Atualizado em 30/04/2024 por Sylvia Leite
O ‘cartão postal’ de Paris – a Torre Eiffel – não é, como somos levados a imaginar, um monumento planejado especialmente para funcionar como mirante e destinado a, ano após ano, e década após década, encantar franceses e turistas do mundo inteiro. A obra sequer foi bem recebida pela intelectualidade local, que a considerava inútil e monstruosa. Mais que isso: de acordo com o contrato fechado entre seu construtor – Gustave Eiffel – e o governo francês, a torre seria desmontada em 1910 – 20 anos após a inauguração.
O que mudou o destino do atual ícone francês foi a descoberta de sua utilidade como suporte para antenas de telegrafia sem fio – uma inovação tecnológica que estava dando os primeiros passos no mundo e que abriu caminho para o surgimento do rádio.
A primeira transmissão telegráfica, em 1898, e a instalação de uma emissora de rádio militar, em 1906, teriam sido os principais argumentos usados por Eiffel para convencer o governo a autorizar a permanência da torre além da data prevista para sua desmontagem.
Mas além das pesquisas de radiodifusão, a chamada ‘dama de ferro’ também abrigava centros de estudos de outras áreas, como meteorologia e aerodinamismo. Tanto que, em reconhecimento ao papel dos cientistas, Eiffel mandou gravar seus nomes junto aos de engenheiros e outros franceses que se notabilizaram na construção e sobrevivência da torre. No início do século 20, os nomes foram cobertos com tinta, mas voltaram a ser expostos depois de uma restauração concluída em 1987.
A utilização científica da Torre Eiffel não aconteceu por acaso. Ela fez parte da estratégia de seu construtor para preservar seu negócio e o resultado trouxe benefícios não apenas para o empresário, mas para toda a França. O adiamento do contrato permitiu que a torre se tornasse um importante centro de comunicações militares durante a Primeira Guerra Mundial. Por meio da estação localizada no topo da torre, a França interceptava mensagens enviadas pelos alemães e isso teria ajudado os aliados na Primeira Batalha do Marna, em 1914.
A luta pela construção
Os desafios enfrentadas por Eiffel para construir a torre não foram menores que a exaustiva luta travada por ele em favor de sua manutenção. Para começar, foi difícil chegar a um projeto que lhe agradasse. Conta-se que a primeira proposta apresentada por Stephen Sauvestre, que acrescentou detalhes decorativos, tornando o desenho da torre mais atraente.
Fechado o projeto, Eiffel teve dificuldade de colocá-lo em prática. Teria oferecido a governantes de várias cidades, em diferentes países, inclusive ao de Barcelona, sem qualquer sucesso. Foi quando surgiu o concurso para escolha do projeto arquitetônico do arco que serviria como portal de entrada da quarta Exposição Universal.
A Europa vivia um momento de expansão da indústria, que era o setor dominante em tais exposições, e as estruturas de ferro estavam em consolidação. Antes da Torre Eiffel, seu construtor já havia erguido, entre outras obras, a Ponte de Dona Maria Pia, que liga as cidades do Vila Nova de Gaia, em Portugal, e também a estrutura interna da Estátua da Liberdade que foi um presente da França aos Estados Unidos.
Vencido o concurso, onde enfrentou mais de cem concorrentes, Eiffel deparou-se com as dificuldades da construção. O tempo era curto e o custo muito alto. Teve que arcar com os custos de grande parte da obra, em troca de sua administração por 20 anos. E, para completar, enfrentou uma greve.
A ajuda dos ‘Compagnons’
O grande volume de trabalho exigido para a construção da torre, aliado a um prazo apertado, fez com que a empresa de Eiffel precisasse mobilizar não apenas ferreiros, mas também trabalhadores e outros ofícios. Entre eles estavam os integrantes da Societé des Compagnons Charpentiers des Deviors du Tour de France – uma organização nascida na Idade Média que tinham o compromisso de executar obras em canteiros de toda parte e transmitir seu conhecimento a aprendizes das gerações seguintes, observando os princípios da ajuda mútua e do companheirismo.
