Atualizado em 30/04/2024 por Sylvia Leite
Quem é nordestino sabe que, para muitas famílias da região, festa de fim de ano é sinônimo de Queijo do Reino. A iguaria, de preço elevado, sempre foi e continua sendo um dos mais cobiçados itens das cestas de Natal nos estados do Nordeste. O que muita gente não sabe é que aquele sabor tão especial tem origem em alterações provocadas pelo tempo, e pelas condições de transporte, em um queijo holandês trazido ao Brasil em porões de navios, para abastecer a família real e os nobres portugueses.
O antecessor do Queijo do Reino é o Edam, na época muito difundido na Europa e o preferido da corte portuguesa. O produto saia da Holanda para Portugal, onde era embalado em latas arredondadas – uma espécie de cuias sobrepostas – para ficar protegido dos balanços e pancadas que poderia sofrer durante a travessia do Atlântico. Mas esse cuidado não impedia que o queijo, amarelo claro e suavemente salgado e picante, sofresse uma espécie de maturação, ganhando cor e sabor muito mais intensos que os do produto original.
Como era inicialmente destinado aos integrantes da nobreza, o queijo passou a ser conhecido como Queijo do Reino. Com o tempo, o produto foi difundido entre os brasileiros de maior poder aquisitivo e consumi-lo, passou a ser, então, um sinal de ‘status’. O aumento da procura pelo queijo ‘forjado’ nos porões dos navios fez com que, em 1888, o médico e pecuarista Carlos Pereira de Sá Fortes passasse a produzir o primeiro queijo maturado industrializado do país. Para isso, ele contratou dois técnicos holandeses e com a ajuda deles criou, em Palmyra, Minas gerais, atual Santos Dumont, a primeira indústria de laticínios da américa Latina.
Nasce o Queijo do Reino
Embora a receita do queijo do reino seja baseada na do queijo Edam, o processo de maturação que foi acrescentado ao produto nacional o torna completamente diferente de seu antecessor, especialmente se considerarmos o que era enviado ao Brasil na época colonial, pois atualmente existem variações do Edam que também são maturadas.
Do queijo holandês, além da inspiração, o do reino herdou principalmente a forma arredondada. A casca vermelha, que talvez se possa considerar outra herança, tem característica bem diferente: é comestível e composta por uma mistura que leva urucum, enquanto a do Edam é feita de cera e só existe nos produtos destinados à exportação. Mas há quem diga que o Edam dos tempos da colônia também usavam urucum que os índios vendiam aos holandeses. Se pensarmos naquele Edam que chegava ao Brasil na época do Império, o Queijo do Reino manteve também a embalagem de lata, mas essa, como já vimos, era uma iniciativa portuguesa para enfrentar a viagem.
Origem da tradição
O costume de consumir queijo do reino está tão arraigado no Nordeste que alguns nordestinos sequer suspeitam que essa tradição só existe por lá. Sim, porque em outras regiões do país esse queijo não apenas está fora do cardápio natalino, como é desconhecido pela maioria das pessoas. As exceções são raras e sem qualquer vínculo com a tradição. A tradicional lanchonete Estadão, no centro de São Paulo, por exemplo, tem em seu cardápio um ‘sanduiche de queijo Palmyra’, que nada mais é que um sanduiche de Queijo do Reino. Mas ninguém conhece por esse nome. Nem costuma consumi-lo fora desse contexto.
As explicações sobre a relação do Queijo do Reino com as festas de fim de ano são bastante nebulosas. Para alguns, esse queijo representa a união da família. Outros acreditam que sua vinculação com o Natal esteja relacionada à casca vermelha – cor da roupa do Papai Noel e da maioria dos enfeites natalinos. Seja qual for a razão, o fato é que, segundo os produtores, nessa época do ano seu consumo costuma aumentar cerca de oito vezes porque, além de levar para casa, os nordestinos de hábitos mais tradicionais costumam de comprar Queijo do Reino para presentear parentes e amigos.
