Atualizado em 01/05/2024 por Sylvia Leite
Quem busca ar puro e tranquilidade certamente vai se encantar com a Vila do Biribiri , no município mineiro de Diamantina, porque além de isolada e silenciosa, tem como paisagem de fundo Serra do Espinhaço e está bem próxima a cachoeiras deslumbrantes. Mas aqueles que, além disso, gostam de História e Arquitetura, certamente não terão melhor escolha na região do Alto Jequitinhonha. A vila guarda a memória de uma fábrica de tecidos criada no século 19 – a Estamparia S.A. – e muito do que havia naquela época permanece praticamente intacto graças ao tombamento, em 1998, pelo Instituto Estadual do Patrimônio Histórico e Artístico (Iepha).
O que chama mais a atenção no conjunto arquitetônico é a Igreja do Sagrado Coração de Jesus erguida em 1876 – um ano antes da inauguração da fábrica -, que teve seu sino fundido na própria indústria têxtil e ostenta um relógio doado pela Família Real.
Mas isso é apenas uma pequena parte do patrimônio histórico da Vila do Biribiri. Além das 33 casas, da igreja e dos galpões da indústria, a vila possui um casarão que funcionava como dormitório feminino e era chamado de convento ou pensionato. Tudo isso – com exceção da fábrica – se dispõe em torno ou na lateral de uma praça. As construções são, em sua maioria feitas de taipa, com telhados em capa e bica, mas há outras com estrutura de adobe e alvenaria, que foram cobertas por telhas francesas.
Biribiri é o nome do rio que banha a região e cujas águas serviram de força motriz para uma pequena usina que acionava o maquinário da fábrica. Provavelmente tem origem Tupi e, segundo várias fontes, quer dizer buraco fundo, em alusão à condição geográfica da vila, no pé da montanha, mas, segundo dicionários como o Michaelis online e o Priberan, Biribiri é o nome de um peixe de coloração cinza prateada que vive na Amazônia e nas Guianas. Segundo o Dicionário Informal, é o nome de uma fruta azeda, da família da carambola. E até onde pude pesquisar, o nome não aparece em dicionários de Tupi-Guarani 1. Seja como for, o importante é que a Vila do Biribiri e sua antiga fábrica têm muito a nos contar.
Quase cem anos de atividade
História é o que não falta ao povoado e à indústria, que começou em 1877 com apenas 63 operários – em sua maioria mulheres e meninos – e chegou a 300 na primeira metade do século 20, quando alcançou o ápice da produção. O maquinário foi adquirido em Massachussets, nos Estados Unidos, e para chegar até a vila precisou cumprir várias etapas em navio, trem, jangadas e até em carroças e lombos de burros.
A vila e a indústria foram criadas e tocadas inicialmente pelo então bispo de Diamantina Dom João Antônio Felício dos Santos e seus irmãos mineradores. A fábrica foi definida como uma obra social sem fins lucrativos, com o propósito de empregar moças pobres do Vale do Jequitinhonha e financiar obras de caridade da igreja. Era um momento de transição entre a escravidão e o trabalho remunerado, quando já estavam em vigor a Lei do Ventre Livre e Lei Eusébio de Queiroz – que proibia o tráfico de escravizados – , faltando apenas 11 anos para a promulgação da Lei Áurea.
Mas o bispo e seus irmãos só estiveram à frente do empreendimento durante três décadas. Em 1908, o controle da fábrica e da Vila do Biribiri passou ao Banco Hipotecário do Brasil e, depois, sucessivamente, a duas famílias: inicialmente os Duarte e, posteriormente, os Mascarenhas, que encerraram as atividades industriais na vila em 1973.
A religiosidade na fábrica e no povoado
Mesmo com as mudanças de administração ocorridas ao longo do tempo, a indústria e a Vila do Biribiri parecem ter sido conduzidas, em todo o seu período produtivo, por uma religiosidade que incentivava a observância de preceitos morais, especialmente entre as operárias. A maioria delas pertencia previamente – ou se ligava ao chegar à vila – a associações católicas como Filhas de Maria e Apostolado da Oração que, de acordo com observadores críticos, chegavam a conduzir as moças à autovigilância e à submissão.
Segundo algumas fontes, a condição feminina na Vila do Biribiri era limitada, ainda, pela própria divisão do trabalho que destinava apenas aos homens os cargos de supervisão e chefia. Aos homens também cabiam as funções de mecânico, ferreiro, carpinteiro e motorista enquanto as mulheres trabalhavam como fiandeiras, tecelãs, auxiliares de escritório, cozinheiras ou copeiras.
O controle, segundo algumas fontes, era exercido, ainda, por meio do armazém – única opção de abastecimento disponível tendo em vista o isolamento da vila, num momento histórico em que as distâncias eram vencidas com grande dificuldade. E, nesse caso, o controle atingia também os operários do sexo masculino.
Mas as mesmas fontes que indicam os limites, reconhecem que a vila proporcionou aberturas por meio das próprias associações católicas. Essas instituições, segundo alguns relatos, teriam funcionado não apenas como disciplinadoras, mas também como canais de informação e de acesso a leituras, abrindo espaço para uma certa autonomia e até desobediências. Além disso, há registros de que a Vila do Biribiri promovia apresentações de corais e espetáculos teatrais.