Os Compagnons eram carpinteiros e não sabiam trabalhar com ferro, mas tinham expertise estrutural e acabaram atendendo ao chamado de Eiffel. A sociedade ainda existe e seus integrantes continuam sendo considerados artesãos, mas hoje reúnem conhecimento e tecnologia, além de terem ampliado seu campo de atuação.
A oposição de artistas e intelectuais
A resistência da intelectualidade francesa ao projeto da torre foi liderado por Paul Verlaine. Eram escritores, pintores, escultores e arquitetos, todos contrários à torre e a seu idealizador, a quem tratavam como ‘construtor de máquinas’. O manifesto desse grupo foi publicado na íntegra pelo jornal “Le Temps”.
Os protestos começaram antes do início da construção e permaneceram depois que a torre já estava pronta. Talvez influenciados por esses artistas, os moradores do Campo de Marte, região da cidade onde a ponte está localizada, fizeram um movimento pedindo a sua destruição. Mas Eiffel não se intimidou. Argumentou que a França não era apenas um país de artistas, mas também de engenheiros e construtores e disse que demolir sua torre seria como demolir as Pirâmides de Gizé.
Os debates em torno da torre acabaram dando espaço para a criação de piadas. Uma delas dizia que Guy de Maupassant almoçava todos os dias no restaurante da torre porque era o único lugar da cidade do qual não enxergava a torre.
O sucesso nas Exposições Universais
Vencidas todas as dificuldades da fase de construção, a torre foi inaugurada em 31 de março de 1889 e, durante os cinco meses de Exposição Universal, recebeu mais de dois milhões de visitantes, o que já teria começado a contar pontos para sua permanência.
A torre era, talvez, o monumento mais imponente da exposição que contava, também, com um Palácio das Indústrias, um Palácio das Belas Artes um Palácio dos Engenheiros e outras construções.
As Exposições Universais nasceram em Londres, em 1851, com o objetivo de apresentar ao público os meios que o homem dispõe para atender suas necessidades nas mais diversas áreas e suas perspectivas para o futuro. Embora pretendesse, inclusive no nome, ter uma abrangência universal, tanto no aspecto geográfico como no temático, desde o início a indústria ganhou uma posição central, o que ficou evidente no próprio tema da primeira edição do evento: o trabalho da indústria de todas as nações.
A Torre Eiffel, seja pela forma, seja pela composição em ferro, encaixava-se perfeitamente nesse contexto de modernização que envolvia o mundo ocidental. Talvez por isso, tenha feito sucesso, também, na Exposição Universal de 1900, quando foram exibidos os filmes dos irmãos Lumière, usou-se pela primeira vez a energia elétrica para iluminar ambientes externos e foram inaugurados o metrô de Paris e a ponte Alexandre III – esta última com vista para a torre.
A venda da torre
Desde sua construção, especialmente nos períodos de guerra, a Torre Eiffel sempre esteve cercada de proteção e cuidados, mas isso não impediu que em 1925 o monumento fosse objeto de um dos golpes mais famosos do mundo: sua venda como sucata. O autor foi o tcheco Victor Lustig que se passou por funcionário do governo francês para realizar a operação. A vítima foi um empresário do ramo do ferro-velho.
Victor Lustig era um golpista tão esperto que já havia conseguido enganar até mesmo outros golpistas com a venda de supostas máquinas de falsificar dinheiro. Ele teve a ideia da venda ao ler uma matéria que falava da dificuldade do governo, que àquela altura já havia assumido a administração da torre, para arcar com seus custos de manutenção, e tomou isso como argumento para oferecê-la aos principais empresários do setor de ferro-velho.
Conta-se que, ao visitar o monumento na companhia desses potenciais compradores, teria sido tão convincente que os próprios funcionários da torre teriam acreditado que se tratava de um representante do governo. E para dar ainda mais veracidade à falsa venda, ele teria cobrado uma propina com o pretexto de garantir a vitória do cliente na concorrência. O comprador só teria descoberto o golpe quando, depois de concretizado o negócio, foi à prefeitura buscar os mapas da obra, a fim de orientar-se melhor para fazer o desmonte e a extração do ferro.