Os motivos pelos quais o queijo do reino é mais
consumido no Nordeste também não são conhecidos. Há quem afirme que é herança da ocupação Holandesa em Pernambuco, que acabou se espalhando para outros estados. Aparentemente, a tese faz todo sentido pois Pernambuco é o maior consumidor de Queijo do Reino do país e é o estado onde essa tradição se mantém mais firme. Mas, como vimos anteriormente, o queijo começou a ser trazido para o Brasil pelos portugueses.
Mesmo sendo um produto caro, o Queijo do Reino é procurado por famílias de todas as classes sociais. Para isso, é oferecido não apenas na lata formada por duas cuias, mas também em pedaços pré-embalados que podem representar a metade ou um quarto da peça inteira.
A razão do Queijo do Reino ter um preço alto está em pelo menos três fatores: o primeiro é que, para a produção de um quilo, são usados cerca de 14 litros de leite e muita energia. O segundo diz respeito ao tempo de maturação. O tipo mais simples leva pelo menos dois meses nesse processo e, o mais sofisticado, até dois anos. O terceiro fator é a exigência de mão de obra porque o processo é artesanal e o produto precisa ser virado diariamente, peça por peça.
Um ingrediente especial
Nas mesas natalinas, o queijo do reino costuma ser consumido puro, em estado natural, geralmente como entrada da ceia, mas, além disso, seja no fim do ano ou durante as festas juninas – quando também aumenta a procura – ou, ainda, em qualquer outra época do ano, seu consumo se dá das mais diversas maneiras, especialmente como recheio de sanduiches ou como acompanhamento de doces. A jornaista Nide Lins, em seu site sobre as delícias de Alagoas, conta que na época do Natal sua mãe fazia doce de caju em calda para ser servido com queijo do Reino.
O queijo de cuia, como é chamado por alguns, também sempre foi usado como ingrediente para doces. Caso do recheio do brasileiríssimo olho de sogra, que em outras partes do país é feito com leite condensado, sem acréscimo de queijo. É também ingrediente da famosa queijada nordestina que, apesar do nome, em sua versão popular leva apenas côco.
A opção de usar queijo do reino nas receitas de doces, em substituição a outros tipos de queijo, ou, simplesmente, como um ingrediente a mais para ‘incrementar’ a receita, sempre foi adotada por algumas donas de casa e doceiras nordestinas, mas, nas últimas décadas, essa prática parece ter sido descoberta pelos chefs de cozinha da região, que começaram incluir o Queijo do Reino na lista de ingredientes regionais, criando releituras e até novos pratos e fazendo, por exemplo, com que empadas de Queijo do Reino concorram com as tradicionalíssimas de camarão.12
Notas
- 1 Leia, aqui no blog, outras matérias relacionadas ao Ciclo Natalino: Presépio / Ano Novo / Auto de Natal
- 2 Leia, também, matérias sobre outras tradições culturais brasileiras: Ini ou Rede de Dormir / Figureiros de Taubaté / Literatura de Cordel / Bumba Meu Boi / Carnaval da Bahia
Queijo do Reino – Nordeste – Brasil – América do Sul
Fotos
- Divulgação
Referências
- Blog Queijos especiais , de Jair Jorge Leandro
- Site Milkpoint
- Site Observatório do Patrimônio Gastronômico do Nordeste e do Espírito Santo - OPANES - SENAC
- Sites de empresas produtoras de Queijo do Reino
Adoro queijos de modo geral mas não lembro de ter provado o queijo do Reino. Muito interessante a história desse queijo. Fico imaginando quantos outras historias exitem assim em nossa culinária.
Pois é, Lilian, temos muitas histórias para descobrir por esse país afora. Fique ligada que toda quinta tem matéria nova no blog, sempre com muitas histórias.
Que matéria linda!! Parabéns! Deu água na boca inclusive! Rsrsrsrs (sério!). Agora, de combinação com doce, acho o também nosso queijo de qualho bem superior em sabor ao queijo do reino.
Deixo a sugestão de uma matéria "arrasante" como esta para o queijo de coalho.
Abraços!
Walter Eudes
(Pernambuco)
Sugestão aceita, Walter Eudes, e obriigada pelo comentário. Volte sempre.Toda quinta tem matéria nova no blog e todo dia tem link, lá no Facebook, para matérias já publicadas. Acompanhe!!!
