos pouco valor ainda aos nossos artistas. Vamos para museos na Europa e nos Estados Unidos e não pensamos em ir ao interior de Sao Paulo ver a obra de nosso genial Portinari. Que bom Sylvia esse resgate de seu texto.
Augusta Leite Campos

Anônimo
Anônimo
5 anos atrás

Vi seu texto sobre o Portinari. Belíssimo. Valeu a viagem, não? Menalton

LeoSV
3 anos atrás

Além de conhecer onde ficar o Museu Casa Portinari pude aprender um pouco mais sobre o próprio Portinari, o que só aumentou a vontade de conhecer o museu. Espero um dia poder visitar.

Fabíola
Fabíola
3 anos atrás

Adorei saber que existe um museu sobre Portinari em sua terra natal, Brodowski. Interessante conhecer a casa e origens do pintor.

Gisele Prosdocimi
3 anos atrás

Que oportunidade especial conhecer Brodowski: a eterna casa de Portinari pelo seu olhar, Sylvia. Adorei seu relato sobre a história deste importante artista brasileiro e referência mundial para a arte. Parabéns e obrigada!

Victoria
3 anos atrás

Adorei saber sobre Brodowski, a eterna casa de Portinari além da história de vida e profissional desse artista incrível. Texto gostoso de ler e super interessante!

Sabrina Albuquerque
Sabrina Albuquerque
3 anos atrás

Sempre que eu leio ou ouço falar em Brodowski eu lembro de Cândido Portinari. A julgar pelas tuas fotos, a casa está bem preservada.

marcela
marcela
2 anos atrás

Que interessante saber mais sobre as atrações de Brodowski e por tabela de Portinari! Fiquei com vontade de conhecer

Angela Martins
Angela Martins
2 anos atrás

Não conhecia Brodowski! Belo post! Fiquei com muita vontade de visitar o Museu casa de Portinari

Sonia Pedrosa
1 ano atrás

Que incrível, esse museu. Adoro visitar as casas onde viveram essas pessoas que a gente admira. Volto no tempo. É uma sensação muito boa!

ALEXANDRA MORCOS
ALEXANDRA MORCOS
1 ano atrás

Eu adoraria conhecer Brodowski, a casa de Portinari, pois sou fã desse artista e sou apaixonada por sua obra. Seu post vai me ajudar muito quando eu for visitar o local!

Marcella
Marcella
1 ano atrás

Adorei o post. Quase fui pra Brodowski uma vez, mas acabou não dando certo. Estava pensando em ir de novo e você me inspirou a planejar esse passeio. Obrigada