A Torre Eiffel como símbolo
A Torre Eiffel ganhou fama desde sua inauguração e rapidamente foi alcançando o status de cenário, ponto de referência ou até personagem, tanto de eventos de várias espécies como de obras artísticas. Em 1901, o brasileiro Santos Dumont voou ao seu redor com o balão N-5, na tentativa de ganhar o prêmio Torre Eiffel e deveria retornar retorno ao ponto de saída em apenas 30 minutos. Não foi dessa vez que ele ganhou o prêmio, mas a imagem de seu balão ao lado da torre permanece emblemática até hoje.
Anos depois, em 1912, o alfaiate e inventor francês de origem austríaca, Franz Reichelt, saltou do primeiro andar da Torre Eiffel para testar uma roupa criada por ele, que deveria fazer o papel de paraquedas, mas a invenção falhou e Reichelt morreu de ataque cardíaco antes de tocar o chão. A queda foi registrada pela imprensa e o acidente deu origem ao filme, Le Tailleur Autrichien (O Alfaiate Austríaco), realizado no ano seguinte por Pablo Lopez Paredes. Alguns trechos do registro da queda de Reichelt são mostrados no documentário Marcelo Masagão.
O cineastas estão entre os artistas que mais registraram a Torre Eiffel. Na década de 1920, por exemplo, a torre foi referência central de Pari qui dort (Paris Adormecida), de René Clair.
O filme conta a história de um cientista maluco que cria um raio e, com ele, faz os moradores da cidade adormecerem indefinidamente. Somente alguns jovens que se encontravam no alto a Torre Eiffel escapam do encantamento. Já em 1959, a torre aparece como pano de fundo dos créditos iniciais de Les quatre cents coups (Os Incompreendididos), de François Truffaut.
A Torre Eiffel hoje
Mais de um século depois, as oposições desapareceram e a Torre Eiffel continua encantando e atraindo turistas, aventureiros e artistas de todos os continentes. Seus três andares abrigam bares, restaurantes, lojas e até um museu. Um apartamento que Eiffel construiu para ele no terceiro andar passou a ser mostrado ao público por meio de um vidro. Bonecos de cera colocados na sala representam o próprio Eiffel, sua esposa e Thomas Edison.
No topo da torre estão instaladas mais de cem antenas que permitem a transmissão de dezenas de emissoras de rádio e televisão. Além disso, sua estrutura sustenta 9 para-raios e 8 fios-terra, que garantem proteção a uma extensa área de Paris.
A Torre Eiffel é o monumento pago mais procurado do mundo e é visitada, anualmente, por mais de 7 milhões de pessoas. Há replicas suas em várias partes do mundo, inclusive no Brasil, no município paranaense de Umuarama. Sua iluminação noturna tem 20 mil lâmpadas e é considerada uma obra de arte, por isso não pode ser fotografada para fins comerciais.
Fiel à sua origem como centro de inovação, a torre aderiu, há vários anos, às tecnologias sustentáveis, produzindo um percentual cada vez maior da energia que consome e reaproveitando água da chuva. 1 2
Notas
- 1 Leia, aqui n blog,outras matéris sobre Paris: Passagens Parisienses / Museu dOrsay
- 2 Leia, tmbém,matérias sobre outros grandes ícones da Europa: Ponte 25 de Abril / Belém / Plaza Mayor de Madri / La Giralda / Pantheon / Abadia de Westminster
Para saber mais
- Antes de fechar seu roteiro, leia a postagem Visitar Paris em 4 dias, no blog Descobrir Viajando
- Para saber um pouco sobre outro importante monumento da cidade, leia Grande Arco La Défense em Paris do blog Vaneza com Z
- Caso prefira imagens inusitadas, leia sobre o homem preso à parede ou La Passe-Muraille, no blog Viajar Correndo
- Se quiser saber quais são as 10 melhores coisas para desfrutar em Paris, acesse o blog Fora da Zona de Conforto
- E se você tem filhos pequenos, não deixe de ler a postagem O que fazer em Paris com crianças do blog 6 viajantes
Torre Eiffel – Campo de Marte – Paris – França – Europa
Fotos
- (1) NonOmnisMoriar - Wikimedia - CC BY-SA 3.0
- (2) Benh LIEU SONG - Wikimedia - CC BY-SA 3.0
- (3) Wikimedia Commons
- (4) Projeto de Maurice Koechlin, Émile Nouguier - Domínio Público - Wikimedia
- (5) Autor desconhecido - Wikimedia
- (6) Autor desconhecido
- (7) Patrick Verdier, Free On Line Photos - Wikimedia
- (8) Internet Archive Book Images - Wikimedia
- (9) Desconhecido, Domínio Público - Wikimedia
Que texto delicioso de se ler!