Se eu já gostava, agora vou me considerar seguidor. Delícia de informação Silvinha.
Seguidor do blog ou do queijo? rsrsr Obrigada pelo comentário.
Como mineira sou enlouquecida por queijos. Amo e devoro literalmente. Desconhecia a origem do Queijo do Reino e seu incrível histórico.
Como mineira sou enlouquecida por queijos. Amo e devoto literalmente. Desconhecia a origem do Queijo do Reino e seu incrível histórico.
Que delicia ler esse post sobre o queijo do reino. Eu amo queijo, mas esse tenho um carinho maior, pois me lembra muito meu avô que era louco por queijo do reino. Amei saber mais sobre ele.
oi boa noite. você pode me dizer qual a melhor marca?desde já agradeço. Boa Noite
Vanilza, essa pergunta é muito difícil de responder. Primeiro porque não sou da área de gastronomia. Segundo porque o Queijo do Reino é como vinho. Cada safra é um pouco diferente. E terceiro porque depende do gosto da pessoa. Uns preferem mais condimentado, outros menos. Uns preferem mais gorduroso, outros menos. Sugiro que compre pequenos pedaços de cada marca e experimente. Ou faça essa pergunta a pessoas da área gastronômica.
É uma delícia mesmo, Hebe. Em Aracaju tem umas empadas de Queijo do Reino irresistíveis.
oi boa noite por gentileza você têm a receita de queijadinha com queijo reino?desde já agradeço boa noite
Infelizmente não tenho, Vanilza, mas talvez você consiga em um dos inúmeros sites de receitas se fizer uma busca no Google ou no Bing. Ou mesmo nos sites das marcas.
Sylvia, querida, onde tem link pro "cardapio" completo de textos do blog?
Adorei a história do queijo do reino; lembro que papai comprava o queijo " palmyra" em sua lata (cuia) vermelha ��
Isso. Eu também tenho essa memória do queijo Palmyra da lata vermelha. memória de infância. Depois vieram outras marcas.
Na barra lateral da versão para computador tem um menu de países e um de estados brasileiros. Por eles você chega a todas as matérias. OBS: A versão para computador pode ser acessada também por celular. Basta ir até o fim e clicar em VISUALIZAR VERSÃO PARA WEB.
Atenção: a resposta acima valia para quando o blog ainda estava no Blogger. Agora os menus estão todos na HOME, ou seja, na página inicial do blog. No cabeçalho está o menu geográfico e na barra lateral está o menu temático.
Acho que muita gente desconhece, Deyse, não só a história mas o próprio queijo.
Que delícia conhecer essa história do queijo do reino, quero muito provar, pois ainda não conheço, valeu por compartilhar.
É delicioso, pode acreditar!
Queijo do Reino tem o sabor da minha infância! Não sabia que sua história passava pelos porões dos navios! Ótimo post
Que bom que gostou, Angela. Volte sempre. Toda semana tem matéria nova por aqui.
Conheci o queijo do reino quando morei no Recife e sempre gostei muito dele, mas desconhecia a história. Nem sabia o motivo do nome. Obrigada por compartilhar essa informação!
É muito interessante, não é? Eu também gosto muito de Queijo do Reino e sempre me perguntei por que motivo ele é tão valorizado no Nordeste e tão pouco conhecido em outras partes. Até que um dia resolvi pesquisar e acabei descobrindo essa história fantástica.
O queijo do reino é ‘cultural’ no natal do nordestino realmente, sinceramente pensava que fosse uma tradição do Brasil todo. Aqui em casa adoramos, meu marido ama comer com pão francês e com nosso delicioso bolo de rolo então, é uma iguaria imperdível estando no meu amado Pernambuco.
Pois é, eu também pensava assim. Sou de Aracaju e só descobri que é uma tradição do Nordeste quando fui morar em outros estados e constatei que quase ninguém conhecia ou, pelo menos, quase ninguém valorizava da mesma forma.
Um post de dar água na boca, sem dúvida! Pelo queijo, que eu adoro e pelo relato!
O Queijo do Reino é maravilhoso mesmo.