A Vila do Biribiri no Cinema e na Literatura
Desde que a fábrica foi fechada em 1973 – 96 anos depois de sua inauguração – o lugar se transformou em uma espécie de cidade fantasma com ares de cenário cinematográfico. Isso não passou despercebido ao diretor de cinema Helvécio Ratton que, ao visitar Diamantina, conheceu Biribiri e se sentiu seduzido por “aquela cidadezinha abandonada”. Com essa imagem na cabeça, foi tecendo uma história para ser rodada na vila e em seus arredores: o filme infanto-juvenil “A Dança dos Bonecos”.
Biribiri foi cenário de pelo menos outros dois filmes: “Xica da Silva”, de Cacá Diegues e “A Hora e a Vez de Augusto Matraga”, de Vinícius Coimbra – este último baseado na obra homônima do mineiro Guimarães Rosa. Na televisão, a Vila do Biribiri teve pelo menos duas aparições: na telenovela Irmãos Coragem, da TV Globo, e na Série Rosa dos Rumos, da TV Manchete.
Mas antes disso tudo a vila operária já havia recebido menções na literatura. A escritora mineira Alice Caldeira Brant escreveu em seu seu livro “Minha vida de menina”, publicado sob o pseudônimo de Helena Morley, que “não teria pressa de ir para o céu se morasse em Biribiri”. A obra reúne anotações que Alice fez em seu diário de adolescente na década de 1890, mas, apesar da despretensão com que foi escrita, é um retrato da sociedade de sua época, por isso acabou se tornando best-seller e sua autora foi considerada uma das escritoras mais importantes do século 19.
Um espaço de visitação e descanso
Aos poucos, a Vila do Biribiri vai passando da condição de cidade fantasma para uma espécie de espaço cultural onde se pode observar a arquitetura e os vestígios da velha fábrica de tecidos. Numa espécie de platô bem próximo à igreja, estão expostos, a céu aberto, alguns teares que integravam o maquinário da Estamparia S.A. e uma enorme polia que foi usada até 1962. Além disso, os galpões industriais passam por reformas para abrigar um museu que contará a história da fábrica e da vila.
A vila já conta com uma pequena estrutura turística: são dois restaurantes – ambos com mesas ao ar livre – e uma pousada. Algumas das antigas casas dos operários também podem receber hóspedes por temporada. Mesmo assim, o lugar permanece tranquilo e silencioso. E não parece que isso vá mudar já que a Vila de Biribiri está localizada dentro de um parque estadual com mais de 16 mil hectares e só pode ser acessada por uma estrada de terra.
No caminho entre Diamantina e a Vila do Biribiri, que dura cerca de 40 minutos, encontram-se duas quedas d’água de tirar o fôlego. A primeira, conhecida como Cachoeira do Sentinela, faz alusão à vigilância a que Diamantina era submetida na época da mineração para que nenhuma riqueza fosse desviada. A segunda, batizada na mesma época, é chamada de Cachoeira dos Cristais. 2
Notas
- 1 Dicionários pesquisados: Dicionário Tupi-Guarani e Pequeno Vocabulário Tupi Português do padre Antônio Lemos Barbosa (PDF)
- 2 Leia, aqui no blog, matérias sobre outros lugares especiais de Minas Gerais: Cordisburgo / Sagarana / Serra das Araras / Paracatu / Dez lugares que nos remetem à Literatura de Guimarães Rosa
Vila do Biribiri – Parque Estadual do Biribiri – Diamantina – Vale do Jequitinhonha – Minas Gerais – Brasil – América do Sul
Fotos
- Sylvia Leite
Participação especial
- Marisa Portela da Marisa Portella Jóias
Referências
- Artigo A FÁBRICA DE TECIDOS DO BIRIBIRI: EMPRESA E FÉ NO INTERIOR DE
UMA VILA OPERÁRIA EM DIAMANTINA/MG, de Katia Franciele Corrêa Borges - Jornal Estado de Minas
- Site do Iepha
Para saber mais
- Conheça também, na Serra do Espinhaço, a Cachoeira do Tabuleiro. As informações estão no blog Viajando com Moisés.
Estive em Biribiri com um grupo de montanhistas, na segunda metade da década de 1980 – 1990. Fomos fazer uma caminhada até o Pico Itambé, nessa região da Serra do Espinhaço. Biribiri é inesquecível e nos encantamos com a beleza e a tranquilidade do lugar. Que bom Sylvia poder conhecer a história dessa vila e saber que continua preservada.
Pois é, para mim foi uma grata surpresa descobrir essa vila da qual nunca tinha ouvido falar.
Minas é um mundo de história e cultura.
Excelente texto, Sylvinha!
Bjs
Minas é um mundo mesmo. Quando morei em Belo Horizonte, tive um colega jornalista que costumava dizer: “Minas é a síntese”. Na época eu encarava essa frase como simples bairrismo, mas começo a achar que ele tinha razão.
Eu fico impressionada com o estado de Minas, tão rico, em várias perspectivas. E eu ainda não conheço, acredita?
Nossa, Soninha, não conhece nada de Minas? Você vai adorar. Aqui no blog tem muitas matérias sobre cidade mineiras e lugares especiais de lá. Dê uma olhadinha.
Já li o livro de Alice Brant! Dá muita vontade de conhecer Beriberi
Você não vai se arrepender, Simone. A Vila do Biribiri é muito interessante.