Gratidão, Sylvinha!
Abraços
Que bom que gostou.Obrogada pelo comentário Beijos
Excelente matéria!
Engraçado como ela, a torre, passa de estorvo à cartão postal de Paris! Agora, mais de um de um século depois, é impossível imaginar Paris sem a torre Eiffel, né?
Obrigada, Margareth. A mudança é interessante mesmo e o lado bom disso tudo é que, para evitar a desmontagem da torre, Eiffel abriu espaço para a pesquisa e o desenvolvimento.
Posso dizer que subir na Torre Eiffel foi uma das maiores emoções da minha vida… e eu nem imaginava o tanto de história que havia por trás desses símbolo de Paris. Adoro saber mais sobre os monumentos e seu post está super completo, muito bom!
Obrigada, Cintia. Acho que tudo na Europa tem muita história, né? Afinal, é o Velho Mundo.
Adoro ler os seus textos. São sempre muito inteligentes e carregado de historia e informações. Amei saber mais sobre a Torre Eiffel. Parabéns.
Obrigada, Normeide. Que bom que você gosta. Volte sempre! Toda quinta tem matéria nova.
Ah que bacana saber mais sobre a historia desse monumento tão famoso, não sabia que a torre eiffel tinha sido ameaçada. Ainda bem que temos ela linda e salva para os emocionar.
Pois é. Acho que pouca gente sabe. É gostoso descobrir a história de cada lugar, não é?
Paris foi minha primeira cidade internacional, sou apaixonada pela Cidade Luz e por tudo que a represente. A Torre Eiffel é uma atração espetacular, muito interessante saber sua história e como este monumento foi salvo pela inovação científica. Adorei seu post!
Que bom que gostou e que as informações da matéria lhe foram úteis de alguma maneira. Obrigada pelo comentário.
O dia que eu soube que a TOrre Eiffel era temporária fiquei chocada. Adorei demais conhecer mais sobre essa Torre maravilhosa que Deixa Paris ainda mais romantica!
Que bom que gostou, Contia. Volte sempre. Toda quinta tem novidade por aqui.
Que texto maravilhoso: Torre Eiffel: um monumento salvo pela inovação científica. Já visitei o monumento e não sabia dos detalhes da história! Adorei saber!
Obrigada, Cintia. Bom saber que a matéria sobre a Torre Eiffel conseguiu acrescentar informações sobre um lugar que você já tinha visitado.
Não imaginava toda essa história por trás desse monumento tão icônico como é a Torre Eiffel. Achei muito curiosa a história do golpe para a venda da torre como sucata, eita malandro criativo esse.
Ah, que bom que gostou. São muitas histórias mesmo. E o golpe realmente é curioso.
Até hoje lembro da primeira vez que visitei a Torre Eiffel. Foi uma emoção tão grande, ver de perto um dos monumentos que mais sonhei em conhecer. Estão fazendo um filme (acho que já estreou na França) sobre a construção da torre. Acho que vai ser interessante assistir.
Sim, tudo que conta a história de um monumento é interessante assistir. Obrigada pelo comentário.
Já tive imensas oportunidades de ir para Paris, e só de saber que a Torre Eiffel era um monumento temporário que ficou definitivo fiquei feliz kkkk é um verdadeiro espetáculo vê-la de perto, uma construção belíssima
Eu amei saber a história da torre e de Gustave Eiffel. Eu moro pertinho mas ainda não tive oportunidade de ir pra Paris, mas quero muito! Esse texto está delicioso de ler, fiquei preso, muito obrigado por compartilhar!
Eu que agradeço pela leitura e pelo comentário. Que bom que gostou. Volte sempre! Toda quinta tem matéria nova no blog.
A Torre Eiffel é realmente impressionante, estive em Paris duas vezes e parece que vê-la é como receber um beliscão de que realmente estou na cidade luz. Ainda bem que ela foi salva e virou permanente.